Passaram 25 anos desde que decidi ser psiquiatra por considerar que a doença mental seria um dos maiores desafios à Medicina nos tempos seguintes.
Existirão, pelo menos, 70 mil indivíduos com Esquizofrenia em Portugal e a maioria terá tido uma infância e adolescência aparentemente normais. A doença revela-se, habitualmente, no início da idade adulta. O comportamento começa a alterar-se com o aparecimento de sintomas, sendo os mais comuns as alucinações – habitualmente na forma de vozes – e as ideias delirantes, em que o doente acredita em algo que não é real, geralmente que alguém lhe quer fazer mal. São também comuns o isolamento, descuido na higiene, desinteresse pelas actividades habituais, insónia, dificuldades cognitivas, e outros.
Os sintomas, por vezes, são interpretados como se tratando de uma depressão ou reactivos a um acontecimento de vida negativo. Por esse motivo, não raras vezes, a procura de ajuda médica apenas ocorre quando o comportamento se altera significativamente e, sobretudo, quando surge agressividade, o que tem reforçado, ao longo do tempo, a ideia de que as pessoas com Esquizofrenia são violentas e perigosas. É facto que os doentes podem ser agressivos, mas tal sucede nas fases de descompensação, quando as alucinações e delírios interferem com a leitura que o indivíduo faz da realidade.
A Esquizofrenia é uma doença crónica e sem cura. A sua manifestação causa um corte autobiográfico e a pessoa não volta a ser como antes.
Apesar da evolução no tratamento da Esquizofrenia, um dos seus sintomas típicos é a falta de insight (a incapacidade de o próprio se reconhecer como doente), o que atrasa e dificulta a procura de ajuda médica e leva, habitualmente, à recusa no tratamento, que o doente não considera necessário.
Infelizmente, a ausência de tratamento conduz quase sempre a um novo episódio psicótico. Nestas fases, o comportamento altera-se e, não raras vezes, torna-se socialmente desadequado, o que contrasta com o carácter habitual dessa pessoa. Na verdade, a maioria dos doentes com Esquizofrenia só é agressiva nas fases de descompensação, como já referido, e daí a necessidade de iniciar tratamento o mais precocemente possível e de mantê-lo a longo-prazo. Para além do potencial perigo para terceiros, acredita-se que as fases de descompensação podem ser “tóxicas” para o cérebro, levando a que a doença evolua de forma mais negativa e com maior “resistência” ao tratamento a cada episódio.
Na actualidade, existem vários antipsicóticos para tratar a Esquizofrenia, o que permite escolher o que seja mais eficaz e que condicione o mínimo de efeitos secundários em cada doente. Porque o tratamento tem de ser feito a longo-prazo, a sua simplificação é crucial; por esse motivo, têm sido desenvolvidas formulações que permitem a toma da medicação uma vez por mês, de três em três meses ou, recentemente disponível em Portugal, apenas duas vezes por ano. Na verdade, o paradigma do tratamento tem vindo a mudar e a manutenção da medicação permite à equipa terapêutica dedicar-se a outras intervenções que complementem o tratamento farmacológico e que se passe da remissão sintomática para a recuperação, o verdadeiro objectivo do tratamento.
Volvidos 25 anos, é bom ver que a recuperação é possível e que pode haver muita vida para além da Esquizofrenia.
Um artigo da médica psiquiatra Sofia Brissos.
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