
Em causa está a continuação do projeto-piloto "Normativos? Talvez? não!", que este ano levou cerca de 10 utentes do CHEDV - que gere os hospitais de Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis - a participarem em ateliês exclusivos realizados sob acompanhamento clínico no núcleo de arte da Oliva Creative Factory.
Essa experiência resultou numa exposição coletiva que, segundo Sara Mariano, diretora do Departamento de Saúde Mental do CHEDV, revela como o desenho e a pintura "capacitaram imenso as pessoas envolvidas, ajudando de tal forma à sua recuperação que uma delas até conseguiu arranjar emprego".
Tal feito é particularmente relevante se se considerar, como realça à Lusa a psiquiatra Oriana Pinto, que patologias como a esquizofrenia e a doença bipolar "habitualmente provocam uma rutura no percurso biográfico do doente, que a certa altura se vê impedido de prosseguir uma vida dita normal".
O programa procurou assim proporcionar a um grupo de pacientes com idades entre os 16 e os 36 anos uma oportunidade para, por um lado, reinterpretarem de forma pessoal algumas das obras disponíveis nas coleções de Arte Bruta e de Arte Contemporânea da Oliva e, por outro, conceberem trabalhos plásticos da sua própria autoria.
"Em primeiro lugar, tratou-se de levar os doentes ao museu, descentralizando o tratamento e recolocando-os em contacto com a sociedade", explica Oriana Pinto. "Isso depois teve efeitos ao nível da socialização e da autoestima, ajudando-os a perceber que podem ter um papel ativo na sociedade - que é o nosso objetivo ao nível da reabilitação psicossocial", realça.
Estefânia Larez é uma das utentes do CHEDV envolvida no projeto "Normativos? Talvez? não!" e no decorrer dessa oficina quinzenal preparou para exposição na Oliva Creative Factory a obra intitulada "Do caos à organização", que exibe quatro garrafas em diferentes estados materiais: uma inteira, outra partida a meio, uma terceira com fragmentos colados e uma última estilhaçada.
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Para a autora, esses objetos representam diferentes estágios do que pode ser o percurso entre a desordem e a estabilidade: "O vidro (?) pode, dependendo das circunstâncias, ser infinitamente reciclado. Representa dualidade".
Estefânia defende assim que "o caos ou os ambientes turbulentos são identificados através da existência de mudanças inesperadas, incertezas, falta de controlo, decisões complexas, confusão, desintegração, divergências internas", mas acredita também que, tal como acontece por questões de sobrevivência com os sistemas mais complexos da Natureza, também "uma situação aparentemente complicada se organiza e equilibra" para retomar um fluxo estável.
"Vejo este projeto como uma vitória não só para mim como para todo o grupo [de participantes], porque, dentro dos nossos caos, organizámo-nos para participar nestas oficinas e em cada uma delas nos transformámos", conclui.
O Departamento de Saúde Mental do CHEDV foi criado em 2009 e está disponível para os cerca de 300.000 utentes da região do Entre Douro e Vouga que, até essa data, estavam dependentes de atendimento em Aveiro.
Desde 2010, esse serviço coordena a atividade de um Hospital de Dia de Psiquiatria em São João da Madeira, onde, só em 2016, acolheu cerca de 400 doentes em várias modalidades de ocupação. Consultas externas, por sua vez, nesse ano foram mais de 3.000.
O objetivo do CHEDV é agora que a oficina "Normativos? Talvez? não!" passe a ter caráter semanal e a envolver "dezenas de utentes, consoante o interesse e à-vontade dos doentes para participar numa experiência que é simultaneamente terapêutica, artística e social".
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