HealthNews (HN)- As enxaquecas são muitas vezes negligenciadas e consideradas como me meras dores de cabeça. O que distingue uma cefaleia de uma enxaqueca?

Isabel Luzeiro (IL)- Há vários fatores que distinguem uma da outra. Considero que qualquer dor de cabeça merece a nossa atenção, mas a enxaqueca tem características muito específicas, pois está associada a uma grande intolerância ao barulho, à luz, ao movimento da cabeça e náuseas e, nalguns casos, provoca vómitos.

HN- Ao ser confundida como uma dor de cabeça “ banal” são muitas as pessoas que recorrem à utilização contínua de analgésicos. Quais os danos que poderá provocar na saúde?

IL- As cefaleias têm a particularidade de provocar aquilo que nos chamamos Cefaleia por Abuso Medicamentoso (ou por uso excessivo de medicação). Isto acontece só em pessoas que sofrem de dores de cabeça, não acontecendo em outras doenças. O uso de medicamentos para o alívio da dor gera um ciclo vicioso em qua a toma do comprimido leva ao alivio e o reaparecimento da dor a nova toma de medicamentos. Surge com os analgésicos, antiinglamatorios, triptanos…

HN- Estima-se um em cada sete portugueses sofra de enxaquecas. Em que medida a qualidade de vida dos doentes é afetada por esta doença?

IL- Como a enxaqueca atinge principalmente jovens adultos o primeiro impacto que tem é no trabalho. Estas pessoas faltam ao seu emprego ou fazem o que chamamos de “presenteismo laboral”.

Por outro lado, a enxaqueca tem um forte impacto no âmbito social e familiar. Estas pessoas acabam por isolar-se e evitam expor-se demasiado com receio de uma crise na situação mais inadequada. A enxaqueca leva a uma baixa qualidade de vida e, frequentemente, a uma anulação da vida social, familiar e pessoal dos doentes.

HN- As enxaquecas são apontadas, por alguns especialistas, como um problema de saúde pública. Qual o impacto económico desta doença?

IL- O impacto é muito grande. É em plena fase laboral, na casa dos trinta ou quarenta anos, que as enxaquecas acontecem. Isso irá provocar uma redução da produtividade e ter fortes repercussões no consumo de medicamentos, consultas e exames.

HN- Quais os tratamentos atualmente disponíveis a nível nacional?

IL- Já há muito tempo que temos uns fármacos que são específicos para as enxaquecas – os triptanos. Estes medicamentos devem ser dados nas crises moderadas a fortes. Os anti-inflamatórios e os analgésicos comuns devem ser tomados nas crises ligeiras. No entanto, como a enxaqueca é uma doença crónica que tem várias crises, nos casos em que essas crises são muito frequentes temos duas hipóteses de tratamento: a toxina botulínica (botox) e os anticorpos monoclonais anti-CGRP ( erenumab, fremazenumab e galcazenumab).

HN- E em que medida a descoberta dos anticorpos monoclonais anti-CGRP (péptido relacionado com o gene da calcitonina) revolucionaram o tratamento das enxaquecas?

IL- Há uns meses o Infarmed aceitou a comparticipação. Foi um avanço extraordinário porque até aqui todos os medicamentos que usávamos para prevenir a enxaqueca eram fármacos que tinham sido investigados para o tratamento de outras doenças e que poderiam ter algum efeito na enxaqueca. Estes novos medicamentos são dirigidos a peptídeos que estão na origem da enxaqueca.

HN- Portanto, estamos a falar de uma solução terapêutica dirigida…

IL- Sim. Estes medicamentos inibem “aquela sustância” que é responsável pela enxaqueca. Os anticorpos monoclonais anti-CGRP ligam-se aos recetores ou ao CGRP e impedem o efeito.

HN- Quais os doentes que podem usufruir desta nova solução terapêutica?

IL- É indicada para doentes que sofrem de enxaqueca frequente ou crónica e que já tenham feito tratamento com três fármacos diferentes.

HN- Como é feita a administração destes medicamentos?

IL- A administração é subcutânea, no braço, na perna ou abdómen, uma vez por mês. Há um dos fármacos que pode ser administrado trimestralmente. É uma injeção que é autoadministrada.

HN- Estes medicamentos não estão disponíveis para prescrição em ambulatório. Não poderá ser um fator impeditivo de acesso à terapêutica?

IL- Considero que sim… Mas estamos ainda a começar esse trajeto. Para já estão disponíveis nos hospitais públicos e privados, mas acredito que no futuro possam ser prescritos em ambulatório.

Entrevista de Vaishaly Camões