Nessa vila do distrito de Aveiro, a avenida principal costumava exibir várias dezenas de pessoas acedendo a lojas, cafés, supermercados e espaços de referência como o Convento, os CTT e a câmara municipal, mas hoje as esplanadas estavam muito menos concorridas, os bancos de jardim quase vazios e, ao identificar-se um ou outro cidadão de passagem, a maioria usava máscara, mesmo estando ao ar livre.
Numa das esplanadas que se apresentava lotada a semana passada, antes do súbito aumento local de casos de infeção pelo vírus SARS-CoV-2, seis senhoras que já tinham bebido o café voltaram a colocar as respetivas máscaras e mostravam-se satisfeitas por notarem a vila menos ocupada.
Maria Rosa Vieira tem 84 anos e, mais expedita do que as suas jovens companheiras, admitia com boa-disposição que sente falta do convívio social, "porque estava habituada a andar ao laréu", mas reconhece que a situação atual "é preocupante" e considera positivo que a população tenha voltado a resguardar-se.
"As pessoas não têm cuidado e ficámos nesta situação. Deviam ter-se prevenido antes de o 'animal' cá chegar. Em meio ano, contando todas as visitas que fiz à vila, com esta faz quatro vezes. [No resto do tempo] estou em casa. Se muita gente fizesse assim, não chegávamos onde chegámos", argumenta, sem dramatismos, através de uma máscara azul.
Mais assustadas parecem as Idalinas: a de sobrenome Gonçalves é comerciante, a de apelido Quaresma é funcionária numa confeitaria e ambas se mostram apreensivas, não apenas quanto aos riscos de contágio, mas sobretudo pelos efeitos da pandemia no comércio local.
"Depois de começarem a divulgar notícias [sobre o número de infetados nos Bombeiros de Arouca e no Lar de Alvarenga], as pessoas ficaram com medo. Desde sexta-feira, nota-se uma quebra [de afluência à vila] mesmo acentuada", diz Idalina Quaresma.
Culpas não apontam a ninguém em específico, mas existem. "No geral, toda a gente facilitou um bocadinho: nas esplanadas não se estava muito com máscara, nos convívios familiares também não. Todos falharam", lamenta Idalina Gonçalves.
Antecipando a abertura das escolas e a aproximação do inverno, o medo é agora encarado como bom conselheiro. "As pessoas estão um bocadinho mais contidas, começam a ficar mais assustadas e vão cooperar mais, no sentido de se evitar ajuntamentos e manter as distâncias", argumenta Idalina Quaresma.
"Mas ficarmos sempre em casa também não é solução", realça a Idalina comerciante, notando que "o Estado não pode suportar as despesas de toda a gente e os patrões também não".
Alguns comerciantes do centro da vila recusaram entrevistas para não se mostrarem "desanimados" nem contribuírem para uma divulgação noticiosa a que atribuem “exageros” no tratamento da situação epidemiológica local, mas esse não é o caso de Alberto Santos. Enquanto corta o cabelo de um cliente, esse barbeiro diz à Lusa que as notícias mais recentes sobre os casos de COVID-19 em Arouca não tiveram efeitos no seu estabelecimento, que se mantém com a mesma procura, mas reconhece como inesperado o aumento súbito das infeções: “Foi uma surpresa para mim e para toda a gente porque aqui não havia praticamente nada”.
Sem especificar se se refere a turistas ou emigrantes, Alberto equaciona que, "se calhar, foi o pessoal de fora que trouxe [o vírus]" para o concelho, pelo que talvez fosse melhor "obrigar toda a gente a andar de máscara na rua", até para se evitar um cenário como o desta manhã, com "muito menos gente" na vila, e também para se promover comportamentos mais responsáveis, porque os incumpridores já antes não seguiam as regras sanitárias e, após os últimos casos, "continuam na mesma".
Adílio Silva, especialista em artesanato, não é de fatalismos: "Arouca é muito turística, muito procurada pela beleza e potencialidades que tem, recebe milhares de turistas todos os anos e agora temos o inverso: falar de uma pandemia leva a que as pessoas se afastem. Mas acho que está a haver um alarmismo em excesso. Arouca continua a ser segura, tem cidadãos que cumprem as regras de segurança e eu aconselho a que as pessoas continuem a vir cá. Não se assustem, porque isto vai passar mais dia menos dia, com maior ou menor dificuldade".
Segundo dados da Câmara Municipal de Arouca, nesse concelho com quase 330 quilómetros quadrados e 22.400 habitantes contavam-se hoje 148 casos ativos de infeção por COVID-19 o que perfaz um acumulado de 208 doentes desde o início da pandemia em Portugal.
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