Bernard-Henri Lévy falava à agência Lusa a propósito do seu novo livro, "Este vírus que nos enlouquece", publicado com tradução de João Luís Zamith e André Tavares Marçal, pela Guerra & Paz. "É possível que a COVID-19 nos faça pensar em todos nós, principalmente além dos seres humanos que têm necessidades terríveis?", pergunta o filósofo.
Questionado sobre se a situação de pandemia pode ser entendida como uma possibilidade para rever os moldes do comportamento humano, como o disseram vários responsáveis políticos, Lévy questionou: "Qual renovação?".
"Por enquanto, vejo o retorno das fronteiras. A cacofonia na Europa. A ascensão do egoísmo. Uma retirada generalizada, e assim por diante... A contenção, em outras palavras, provavelmente era necessária. Mas como um mal necessário. Como uma medida essencial, mas ruinosa para a economia, angustiante para os indivíduos e criando muito desastre nas sociedades", argumentou.
Levy salientou a questão da fome no mundo, cujas vítimas "foram multiplicadas por dois, ou até três".
o autor francês referiu os "sem -abrigo", "pessoas a quem lhes é dito ‘fiquem em casa', quando não têm ‘casa', os refugiados da [ilha grega] de Lesbos, que nunca foram tão numerosos, e são completamente ignorados".
“Há países, em África, por exemplo, onde quase não há covid, mas onde essa fixação obsessiva obscurece completamente pragas, a cólera, a varíola, o dengue e outras febres amarelas que não são testadas ou tratadas, sem mencionar, que, na Nigéria, por exemplo, onde há menos vítimas da covid do que pessoas baleadas pela polícia por terem rompido o confinamento, ou em Moçambique, onde o autoproclamado Estado Islâmico está ganhando terreno com indiferença quase geral", sentenciou.
O autor de "Este vírus que nos enlouquece" referiu à Lusa que a pandemia reforçou o sentimento de medo no ser humano: "O medo é um problema, sim. Primeiro, porque é absurdo: esta pandemia tem precedentes, um vírus como este, houve e ainda haverá muitos, e este vírus, além disso, é menos letal que outros, mas acima de tudo o medo é um sentimento negativo que nos faz perder a cabeça”.
No prólogo da sua obra, Lévy refere que este tipo de desastre "sempre existiu" e recorda a gripe espanhola que causou 50 milhões de mortes, "sem dúvida mais pessoas do que a covid alguma vez vitimará". Levy recorda ainda a gripe de Hong Kong, depois de 1968, que causou a morte a um milhão de pessoas, "com lábios cianóticos, hemorragia pulmonar ou asfixia" ou ainda, a gripe asiática que surgiu na China, passou pelo Irão, Itália, leste da França e América.
"O mais impressionante é a forma, muito estranha como estamos a reagir", escreve o autor, realçando "o medo que se abate pelo mundo" que paralisa os mais ousados.
O autor francês refere no livro como cidades se esvaziaram e se tornaram cidades-fantasma, bem como a "retórica do inimigo invisível".
À Lusa afirmou: "Uma pandemia é uma pandemia. Não é uma guerra e não há mais guerra biológica".
A obra, na qual contesta a ideia de que depois da covid-19 "nada vai ser como antes", divide-se em cinco partes: "Volta, Michel Foucault", "Surpresa Divina", "O Delicioso Confinamento", "A Vida Dizem Eles", e "O Adeus ao Mundo?".
A pandemia da covid-19 já provocou mais de 584 mil mortos e infetou mais de 13,58 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 1.679 pessoas das 47.765 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Depois de a Europa ter sucedido à China como centro da pandemia em fevereiro, o continente americano é agora o que tem mais casos confirmados e mais mortes.
Bernard-Henri Lévy completa 72 anos em novembro próximo, tem formação como epistemólogo e faz parte da denominada "Nova Corrente Filosófica" surgida no final da década de 1970. Assina, semanalmente, uma crónica na revista Le Point.
Nascido em Argel, Lévy foi discípulo do físico e filósofo Georges Canguilhem (1904-1995).
Comentários