
De que forma é que o stress pode condicionar o dia a dia das pessoas e chegar ao ponto de ser debilitante?
Antes de mais, é preciso clarificar os termos. Stress é uma palavra inglesa oriunda da mecânica e que é sinónima de "pressão". Perde-se no tempo o uso da palavra stress no sentido metafórico que hoje está vulgarizado. A palavra entrou no vocabulário científico e internacionalizou-se na sequência dos trabalhos de um fisiologista húngaro, residente no Canadá – Hans Selye – que, nos anos 30 do século passado, verificou que quando os organismos eram agredidos por um traumatismo, infeção ou queimadura, reagiam produzindo uma hormona, o cortisol.

O curioso é que a secreção de cortisol era uma resposta única apesar de as agressões serem variadas, inclusive agressões de tipo psicológico. Este conceito unificador, que na altura teve grande difusão no meio científico e no público em geral, foi designado por Selye como stress.
O termo é ambíguo desde o início, pois tanto se pode referir à agressão como à resposta. Também não é verdade que a resposta seja sempre a mesma e independente do estímulo, embora o aumento da secreção do cortisol seja comum. Assim, a palavra stress foi praticamente saindo do vocabulário científico sendo conservada apenas na expressão “stress oxidativo” que se refere a processos de biologia molecular demasiadamente complexos para tratarmos aqui.
Hoje, stress é uma palavra vaga, que pode ter vários sentidos e refere-se, em geral, a processos mentais. Se uma pessoa tem uma pneumonia está sujeita a um violento stress inflamatório, mas ninguém fala em stress, diz-se apenas que tem uma pneumonia. O mesmo se passa quando alguém partiu uma perna.
Como o confronto com o mundo é parte integrante da vida e nos mantem atentos e funcionantes, dizemos “bom stress” (ou stress adaptativo) quando nos referimos aos estímulos com os quais somos capazes de lidar e constituem, por assim dizer, a nossa “ginástica de manutenção” como seres vivos. Dizemos “mau stress” (em inglês “distress”) quando o estímulo excede a nossa capacidade de resposta e provoca sofrimento ou doença. É também importante distinguir o stress agudo (por ex. um atropelamento, a notícia da morte de alguém próximo) do stress crónico (por ex. viver em condições humilhantes). De qualquer forma a expressão “estou com stress” pode parecer erudita, mas não é mais informativa do que o vernáculo “é muita areia para a minha camioneta”. E, certamente, não é um diagnóstico médico respeitável.
Claro que o stress, em sentido lato, condiciona o dia a dia das pessoas e, se excessivo (pela sua intensidade ou cronicidade), pode ser debilitante – é o tal “mau stress”.
Em relação ao stress como causa de cancro as evidências são menos claras
Esse mau stress pode aumentar a propensão para doenças, como cancro?
Os cancros são doenças muito diferentes umas das outras, mas são todas multifatoriais e vão-se desenvolvendo gradualmente ao longo da vida. O peso de cada fator pode variar muito de pessoa para pessoa e de cancro para cancro. O stress está presente na vida de todos nós, mais nuns do que noutros, claro. As pessoas que falam para o grande público em nome da ciência, devem, a meu ver, ser comedidas nas suas afirmações.
Há hoje evidência que alguns fatores estão causalmente associados ao desenvolvimento de cancros como, por ex., o tabaco, a exposição a radiações, a exposição a amianto que provoca certos tumores da pleura, por exemplo. Em relação ao stress como causa de cancro as evidências são menos claras. E os mecanismos que intermedeiam a relação entre o stress e cancro (se é que ela existe) podem ser indiretos e depender de fatores sociais.
Que descobertas recentes no campo da endocrinologia e do stress considera mais relevantes?
Penso que as maiores novidades no campo da endocrinologia e do stress não se referem a esta ou aquela descobertas específicas mas sim ao enorme desenvolvimento da biologia molecular e das neurociências que têm vindo a acrescentar grandes progressos no diagnóstico e terapêutica - sobretudo a biologia molecular - e também mais níveis de complexidade ao nosso conhecimento. Quando me lembro das certezas que tinha no início da minha vida profissional fico hoje espantado como é possível ser tão cego e convencido.
A evolução que me parece mais interessante no conhecimento do stress (e isto é uma opinião pessoal) é o deslocamento do foco do stress como um factor individual de doença para incidir mais nos factores sociais e na morbilidade a eles associada. Refiro-me ao desemprego e outras formas de exclusão social, à pobreza, ao burnout e ao bullying. Claro que o sofrimento também depende de características individuais – umas pessoas são mais resilientes do que outras. Mas as causas sociais de stress e de doenças a ele associadas são hoje óbvias e requerem intervenções que transcendem o âmbito dos cuidados individuais de saúde.
A prolactina ainda é um mistério para a comunidade científica?
A prolactina é uma hormona sem a qual cada um de nós passaria muito bem. Na realidade a sua secreção é abundante durante a gravidez e aleitamento, mas é muito reduzida fora destas situações.
Então, para que serve? Será que a Natureza inventou mecanismos inúteis? A prolactina não é necessária para a sobrevivência individual mas é necessária para a sobrevivência da espécie. Como o seu nome indica a prolactina é indispensável para a produção de leite. Mas não só. A prolactina promove o instinto maternal. Em animais isso é evidente: quando se inibe a acção da prolactina os hamsters e outros roedores comem os próprios filhos.
A reprodução tem duas fases: a sexualidade e o cuidar das crianças. A sexualidade está ligada ao funcionamento das hormonas sexuais. A maternidade está ligada à prolactina. Ambas são indispensáveis e prazenteiras, mas são dificilmente compatíveis em simultâneo. Digamos que há um tempo para a discoteca e outro para as fraldas. Esta última fase está relacionada com a prolactina e com uma outra hormona de que não nos vamos ocupar agora – a ocitocina.
A prolactina também promove a poupança de energia pelo organismo e facilita a obesidade. O que é que isso tem a ver com a reprodução? Tem muito, porque as despesas energéticas, para a mãe, de uma gravidez e de um aleitamento são enormes. As mulheres têm que ir construindo, desde o início da gravidez, depósitos de gordura suficientes para poderem ter alguma garantia de conseguir levar por diante a tarefa de fazer crescer a criança até que ela adquira autonomia.
Daí que a prolactina reduza os desperdícios de energia e, portanto, pode ter responsabilidades em algumas situações de ganho de peso. Curiosamente, algumas situações de stress psicológico acompanham-se de aumento de peso e de aumento da secreção de prolactina, não de cortisol. São as chamadas depressões atípicas. Mas isto já são outras histórias.
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