Qual o panorama atual da situação das urgências?

O panorama atual das urgências é de rotura. As notícias, quer na televisão, quer nos vários jornais do país, salientam a grande afluência de utentes aos vários serviços de urgência (SU) portugueses, com destaque para o número extraordinário que se aproximou de 1000 episódios de urgência num único dia, no hospital de S. João no Porto, há uma semana. Mas este panorama tem vindo a manter-se no tempo. Os dados mostram que em Portugal, desde 2013, temos tido, em média, seis milhões de atendimentos de urgência hospitalar por ano (45% não prioritários, segundo a triagem de Manchester) e que este número tem tido uma tendência crescente, exceto no ano de 2020.

Como é que tem sido a situação pós-COVID?
Atualmente, e com o alívio das medidas emanadas pela DGS, a população relaxou. Muitas pessoas começam a não usar a máscara (que tanto nos defendeu das infeções virais de inverno) e deixaram de ter receio de recorrerem aos vários SU. Em consequência, temos o surto de gripe (que habitualmente ocorre mais cedo entre dezembro – janeiro, e agora está a aparecer em março – abril) e a afluência às urgências a bater recordes, relativamente a anos anteriores.

Quais foram as principais dificuldades sentidas durante o pico pandémico?
A crise pandémica COVID-19, ao condicionar fatores económicos, sociais e de saúde, constituiu uma ameaça à saúde publica e um desafio global, exigindo à população o cumprimento de recomendações/ normas que foram, como sabemos, dinâmicas e evolutivas, no sentido de minimizar o risco de infeção e a propagação do vírus. Nos hospitais, foram os serviços de urgência os que mais sentiram o efeito da pandemia. Tiveram uma enorme abrangência na prestação de cuidados de saúde à população, devido ao aumento exponencial da procura com sobrelotação e as suas consequências nefastas para os doentes, profissionais de saúde e para o próprio SU que se tornou disfuncional. De facto, a crise económica e pandémica veio reforçar as preocupações com a sustentabilidade do nosso SNS: tivemos a afluência a bater recordes, com aumento exponencial da afluência a montante, déficit grave de pessoal com equipas de urgência em todo o país no limite, e a sensação de desproteção por parte dos profissionais de saúde com aumento das taxas de burnout. Uma das maiores dificuldades sentidas durante a pandemia foi a reorganização hospitalar necessária, para lhe fazer frente, especialmente em hospitais com mais de 40 anos de construção, alguns de polo único. Foi de facto um grande desafio, fazer a construção/delineação de circuitos e fluxos de doentes para assegurar a separação dos circuitos e fluxos da urgência geral “tradicional”; criar pré-triagem para doentes respiratórios e não respiratórios e aplicar protocolos de triagem por gravidade de doentes na urgência COVID-19; criar uma área tampão entre o SU e o internamento onde ficam os doentes com critérios de internamento à espera do resultado do teste SARS-CoV-2 (4-5 h); assegurar que os circuitos até ao internamento convencional e dedicado à COVID-19 estão completamente separados e elaborar protocolos dinâmicos e adaptados às evidências que vão surgindo em termos de abordagem clínica, critérios de internamento e alta e terapêutica.

Quais as expectativas para este congresso?
Neste congresso esperamos juntar muitos congressistas, médicos e enfermeiros hospitalares e de Medicina Geral e Familiar (da área médica e cirúrgica), com ênfase nos internistas, cirurgiões e especialidades de fronteira com a Medicina Interna. Contamos também com a presença de médicos dentistas que têm mostrado interesse em participar neste congresso. Temos duas grandes expectativas: formativas, porque mantemos a nossa vontade de atualização do conhecimento e das nossas competências técnicas e não técnicas nas mais diversas situações clínicas com que nos deparamos no SU; e de sensibilização da tutela para as soluções propostas pelos peritos, que neste congresso, mais uma vez, vão sugerir para a resolução dos problemas à volta da urgência.

Porquê a escolha do tema “Serviço de Urgência – o mar que nos une”? Qual a importância do mesmo nos dias que correm?
“O mar que nos une” significa, por um lado, a união física, através do mar entre todos os SU portugueses, continente e ilhas, e, por outro, a vastidão dos problemas (aqui representados pela imensidão do mar), que encontramos à volta dos SU, cujas soluções já foram encontradas, abordadas e esplanadas por quem realmente trabalha neles, e se preocupa com a sua resolução, mas que até agora não foram postas no terreno, pelo menos de uma forma global em todo o país. Algumas dessas soluções já foram postas em prática com sucesso em algumas regiões do país e em outros países como na nossa vizinha Espanha (ex: portas alternativas à entrada nos hospitais, gestão integrada do doente crónico entre outras).

