
Hans Bossan é um dos mais de 18.000 casos de COVID-19 reportados entre trabalhadores da área.
"Nós somos muito desvalorizados pela realidade em que vivemos. É a enfermagem que está de frente, em contacto direto com o paciente, com o vírus, nessa zona de guerra. E nem todo o mundo sempre vê dessa forma", explica à AFP na sua casa em São Gonçalo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde mora com a esposa e a filha de dois anos.
Falta pouco para começar uma semana de trabalho de 72 horas - em dois hospitais e numa emergência móvel do SAMU -, que o mantém longe de casa de quarta a domingo, com curtos intervalos para descansar e se alimentar.
"A enfermagem sempre foi sobrecarregada. E com essa pandemia a gente está duplamente carregado", acrescentou.
Assintomático, Hans foi diagnosticado com a COVID-19 durante uma ronda de exames. Cumpriu 15 dias de isolamento em casa e depois reintegrou-se. Presume que a sobrecarga de trabalho prejudicou as suas defesas.
"Hoje eu faço plantões atrás de plantões para poder suprir as necessidades dos hospitais [substituindo colegas doentes] e sustentar a minha família. Não consigo sustentá-la com um emprego, eu sempre trabalhei em dois, hoje estou em três", acrescenta.
Momento de "angústia" e "depressão"
Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o salário médio da categoria (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) é de R$ 3.000 para uma carga horária de 30 a 44 horas por semana.
A entidade reivindica há anos uma base salarial de R$ 6.000.
Os enfermeiros "vivem este momento com muita angústia e depressão", diz à AFP Nadia Mattos, vice-presidente do Cofen, que montou um serviço virtual de assistência psicológica 24 horas.
Os profissionais da saúde enfrentaram a primeira enxurrada de casos com falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e treino adequados, critica Mattos.
Embora a situação tenha melhorado, "ainda temos muita denúncia de falta de EPI e, principalmente, da baixa qualidade, que não garante a proteção deste profissional", afirma.
Dos 2,3 milhões de enfermeiros registados no Brasil, mais de 80% são mulheres.
Isto implica que, depois de jornadas duplas ou triplas, muitas voltam para casa para se ocupar dos próprios familiares, com a preocupação de não lhes transmitir o vírus.
Segundo o Conselho Internacional de Enfermeiras, sediado em Genebra, mais de 600 profissionais morreram em todo o mundo vítimas do novo coronavírus.
Dos 181 falecidos no Brasil, 39 trabalhavam no estado de São Paulo e 36 no Rio de Janeiro. Dois eram colegas próximos de Hans.
"O amor levanta-nos"
É sexta-feira e depois do almoço, Hans volta ao Centro de Terapia Intensiva do Hospital Municipal Ernesto Che Guevara, em Maricá (a 60 km do Rio de Janeiro), unidade pública de excelência inaugurada a 1º de maio.
Ele já acumula mais de 40 horas em três plantões diferentes, mas não aparenta cansaço.
Antes de entrar na sala, veste-se com um kit de máscara, luvas, túnica, gorro cirúrgico e viseira. Move-se com agilidade para verificar o estado dos pacientes, vigiando monitores que emitem apitos constantes no ambiente.
Aqui não faltam recursos. Quatro médicos e pelo menos cinco enfermeiros cuidam de uma dezena de pacientes com insuficiência respiratória, um dos sintomas do novo coronavírus.
Alguns estão entubados e sedados. Outros, como Eliane Lima, estão acordados.
"Todos os médicos e enfermeiros são excelentes. Cuidam de nós com amor, não é pouco amor não. É muito amor. O amor levanta-nos, o carinho levanta-nos", conta à AFP esta mulher de 56 anos que respira com ajuda de uma máscara de oxigénio.
Na ala de cuidados semi-intensivos, a técnica de Enfermagem Flavia Menezes lamenta a perda de vários colegas e defende mais reconhecimento - salarial e simbólico - para a profissão, que ela define como "a arte de cuidar".
Com orgulho, repete a frase que mandou estampar numa t-shirt: "Nem todas as heroínas usam capa".
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