“As pessoas têm uma ideia de que o consumo de álcool nas Forças Armadas é elevado. É uma ideia preconcebida. O que os estudos da década de 1990 mostraram junto dos nossos aliados - Reino Unido e Estados Unidos - é a de que tinha aumentado o consumo do álcool em pessoas que estiveram destacadas e em missões de combate”, disse à Lusa a primeiro-tenente Médico Naval, Diana Fernandes da Terra, autora do estudo sobre os militares portugueses.

“Nas Forças Armadas Portugueses este assunto não estava descrito e o nosso objetivo inicial foi perceber até que ponto era um problema para nós podermos ou não intervir até porque já existem uma série de estruturas nas Forças Armadas que nos permitem encaminhar os problemas”, explica.

Na investigação foi utilizada a escala “Alcohol Use Disorders Identification Test” (AUDIT) da Organização Mundial de Saúde sobre o consumo de álcool e foi detetado que o consumo de risco, consumo nocivo e provável dependência, corresponde a 8,3% (do total dos 398 inquiridos) com critérios do mesmo índice.

O estudo “Prevalência de distúrbios do consumo de álcool em militares portugueses integrados em Forças Nacionais Destacadas” investigou uma população militar no ativo que participou em missões nos últimos dois anos (2015-2017): KFOR (Kosovo), Iraque, Saara Express (Missão da Marinha em África), MINUSMA (missão da Força Aérea no Mali) e Operation Sea Guardian, uma missão da NATO que integrou a Marinha Portuguesa.

O estudo e os inquéritos anónimos foram voluntários e aprovados pela Comissão de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública e, entre outros aspetos, indica que os solteiros consomem mais álcool do que os casados e aqueles que têm menos escolaridade têm tendência a consumir mais álcool.

O consumo de substâncias ilícitas “é baixa” (27 militares) verificando-se “alguma prevalência” de patologia psiquiátrica - uma taxa significativa (ansiedade e depressão) - mas que segundo Diana Terra se enquadra nos níveis correspondentes à idade e ao género.

“Foram recrutados 398 militares para o inquérito voluntário: havia muito menos mulheres em missões do que a percentagem existente nas Forças Armadas. Atualmente 14% são mulheres sendo que ainda estão integradas em funções de apoio e menos em funções operacionais”, referiu sublinhando que “temer pela própria vida”, missões de apoio a feridos e o tabaco são os principais fatores que fazem aumentar o consumo de álcool entre os militares que estiveram em missões no estrangeiro.

“O tabagismo está associado ao consumo de álcool. Um dos fatores preocupantes que encontramos é que temos uma taxa de fumadores que corresponde quase ao dobro da população em geral. Muito elevada comparativamente aos dados da Direção Geral da Saúde”, disse.

“As pessoas que fumam tabaco têm uma probabilidade duas vezes superiores às restantes de ter uma perturbação de consumo de álcool assim como as pessoas que temeram pela própria vida e as que prestaram apoio a feridos foram identificados como critérios para o aumento do consumo de álcool”, frisa Diana Terra.

Segundo a investigadora, pesquisas anteriores sobre militares dos Estados Unidos e do Reino Unido que tinham estado expostos a situação de combate tinham mais tendência a consumir álcool.

“Fomos tentar entender o que se passava nas Forças Armadas Portuguesas. Tínhamos uma escala que tinha sido desenvolvida e aprovada para o estudo dos militares regressados do Iraque e do Afeganistão (em média três missões totalizando 11 meses de missão) e validamos as perguntas para a nossa população”, explicou.

O estudo concluiu também que a Marinha lidou mais com cadáveres, sobretudo nas missões no Mediterrâneo em que os militares de Marinha estão muito mais expostos à recolha de cadáveres.

O Exército teve mais exposição a zonas de teatro com minas de guerra e situações hostis com civis e na Força Aérea houve mais contacto com feridos em combate porque os militares prestaram apoio a evacuações e cuidados médicos.

Relativamente ao consumo do álcool nota-se que a presença perante terrenos com minas terrestres provoca um estado de alerta o que “parece ter um efeito protetor”, disse a investigadora referindo que é necessário elaborar novos estudos nos próximos anos.

“O objetivo é fazer o acompanhamento. Este teste foi anónimo, mas ainda assim, vale a pena talvez integrar na avaliação médica anual algumas escalas de alerta que identifiquem estas situações para nós podermos referenciá-los para eventual apoio”, disse frisando que o estudo não incluiu ainda a pesquisa sobre os militares portugueses que participam atualmente nas missões na República Centro Africana.