Quais foram os principais critérios na escolha dos temas que fazem parte do programa científico?
O nosso critério foi exatamente ir por um lado, ao encontro do nosso objetivo de valorizar a nossa formação em urgência, formação, atualização do conhecimento científico e das nossas competências técnicas e não técnicas para a correta abordagem do doente urgente e emergente nos diversos SU portugueses. Por outro lado, fazer deste congresso mais um espaço para refletir sobre os problemas à volta da urgência, encontrar mais soluções e discutir as soluções já encontradas em outros eventos dentro da SPMI (através do NEUrgMI ou da própria direção), no nosso Colégio da Especialidade e em consensos entre os colégios das duas especialidades nucleares na abordagem do doente agudo em Portugal (Medicina Interna e Medicina Geral e Familiar). Pretendemos ir ao encontro do nosso primeiro objetivo, nas conferências de abertura – “Valorizar a formação em urgência” – e na de encerramento – “Como valorizar esta mesma formação em descontinuidade territorial” – mas também um pouco em todas as sessões, mesas redondas e encontros com o especialista do congresso, e com os vários cursos pré-congressos dirigidos a internos e especialistas, nomeadamente “O Internista e a urgência 2022”, “Point-Of-care ultrasound (POCUS)”, “Curso básico de Medicina Intensiva (CbaMI)” e “Suporte Avançado de Vida”. Irá também acontecer o brainstorming “Reflexão sobre os problemas à volta da urgência”, moderado por um jornalista e com um painel de peritos nesta área.

Que cunho pessoal quer imprimir nesta sétima edição? Qual a história deste congresso?
Sou coordenadora do NEUrgMI, chefe de equipa do SU, dirigi durante 13 anos o serviço de Medicina Interna da RAM, que despende todos os dias nove a 10 elementos do serviço para o SU, que na minha ilha é feito só por internistas, e tenho estado empenhada em pensar em soluções para tentar resolver estes problemas à volta das urgências, tendo-me envolvido num doutoramento nesta área, com a tese sobre sobrelotação dos SU em Portugal, mais concretamente, as causas, consequências e soluções. O primeiro Congresso Nacional da Urgência foi organizado por mim e aconteceu no Funchal em 2015, com o objetivo principal de promover a atualização de conhecimentos entre internos e especialistas que trabalham nas urgências, por forma a melhorar a qualidade da prestação de cuidados ao doente em ambiente de urgência. Quisemos criar um fórum de discussão positiva, onde fossem definidas e elencadas uma série de soluções que permitissem iniciar uma revolução na vida dos SU. Este evento resultou da vontade e da necessidade de ampliar e dar mais voz ao curso “O internista e a urgência”, criado por mim em 2008 e que se realizava anualmente na Madeira, desde essa data. Este curso crescia de ano para ano, pelo que achámos importante dar um salto e transformar o curso num congresso, juntando outras formações e temáticas, não só para preparar e atualizar os médicos que fazem urgência, mas também para partilhar experiências. Apesar de a prestação de cuidados de saúde com qualidade nos serviços de urgência ser uma preocupação cada vez mais presente, faltava um palco comum para debater problemas e soluções, razão pela qual resolvi integrar este curso nos cursos do Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo da SPMI e ampliá-lo para um congresso anual. Desde então toda a equipa do NEUrgMI se empenhou na realização deste congresso nacional, tendo ficado logo de início estabelecido que o congresso iria percorrer o país, de norte a sul. De facto, já estivemos em Braga, Portimão, Setúbal, Coimbra, Penafiel e este ano voltamos ao Funchal, onde começou.

O que destaca na realização deste congresso?
Diria que o que mais se salienta na realização deste congresso é a nossa resiliência e insistência na resolução dos problemas à volta das urgências. Espero que este congresso sirva para sensibilizar os nossos governantes para as soluções que propomos e que estão em sintonia com os colégios das especialidades que mais têm trabalhado em urgência, e por isso mais experiência têm na abordagem do doente agudo em Portugal, como é o caso da Medicina Interna, Medicina Geral e Familiar e Pediatria.

Para terminar, que palavras deixa a todos os que irão participar?
Para o sucesso desta iniciativa contamos com a presença e participação de todos e prometemos não vos dececionar. A comissão organizadora dedicou-se para ir ao encontro das vossas expectativas e às reais preocupações que todos nós temos relativamente às urgências em Portugal.