O projeto "Mais Nozes que Vozes - Saúde Mental sem Fios" (MNQVozes) leva à Engenharia Rádio, "sem censura e sem estigmas, momentos e encontros criadores, clarificadores e integradores, que estreitam laços entre as pessoas com experiência de doença mental e a sua comunidade", disse à Lusa o coordenador da estação de rádio, Filipe Borges Teixeira.

Este programa, concebido em 2011 pela Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar São João (CPSM-CHSJ), como parte das suas atividades para prevenção e reabilitação de doença psiquiátrica, passou agora a ser gravado e produzido em parceria com a Engenharia Rádio, entidade responsável pela difusão mensal do programa.

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O objetivo principal desta iniciativa passa por auxiliar o utente psiquiátrico numa fase de reabilitação, conduzindo-o a "papéis novos e relevantes dentro da sua comunidade", bem como pela diminuição do estigma social relativamente às doenças mentais, explicou Ana Sofia Machado, membro da equipa da CPSM-CHSJ responsável pelo projeto.

Vários benefícios

Os temas explorados são decididos programa a programa, dentro do grupo, tendo em consideração os interesses dos pacientes e a atualidade, continuou, acrescentando que, embora não exista uma idade mínima para participação, os doentes devem ser maiores de idade ou próximos da mesma, para efeitos de integração no grupo e autonomização.

Através deste projeto, a rádio torna-se, assim, "um espaço de autonomia - incentivando a espontaneidade -, bem como um meio de reconstrução da linguagem, que se encontra, muitas vezes, prejudicada na doença mental grave", indicou Ana Sofia Machado.

A mais-valia desta iniciativa, referiu, relaciona-se com as potencialidades da rádio como meio de comunicação e com as diferentes capacidades desenvolvidas na gravação, edição de programas, entrevista e locução.

"Acresce a ausência da componente visual, que resulta, naturalmente, numa maior atenção no conteúdo e na forma do que se tem a transmitir", notou.

De acordo com a responsável, a doença psiquiátrica "continua a ser associada a comportamentos violentos e perigosos. No entanto, é importante salientar um outro tipo de estigma paradigmático: o da incapacidade e menos-valia".

Ana Sofia Machado salientou que, embora exista um maior reconhecimento da doença e procura por tratamento, "mantém-se a descrença, a intolerância e o desmérito por estes doentes", o que dificulta a sua integração e cria obstáculos que impedem a obtenção de "papéis relevantes" na sociedade e de "vidas significativas".

Para o diretor da CPSM-CHSJ, Rui Coelho, através da realização mensal deste programa, "o mundo da psicose, que é mais familiar [ao doente], é posto de parte, levando-o a ser estimulado a pensar num tema, formar uma opinião, redigir e transmitir, sentindo-se reconhecido e ouvido".

Também para o coordenador da estação de rádio, Filipe Borges Teixeira, esta é uma parceria que lança desafios importantes: por um lado, a comunicação como ferramenta de reabilitação dos utentes, e, por outro, a integração dos utentes no meio universitário, "onde a diferença de idades, relativamente aos estudantes, é considerável".

Segundo uma informação disponibilizada pela FEUP, a criação deste projeto deve-se ao trabalho desenvolvido pelo antigo diretor da CPSM-CHSJ, António Roma Torres, que inspirou-se nos primeiros programas de rádio conduzidos por utentes de psiquiatria, na Argentina, em Itália, França, Espanha e Suécia, entre outros, na década de 90.