“A OMS não é autorizada desde meados de julho do ano passado a entregar material médico em Tigray”, apesar dos repetidos pedidos para fornecer equipamento médico à região, que ajude a satisfazer algumas das suas necessidades humanitárias e sanitárias, afirmou o líder da OMS numa conferência de imprensa da organização em Genebra.
“Mesmo nos tempos mais difíceis dos conflitos na Síria, Sul do Sudão, Iémen e noutros lugares, a OMS e os seus parceiros conseguiram salvar vidas”, disse Tedros, sublinhando em contrapartida que em Tigray, “o bloqueio de facto está a impedir o acesso a fornecimentos humanitários” e “a matar pessoas”.
A título de exemplo, não obstante a organização ter conseguido enviar 14 toneladas de material médico para Afar e 70 toneladas para Amhara em dezembro, os dois estados vizinhos do Tigray no norte da Etiópia, esta ajuda não chega à região que mais necessita dela, acusou Tedros Adhanom Ghebreyesus.
“O Ano Novo é uma época de renovação”, afirmou, antes de apelar a “todos os líderes e intervenientes-chave nos conflitos para que se lembrem de que aqueles que trabalham pela paz são os heróis de que a história se lembra”.
“Para criar confiança e salvar vidas, um bom ponto de partida é assegurar que os corredores humanitários e de saúde estejam abertos em todas as áreas de conflito, para que as agências internacionais e os grupos da sociedade civil possam fazer o que fazem melhor: salvar vidas”, sublinhou o diretor-geral da OMS.
No passado dia 05, os médicos do maior hospital de Tigray condenaram as mortes “desnecessárias” de pacientes devido à escassez de medicamentos e equipamento médico agravados pelo conflito que assola há mais de um ano o estado no norte da Etiópia.
A falta de oxigénio, fluidos intravenosos e mesmo peças sobressalentes para equipamento médico tornaram as operações cirúrgicas praticamente impossíveis nos últimos seis meses, afirmam os médicos do Ayder Referrel Hospital, em Makele, a capital de Tigray, numa declaração divulgada na terça-feira.
“Como resultado, crianças estão a ser deixadas a morrer, doentes com cancro tratáveis não estão a receber cuidados, doentes com fraturas são forçados a permanecer imobilizados”, acrescentaram as mesmas fontes.
“Os pacientes estão a morrer quando poderiam ter sido facilmente salvos por uma simples hemodiálise. Os doentes que há anos recebem diálise no nosso hospital estão a morrer porque o equipamento que deveria ter chegado até nós, não pôde chegar”, lamentaram ainda os médicos tigray.
O acesso ao estado do norte da Etiópia é restrito e a informação dada pelos médicos não pôde ser confirmada de forma independente. Mas a região está toda sujeita a um ‘blackout’ das comunicações e as Nações Unidas já denunciaram o “efetivo bloqueio” à chegada da ajuda humanitária destinada aos seis milhões de habitantes do Tigray.
Nenhum camião de ajuda humanitária chegou a Tigray desde 14 de dezembro e alguns camiões que estavam à espera de entrar na região foram saqueados, denunciou no início do ano o Gabinete da ONU para a Coordenação dos Assuntos Humanitários, OCHA.
A guerra no Tigray eclodiu em 04 de novembro de 2020, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o exército federal para aquele estado no norte do país, com a missão de retirar pela força as autoridades locais da Frente de Libertação do Povo de Tigray (TPLF, na sigla em inglês) que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.
O pretexto específico da invasão foi um alegado ataque das forças estaduais a uma base militar federal no Tigray, e a operação foi inicialmente caracterizada por Adis Abeba como uma missão de polícia, que tinha como objetivo restabelecer a ordem constitucional e conduzir perante a justiça os responsáveis pela sua perturbação continuada.
Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o exército federal capturou a capital estadual, Mekele. Em junho deste ano, porém, as forças afetas à TPLF já tinham retomado a maior parte do território do estado do Tigray, e continuaram a ofensiva nos estados vizinhos de Amhara e Afar.
Em novembro, as forças do Tigray e forças insurgentes aliadas da Oromia (outro estado etíope) começaram a retirar das áreas ocupadas para a região de origem. Em contrapartida, o poder em Adis Abeba comprometeu-se em não voltar a invadir o estado pária.
O exército federal está nas fronteiras de Tigray e retomou o controlo de várias posições anteriormente nas mãos das forças da TPLF em Amhara e Afar.
O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.
Uma investigação conjunta do Alto-Comissariado das Nações Unidas e da Comissão Etíope dos Direitos Humanos, criada pelo governo etíope, concluiu no início de novembro último que foram cometidos crimes contra a humanidade por todas as partes envolvidas no conflito, onde participaram o exército da Eritreia, ao lado do exército federal etíope, assim como forças insurgentes do estado da Oromia, ao lado do contingente militar da TPLF.
A ONU estima, por outro lado, que entre novembro e dezembro tenham sido detidas entre 5.000 e 7.000 pessoas, incluindo membros do seu pessoal, sobretudo de etnia tigray.
Os intensos esforços diplomáticos, incluindo os da União Africana, para alcançar um cessar-fogo, não produziram até agora qualquer progresso decisivo.
O conflito fez já milhares de mortos e expulsou mais de dois milhões de pessoas das suas casas, de acordo com a ONU.
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