“Ficamos mais chocados sobretudo quando as duas ordens, e naturalmente os seus profissionais, que é quem está no terreno, durante o período da pandemia fizeram um esforço absolutamente excecional para garantir que conseguíamos que nenhum doente em Portugal ficasse sem a sua medicação durante o período do confinamento”, disse à Lusa a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos.
Ana Paula Martins recorda que “foram os farmacêuticos hospitalares, os da rede de farmácias, os médicos que nos hospitais que fazem a prescrição destes medicamentos, em conjunto e com o apoio de todos os parceiros do setor, como a indústria farmacêutica e a distribuição, que conseguiram que esta situação não fosse mais um problema”.
Conidera que há falta de transparência no processo e que questiona os critérios para a escolha de algumas unidades hospitalares para o grupo de trabalho, em detrimento de outras.
“Alguns, como o Hospital de São João, ou o Centro Hospitalar de Coimbra, até conseguimos entender, pois têm experiências nesta área da entrega de proximidade, mas, por exemplo, o Centro Hospitalar Lisboa Central, que foi o primeiro a iniciar projetos de proximidade, em 2015, com medicamentos para o VIH/Sida não foi incluído. Porquê?”, questiona a bastonária.
Ana Paula Martins diz ainda ser incompreensível a inclusão no grupo de trabalho de dois elementos da Comissão de Farmácia e Terapêutica: “Isto prova uma coisa a muito grave: falta de transparência na governação, sobretudo numa altura em que devíamos estar todos unidos”.
“As ordens estão muito cientes dos interesses neste domínio e dos poderes que se gerem aqui”, acrescentou.
Num comunicado conjunto, as duas ordens profissionais sublinham que foram igualmente excluídos “de forma absurda” os representantes dos doentes e os parceiros do setor farmacêutico e da distribuição.
“Os reais beneficiários desta medida, os doentes, ficam na mera posição de poderem vir a ser ouvidos, caso o grupo de trabalho assim o entenda”, afirmam.
Consideram ainda que o prazo de 60 dias que o grupo de trabalho tem para concluir as propostas, que corresponde aos meses de agosto e setembro, “antecipa um processo ineficiente, que nada acrescenta às experiências que estão no terreno há mais de dois anos”.
“Ficará longe de assegurar as condições para que o País possa enfrentar novas vagas da pandemia de covid-19 e o próximo inverno”, acrescentam.
No comunicado, as ordens dizem também que esta exclusão de profissionais e doentes da discussão sobre temas que lhes dizem diretamente respeito revela o Ministério da Saúde “uma faceta de prepotência e pouco democrática, como se fosse ‘dono disto tudo’”.
Recordam que a dispensa de medicamentos hospitalares num regime de maior proximidade está a ser estudada há mais de 20 anos pelo Infarmed, com experiências-piloto no terreno desde 2015, e lembram que impulsionaram, durante a pandemia, o alargamento de um serviço de entrega dos medicamentos habitualmente dispensados nas farmácias hospitalares ao domicílio dos utentes ou através das farmácias comunitárias por eles escolhidas.
“O projeto contou com a colaboração de 20 associações de doentes, envolveu mais 30 hospitais e mais de 2.000 farmácias comunitárias, dando resposta a mais de 13.000 utentes”, sublinham.
As ordens dos médicos e farmacêuticos consideram que, nos moldes em que foi constituído, este grupo de trabalho se revela “inútil e simples consumidor de tempo e recursos”.
O despacho que cria o grupo de trabalho, publicado esta semana, é constituído por representantes do Infarmed, da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do Centro Hospitalar Universitário de São João, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, do Instituto Português de Oncologia – Lisboa, do Hospital Garcia de Orta e do Centro Hospitalar Tondela-Viseu.
Quanto aos representantes dos doentes, o despacho refere que “compete ao Grupo de Trabalho, no âmbito dos trabalhos a desenvolver, a decisão de consultar e envolver as associações representativas do setor, as associações de doentes ou outras entidades que considere relevantes”.
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