A cada dia morrem cerca de 5000 pessoas devido a esta doença em todo o mundo, quase o dobro das mortes por cancro colorretal (segunda causa de mortalidade oncológica).

O tabagismo ativo é o principal fator de risco para o cancro do pulmão e está associado a quase 80% dos casos diagnosticados. Este facto contribui para a desvirtuação da doença, resultando em menor atenção e apoio das entidades políticas, dos meios de comunicação social e da sociedade. Este preconceito reflete a desaprovação ou a discriminação associada ao tabagismo juntamente com o sentimento de culpa que os doentes podem ter pela doença.

Um estudo revelou que 95% das pessoas com cancro do pulmão são estigmatizadas. Por um lado, estes doentes sentem culpa e vergonha, e, por outro lado, são confrontados com as perguntas ou comentários superficiais de terceiros, incluindo de alguns profissionais de saúde ("É o que dá fumar!"). Esta rotulação é uma grande barreira à gestão adequada da doença e dos seus efeitos, quer nos doentes, que frequentemente têm mais sintomas de ansiedade/depressão e pior qualidade de vida que outros, quer na sociedade. Neste contexto, o primeiro mito a ser desacreditado é que o cancro do pulmão é uma doença exclusiva de quem fuma ou já fumou. Com efeito, aproximadamente 20% dos casos ocorrem em pessoas que nunca fumaram ou que fumaram menos de 100 cigarros na vida. Se o “cancro do pulmão do não fumador” fosse considerado uma doença separada, seria a quinta causa mais comum de morte oncológica em 2023. Fatores de risco ambientais, como gás radão, exposição passiva ao fumo, asbestos (amianto) e poluição atmosférica, podem contribuir para a doença nos não fumadores, mas ainda há muito a ser descoberto.

O cancro do pulmão pode ser assintomático até fases avançadas, sendo frequentemente desvalorizado, especialmente por fumadores e ex-fumadores, pois quando surgem queixas estas são frequentemente atribuídas ao tabagismo, o que atrasa a procura de cuidados médicos. Para além disso, o receio do diagnóstico de cancro do pulmão pode atrasar a vigilância da saúde respiratória e a procura de cuidados médicos. É comum que os doentes apresentem sintomas meses antes do diagnóstico e só procurem ajuda tardiamente. Por isso, apenas cerca de 15% dos casos são diagnosticados numa fase inicial, quando o tratamento tem mais hipóteses de ter sucesso. Assim, identificar um cancro do pulmão numa fase precoce é crucial, pois a sobrevivência de um doente com um tumor pequeno (até 1 cm), localizado exclusivamente no pulmão, pode atingir 90% em cinco anos.

Embora a prevenção, especialmente contra o tabagismo, seja a estratégia mais eficaz a longo prazo, o rastreio de cancro do pulmão com tomografia axial computorizada (TAC) de baixa dose anual é crucial, reduzindo o risco de morte em aproximadamente 20% para pessoas de alto risco (pessoas entre 50 e 80 anos, fumadores ou ex-fumadores há menos de 15 anos, com um histórico de consumo equivalente a um maço por dia durante pelo menos 20 anos). Este tipo de TAC expõe uma pessoa a cerca de 80% menos radiação do que uma TAC normal, proporcionando ao mesmo tempo uma imagem altamente precisa, por isso, pode ser realizada anualmente com pouco risco. É essencial divulgar e implementar o rastreio de cancro do pulmão! Importa referir que para não fumadores o rastreio não mostrou benefícios significativos; portanto, é importante continuar sem fumar, procurar ajuda em caso de sintomas persistentes (como tosse por mais de três semanas) e considerar a história familiar. Consultar um médico assistente ou pneumologista é recomendado nesses casos.

Por último, é crucial eliminar o medo de um diagnóstico de cancro do pulmão. O mito de que esta doença é uma sentença de morte imediata deve ser desfeito, pois os novos tratamentos estão a melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos doentes, mesmo em casos avançados. Com isso, os médicos começam a tratar o cancro do pulmão com uma perspetiva de doença crónica, vislumbrando um futuro mais promissor.

Um artigo de Susana Simões, médica pneumologista da Unidade de Pulmão da Fundação Champalimaud, integrada na Equipa de Avaliação de Risco Oncológico.