É com profunda convicção que o médico Jorge Polonia afirma que os resultados obtidos no estudo TIME vêm “finalmente colocar um ponto final” sobre o “mito” da cronoterapia da hipertensão. O especialista destaca que se trata de um estudo “muito bem feito” que permite aos médicos ter “a liberdade plena de poderem dar medicamentos de longa duração de ação de manhã ou à noite”, atendendo aos interesses do doente.
Um estudo recente quis comprovar se a toma de medicamentos anti-hipertensivos de manhã ou à noite tinha alguma influência no risco de eventos cardiovasculares. Por que razão, até agora, sempre existiu falta de consenso sobre a cronoterapia da hipertensão?
Há muito tempo que sabíamos que dar um medicamento, de longa duração da hipertensão, de manhã ou à noite era indiferente do ponto de vista de eficácia anti- hipertensora. Havia 19 estudos que mostravam isto. No entanto, havia um estudo espanhol que tentava mostrar que poderia existir uma vantagem na administração noturna. Mais tarde, esse mesmo grupo espanhol publicou um estudo em que tentava sugerir que, para além do controlo da pressão arterial, a administração de medicamentos à noite era melhor do ponto de vista cardiovascular. Isto contrariava princípios gerais de farmacologia, uma vez que a diferença, numa situação de estabilidade, entre dar o medicamento à noite ou de manhã varia em concentrações na ordem dos 3%… Mas enfim, era o único estudo que existia. Ou seja, vivíamos num tempo em que havia um único estudo que sugeria benefícios em termos de risco cardiovascular.
Os autores desta pesquisa contrariam a ideia que de que a melhor hora para tomar os medicamentos para a hipertensão é antes de ir dormir. Qual a importância dos resultados obtidos nesta investigação?
Vivíamos num tempo em que havia um único estudo que sugeria benefícios em termos de risco cardiovascular. E é por isso que esta investigação torna-se fundamental porque vem, finalmente, desfazer um mito. Ao contrário do estudo anterior, que tem problemas metodológicos e até éticos, este é um estudo muito bem feito. É um estudo pragmático, descentralizado, prospetivo, randomizado e, de certo modo, “cego” do ponto de vista dos endpoints.
Ao não ter sido comprovada qualquer influência no risco de enfarte, AVC, derrame, hospitalização ou mortalidade, considera que os doentes podem sentir maior conforto e segurança?
Este estudo tem um envolvimento de vinte e tal mil pessoas. É um estudo muito bem feito do ponto de vista da “randomização” e que mostra, de forma definitiva, que dar medicamentos à noite ou de manhã é indiferente de um ponto de vista de controlo tensional e de diminuição de risco cardiovascular. Portanto, segundo indica o estudo, o melhor horário para a toma destes medicamentos é aquele que melhor de adequa ao dia-a-dia do doente.
É um estudo muito importante porque desfaz o mito que existia até agora.
Se o horário não tem impacto a nível de risco cardiovascular, considera que os resultados obtidos no estudo podem contribuir para uma maior adesão à terapêutica?
O estudo não aborda essa questão. O estudo mostra apenas que dar de manhã ou à noite é igual do ponto de vista de proteção cardiovascular. No entanto, é importante ter em conta que há estudos que mostram que a taxa de adesão é duas vezes superior quando se dá estes medicamentos de manhã. Isto significa que, embora continuemos a dizer que o melhor horário é aquele que melhor se adapta aos hábitos do doente, não há dúvida que os médicos devem seguir a evidência. E a evidência é: se é igual, de um ponto de vista de benefício cardiovascular, tomar estes medicamentos de manhã ou à noite, os médicos devem, sempre que possível, suscitar a administração matinal.
O estudo foi realizado no Reino Unido e contou com a participação de mais de 21 mil indivíduos. Considera que se trata de um estudo a ser considerado pela comunidade médica?
Não havia um estudo com esta dimensão e com estes endpoints. Portanto, a comunidade está perfeitamente à vontade para dar os medicamentos de manhã ou à noite, mas sempre consoante o interesse do doente e não partindo da base de um benefício cardiovascular. Foi algo que alguns, do meu ponto de vista, tentaram apregoar de forma insensata em Portugal.
Uma nota final
A ciência vive do contraditório. Popper dizia que a verdade precisa sempre de contradição. Portanto, havia uma ideia que era propagada apenas por um grupo e que estava a introduzir ruído no processo do tratamento da hipertensão arterial. Esse ruído agora acabou. Neste momento, os médicos têm a liberdade plena de poderem dar medicamentos de longa duração de ação de manhã ou à noite, conforme os interesses do doente.
Entrevista de Vaishaly Camões
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