Em declaração à Lusa, Miguel Ricou, que é também investigador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis) e professor na Faculdade de Medicina do Porto, apontou, nomeadamente, a necessidade de fazer a distinção entre um doente terminal e um doente que tem uma doença incurável, mas que não é terminal, como é o caso, por exemplo, dos tetraplégicos.

Eutanásia: Países onde a morte assistida é possível
Eutanásia: Países onde a morte assistida é possível
Ver artigo

"Seguramente os mecanismos de adaptação, aquilo que é a capacidade de a pessoa se adaptar aquelas circunstâncias ou não e voltar a ganhar vontade de viver, são totalmente distintos", disse o coordenador da plataforma, considerando que a discussão sobre esta temática está a ser feita de forma “apressada e estéril" e "sem envolver de forma séria" os profissionais de saúde.

Nesta matéria, o responsável considera que o que interessa é "ajudar os profissionais a tomar decisões" e "ter a certeza de que a decisão que a pessoa está a querer tomar representa aquilo que é o seu melhor interesse. Estou convencido de que às vezes será, outras vezes não será”.

Miguel Ricou entende que a discussão sobre a eutanásia e o suicídio assistido "tem sido feita à volta de dois eixos ideológicos e, sobretudo, demagógicos, de que se trata de uma escolha entre o valor da vida ou o respeito pela autonomia”.

“Deveria ser claro para todos que o que está em causa não é se deverá aceitar-se a decisão de alguém em morrer, mas sim se essa decisão representa a vontade real da pessoa e, sobretudo, o seu melhor interesse”, frisou.

Segundo o coordenador da "Wish to Die” existe muito conhecimento sobre o suicídio, mas muito pouco sobre a decisão em morrer no contexto que se define como de morte assistida.

“Há tempos fiz uma análise sobre os estudos que existem sobre psicologia e eutanásia e, a nível mundial, encontrei 17 artigos. Isto é miserável, não existe investigação”, sublinhou, lamentando que a Psicologia esteja “completamente fora deste debate”.

Para Miguel Ricou, “parece irreal” que não se faça a distinção entre "a pessoa que tem uma doença terminal ou alguém que tem uma doença incurável, mas que provavelmente não morrerá disso.

“Os mecanismos de decisão envolvidos serão seguramente diferentes”, frisou.

Os profissionais com percursos académicos e clínicos que constituem a plataforma ‘Wish to Die’ pedem, por isso, ao poder político que não faça esta discussão “a correr” sem ter em conta todas as variáveis e que envolva verdadeiramente todos os profissionais de saúde na discussão.

Entendem que “um tema tão importante como este não pode ser decidido com base em decisões ideológicas”.

Miguel Ricou afirma que a plataforma “não pretende, de modo algum, defender a ideia de que a eutanásia é um erro. Pretende sim contribuir para diminuir a probabilidade desse erro”.

Nesse sentido, aquilo que os profissionais de saúde se comprometem a fazer é, com a sua prática, ajudarem a pessoa a fazer as escolhas que promovam o melhor resultado possível para cada um.

Para o coordenador da plataforma, “não é possível discutir de forma séria a eutanásia sem primeiro investigar e dar resposta a um conjunto de questões centrais”, relacionadas com o processo de tomada de decisão, o tempo necessário para uma possível mudança de opinião, a relevância da motivação familiar e o papel dos cuidados paliativos.

“Neste momento, o grande objetivo da plataforma é influenciar a discussão no sentido de todos podermos ganhar tempo para encontrar melhores soluções. Respeitar a autonomia das pessoas faz sentido porque nos ajuda a encontrar as melhores soluções que representem de facto o seu melhor interesse”, acrescentou.

A Plataforma ‘Wish to Die’ aguarda resposta a um pedido para ser ouvida pela comissão parlamentar de saúde.

Como investigador do grupo ManEthics, do Cintesis, Miguel Ricou tem desenvolvido várias linhas de investigação, concentrando-se atualmente em dois projetos, um sobre a identidade da Psicologia e outro sobre a eutanásia e o suicídio assistido.

Miguel Ricou é um dos fundadores da plataforma europeia “Wish to Die”, que integra profissionais de saúde, como psicólogos e psiquiatras, mas também profissionais de outras áreas.