Sara Manitoski foi encontrada sem vida durante uma viagem de estudo, na ilha de Vancouver, no Canadá. Na manhã da sua morte, as amigas de Sara saíram da tenda onde estavam hospedadas pensando que esta ainda estaria a dormir. Quando voltaram, a jovem encontrava-se exatamente na mesma posição e imóvel.

As colegas chamaram os serviços de emergência, mas a adolescente acabou por não resistir à síndrome do choque tóxico. O caso aconteceu em março de 2017, mas só agora foi divulgado nos meios de comunicação.

A autópsia confirmou as suspeitas médicas: a menina morreu vítima da Síndrome do Choque Tóxico (STC), provocada pela bactéria staphylococcus aureus.

Doença rara, mas potencialmente fatal

A SCT é uma doença rara, mas potencialmente fatal, que chamou à atenção do público em 1980, quando 812 casos foram descritos em utilizadoras de tampões. Voltou às luzes da ribalta em 2012 quando a modelo Lauren Wasser amputou a perna direita devido a esta síndrome. A segunda perna foi-lhe recentemente amputada.

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Segundo a médica Elsa Milheiras, especialista em Ginecologia/Obstetrícia, existem duas bactérias que podem causar esta doença: o Staphylococcus aureus, presente na pele e mucosas de 30 a 50% dos adultos e crianças saudáveis (narinas, pele, vagina e reto), e o Streptococcus pyogenes.

As estirpes de Staphylococcus aureus envolvidas são as que produzem a TSST-1 ou toxina da síndrome do choque tóxico e a enterotoxina B. Estas exotoxinas são superantigénios, pois ativam simultaneamente grandes quantidades de células imunitárias, as células T, resultando numa produção massiva de substâncias responsáveis pelos sinais e sintomas da síndrome.

Embora em 1979-1980 os casos menstruais representassem a esmagadora maioria (91%), atualmente são apenas cerca de metade, estimando-se que atinjam uma em cada 100.000 mulheres. A incidência desta síndrome diminuiu bastante com a retirada do mercado de algumas marcas de tampões.

Usar tampões ainda é um fator de risco

O uso de tampões continua a ser um fator de risco, especialmente os que têm grande capacidade de absorção. É por esta razão que as marcas fornecem folhetos informativos recomendando instruções como mudar o tampão a cada 4-8 horas, usar o grau de absorção mínimo adequado ao fluxo, não esquecer tampões intravaginais e usar preferencialmente pensos higiénicos durante a noite.

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Quando não tratada, a STC evolui facilmente para a formação de gangrena, um tipo de necrose causada pela morte de tecido corporal por falta de irrigação sanguínea e consequente falta de oxigénio (hipoxia).

Tal não é reversível e obriga à amputação dos membros afetados. No entanto, a SCT pode ter outras causas, ocorrer em todas as idades e em 25% das ocasiões atinge indivíduos do sexo masculino.

A doença surge também na sequência de infeções de feridas cirúrgicas e do parto e também após mastite, septorrinoplastia, sinusite, osteomielite, artrite, queimaduras, lesões da pele (extremidades, perianais e axilares), infeções respiratórias e enterocolite.

Os principais sinais e sintomas incluem: febre igual ou superior a 38,9oC, hipotensão e manifestações cutâneas (eritroderma difuso e mais tarde descamação). Adicionalmente podem surgir arrepios, mal-estar, dor de cabeça, dor de garganta, dores musculares, fadiga, diarreia, dor abdominal, desmaio e outros.

As manifestações clínicas surgem rapidamente, geralmente nos dois primeiros dias após o início da menstruação ou após uma cirurgia.  A síndrome do choque tóxico envolve, no mínimo três sistemas, mas pode atingir todos os órgãos e sistemas: gastrointestinal, incluindo o fígado, muscular, urinário, hematológico (anemia, alteração da coagulação), sistema nervoso central, sistema respiratório e sistema circulatório, incluindo o coração.

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Sempre que há suspeita de síndrome de choque tóxico numa paciente, deve-se pesquisar o canal vaginal e retirar um tampão que eventualmente esteja presente. Também é importante verificar se existe um foco de infeção e drená-lo.

O tratamento baseia-se na reposição de líquidos (10 a 20 litros de fluidos endovenosos por dia) e vasoconstritores para contrariar a hipotensão grave, assegurando a perfusão dos órgãos. Os antibióticos endovenosos durante uma a duas semanas erradicam a bactéria e previnem as recorrências por eliminar o estado de portador.

A morte por síndrome do choque tóxico costuma acontecer nos primeiros dias após a hospitalização, sendo frequentemente devida a arritmias cardíacas resistentes aos tratamentos, cardiomiopatia, insuficiência respiratória irreversível e, raramente, hemorragia causada por defeitos na coagulação.

A taxa de mortalidade é, por ordem crescente, de 1,8% nos casos menstruais, 3-5% nos casos infantis, 5-6% nos casos não menstruais e 30-70% se a bactéria causadora for o Streptococcus pyogenes.

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A imunidade das populações contribui para a raridade da doença, dado que, na quarta década de vida, mais de 90% das pessoas têm anticorpos contra a TSST-1 (toxina da síndrome do choque tóxico). No entanto, a sua ausência também pode justificar a gravidade da síndrome em alguns indivíduos, uma vez que muitos pacientes com a doença nem têm estes anticorpos, nem os desenvolvem após recuperarem.

Não criar imunidade, deixa uma porta aberta para novos episódios da doença. Esta é uma das razões que justifica recomendar às mulheres com um episódio prévio de síndrome do choque tóxico associado a tampões não os voltarem a utilizar nunca mais.