“Felizmente contribuímos para que se mantivessem vivos e não fossem ficando pelo caminho, mas estão a envelhecer e a precisar de cuidados”, adiantou João Goulão, que falava à Lusa a propósito dos seis anos da criação do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Para João Goulão, “os dependentes clássicos, os heroinómanos dos anos 80 e 90, que hoje estão com 50, 60, 70 anos, com as consequências do seu consumo a fazerem o seu percurso”, em termos de saúde mental e física representam “um desafio importante” na área de intervenção das toxicodependências.

Apesar de já não haver a perspetiva que existia “há 20 ou 30 anos” de poder contribuir para a sua plena integração na sociedade, “temos pelo menos a responsabilidade de os acompanhar enquanto envelhecem e de lhes facultar acesso a cuidados de saúde e às necessidades básicas”.

Segundo João Goulão, esta situação ainda afeta “largos milhares de cidadãos”, um número que se acentuou durante a crise.

“Nos anos mais agudos da crise económica e social que enfrentámos houve muitas recaídas dessas pessoas particularmente vulneráveis e que são, de facto, ainda numerosas”, frisou.

Questionado pela Lusa sobre a importância das terapêuticas de substituição, como a metadona ou buprenorfina, o responsável disse que foram fundamentais para que “as pessoas se pudessem equilibrar” e para travar “a epidemia da sida e as hepatites” e a “mortandade causada por overdoses”.

“A metadona foi um instrumento fundamental no contexto das nossas políticas”, disse, sublinhando que os “indicadores de saúde melhoraram estrondosamente com esta possibilidade a par de outras medidas, como a troca de seringas”.

Diariamente, cerca de 15 mil toxicodependentes tomam metadona nos centros de tratamento nacionais e cerca 2.500 noutros locais, como nas carrinhas, no âmbito da política de redução de danos que está em vigor em Portugal.

Segundo João Goulão, o número de utentes que acede a estas respostas está estabilizado: “Não há muitos novos utentes a entrar, pelo menos consumidores recentes de opiáceos”.

Mas o envelhecimento da população toxicodependente não é o único desafio na área de intervenção do SICAD, conforme disse João Goulão, lembrando que se está a lidar com um fenómeno em permanente mutação.

“Os grandes desafios” prendem-se com as questões ligadas ao abuso do álcool, ao abuso de medicamentos, de anabolizantes, a comportamentos aditivos sem substância, como o jogo, e “num futuro próximo” a dependência do ecrã (videojogos, redes sociais).

O uso da canábis também constitui um grande desafio: “Estamos em plena discussão da possibilidade de ser aprovado o seu uso terapêutico, que me parece perfeitamente pacífico, mas por outro lado há uma enorme complacência social relativamente ao uso recreativo de canábis e isso é uma área de difícil atuação”

Neste momento entre os consumidores de substâncias ilícitas, os de canábis são os que tem “mais peso nos pedidos de ajuda” que aparecem nas unidades dedicadas a esta área, realçou.

Outro fenómeno que também merece atenção é as centenas de novas substâncias psicoativas que “todos os dias aparecem no mercado” e sobre as quais, em muitos casos, “se sabe pouco e há muita dificuldade em intervir”.

“É, felizmente, um fenómeno que ainda não tem um peso muito grande na sociedade portuguesa, mas podemos antecipar que pode aumentar”, frisou.