A pandemia foi intensa e deixou marcas nos profissionais de saúde. É uma das causas indiretas de insatisfação que se vive no setor, sendo transversal a toda a Europa, independentemente do tipo de sistema de saúde que funciona nos diferentes países. Já este ano, os profissionais de saúde de Portugal, Espanha, França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Reino Unido e Itália, só para citar os mais próximos de nós, iniciaram processos de lutas laborais, com greves e manifestações de rua.

No nosso caso, os motivos da insatisfação relacionam-se com a ausência sistemática de investimento. Tanto nas condições materiais dos serviços e na sua capacidade de resposta, como nas carreiras e salários (caso dos enfermeiros, médicos e técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica), ausência de carreira (como nos assistentes técnicos e operacionais), ou ainda, pela ausência de novas contratações (psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas e informáticos).

Este problema, ao não ter sido resolvido em tempo útil, foi-se avolumando e tomando proporções preocupantes. É hoje difícil ao serviço público de saúde contratar profissionais de saúde. A missão de os reter também se torna cada vez mais complicada. A ausência de outro tipo de incentivos e recompensas, conjugada com o aumento do volume de trabalho, tem provocado um aumento do absenteísmo e recusa a efetuar trabalho suplementar. Precisamos de tratar os profissionais com respeito, gerir verdadeiros programas de retenção e não ter medo de abordar outra raiz do problema: a qualidade das chefias intermédias. Desde sempre que o recrutamento para este nível de gestão foi efetuado de uma forma duvidosa, sem grandes critérios objetivos, e a respetiva avaliação é inexistente. Temos de repensar este modelo promovendo uma nova geração de líderes, com formação e treino adequado às exigentes funções que têm pela frente.

A ausência de profissionais de saúde fez-se sentir primeiro onde o sistema é mais fraco: nas urgências. Estes serviços são a rede de salvaguarda da saúde, recebem demasiadas solicitações e a carência de recursos humanos e materiais tem vindo a agravar-se nos últimos anos. O número de médicos especialistas disponíveis para fazer urgências diminui ano após ano, o que trouxe esta situação crítica: encerramento de urgências. A cobertura de médico e enfermeiro de família não é hoje melhor daquilo que era há dez anos, mas perdemos capacidade de manter a rede de urgências abertas. Este enorme retrocesso é a face mais visível da ausência de uma estratégia para os recursos humanos. Não há serviço que resista a um constante êxodo dos seus trabalhadores.

Continuamos a insistir na manutenção de um modelo de prestação de cuidados centrado no papel do médico. Não aumentamos as competências dos enfermeiros e farmacêuticos, só para dar alguns exemplos, o que condiciona e limita as nossas possibilidades de aumentar o acesso aos cuidados de saúde. Há décadas que outros países europeus iniciaram este caminho, deixando-nos cada vez mais sozinhos com um modelo que vai contra o que é preconizado não só na academia, como pelas organizações internacionais de saúde, incluindo a OMS. Haverá coragem, por parte de todos os atores da saúde, de inverter esta situação?