HealthNews (HN)- Mais de 17.000 artigos e 800 ensaios clínicos reunidos pelo Gregory MS. Pode começar por apresentar aos nossos leitores o seu robô?
Bruno Amaral (BA)- O Gregory (https://gregory-ms.com/ e https://gregory-ai.com/) é um assistente digital que facilita o trabalho de todas as pessoas que têm que investigar determinadas doenças, porque ele está a fazer continuamente pesquisas de um determinado tema e permite não só identificar aquilo que foi publicado em tempo real, mas também identificar e categorizar o que é de facto relevante para os pacientes. Além disso, ele é capaz, também, de fazer um sumário dos artigos que vai encontrando, para facilitar a leitura por parte dos humanos, e a validação (se é relevante ou não para os pacientes).
HN- O Gregory também já investiga outras condições. Como é que tudo se processa? É fácil de utilizar esta ferramenta?
BA- É fácil de utilizar, porque a ferramenta recolhe tudo o que é publicado e divulga por email ou por outra forma. Neste momento, para esclerose múltipla, ele está a ser utilizado para três ou quatro coisas diferentes. A primeira é para alimentar o site. Todos os artigos sobre esclerose múltipla publicados nos últimos dois anos estão lá. Depois, eu, como administrador, recebo um email a cada 48 horas com todos os resultados novos. Além disso, os pacientes recebem em tempo real um aviso de novos ensaios clínicos que podem ser interessantes. Quem diz os pacientes diz também outros investigadores da área.
Além disso, uma vez por semana, o Gregory entrega aos subscritores um email com todos os artigos realmente relevantes que ele foi encontrando. Esses artigos relevantes são indicados pela inteligência artificial e pela minha validação seguinte, porque cada vez que eu recebo esses emails, a cada 48 horas, eu também vou assinalando e ensinando ao Gregory o que é que é de facto relevante, para ele poder ir divulgando. Há integração entre essa base de dados e o Twitter e o Mastodon. Ou seja, sempre que há um artigo relevante, sempre que há um ensaio clínico, ele também publica no Twitter e no Mastodon que o artigo acabou de sair e foi considerado relevante pelo nosso sistema ou pela validação manual.
HN- Está a enfrentar o seu diagnóstico informado, do lado da ciência e da medicina. O envolvimento dos doentes na saúde é para si uma preocupação?
BA- A minha preocupação é eu não ter informação do lado das equipas. Tendo uma doença crónica, eu quero saber o que é que está a ser investigado, para saber se posso ter esperança. E as equipas médicas não têm os recursos para me poder dar essa informação. Foi por isso que comecei a fazer o Gregory, para também eu saber que novos tratamentos mais inovadores e vanguardistas é que há e o que é que está a ser investigado nesta área. Sei que os meus médicos fazem tudo o que está ao alcance deles, mas a verdade é que também vejo que os recursos não são usados da melhor forma. Comecei a ver isso através dos gráficos que o Gregory me dá, porque eu consigo mapear toda a investigação sobre esclerose múltipla neste momento.
Às vezes fico preocupado porque vejo que os ensaios clínicos de novas medicações imunossupressoras são num volume muito maior do que, por exemplo, a medicação para repor a mielina no sistema nervoso, ou mesmo tratamentos extra que podem ser utilizados para travar a doença. Por exemplo, um dos tratamentos que dá agora mais esperança a pessoas como eu é o transplante da própria medula óssea depois de fazer quimioterapia. No entanto, apesar de ter sido uma coisa que começou a ser investigada em 1991, se não me falha a memória, ainda não se faz em Portugal, e não sei em que países é que se está a fazer para os pacientes que estão na minha condição.
HN- Os profissionais de saúde podem receber um email semanal com a identificação dos artigos mais relevantes. O projeto tem sido abraçado por eles?
BA- Obviamente que sempre que eu encontro um profissional de saúde falo-lhe do Gregory. Mas não tenho sentido muito apoio. Algumas pessoas, junto da Faculdade de Medicina por exemplo, não tendo poder de decisão, viram que este sistema tem valor e que poderia ajudar brutalmente o seu trabalho. Mas são pessoas que não têm poder de decisão. A minha equipa médica conhece o Gregory desde a sua génese – eles foram os primeiros a saber o que é que eu estava a fazer. Mas também não sei até que ponto é que têm a flexibilidade necessária para incluir o sistema dentro do departamento de esclerose múltipla; porque é preciso uma atenção diferente e é preciso mudar métodos de trabalho de uma maneira radical. Sei que a minha médica tem interesse nisso, mas desconheço o que é que passa daquele lado, porque, obviamente, há coisas que ela não me pode dizer. Portanto, estou um pouco no escuro.
Tenho-me sentido no escuro bastantes vezes, principalmente na génese do projeto. Acho que as pessoas pensavam que eu estava simplesmente a fazer pesquisas no Google. Ora o que eu estava era a montar um processo sistemático e metódico para encontrar informação de qualidade. E a ideia era que alguém do lado da Neurologia pudesse olhar para aquilo que eu estava a assinalar como relevante e dizer se eu estou certo ou errado, porque o Gregory só vai ser tão inteligente quanto a pessoa que o estiver a treinar, e eu não sou médico de neurologia. Seria um passo gigantesco ter alguém a olhar para os resultados e a dizer onde é que estamos no caminho certo e onde é que estamos no caminho errado, para poder entregar informação de qualidade a toda a comunidade de esclerose múltipla.
Nós treinamos o modelo de inteligência artificial e a partir daí ele trabalha sozinho. Eu e o António Lopes – amigo de longa data e investigador em inteligência artificial no ISCTE – quisemos tornar o Gregory mais genérico, para que pudesse ser usado para outras condições, então fizemos o esforço de reescrever partes do código. Por isso é que até montámos um site secundário, mais genérico, a explicar quais é que são as funções do Gregory.
HN- Dois anos depois da criação do Gregory MS, quais são os próximos passos?
BA- Nós estamos a tentar integrar a tecnologia do Chat GPT no Gregory. O sistema deles é muito bom e já existe em alguns sistemas idênticos, apontados para a medicina. Isto está numa fase ainda muito embrionária. Estamos a tentar que os artigos que o Gregory já indexou possam ser pesquisados em linguagem natural e que se possa retirar dali uma resposta coerente por parte da inteligência artificial. O Chat GPT é um sistema que, por agora, é de acesso livre, em que nós podemos fazer perguntas e ele dá-nos respostas coerentes. É um sistema muito poderoso que está a transformar a panóplia de informação que a internet tem em informação concreta.
Não é simplesmente uma lista de links: ele dá-nos a resposta com base naquilo que aprendeu de todo o texto que lhe foi dado. O problema é que os textos que foram dados a este sistema de inteligência artificial vão até 2021 e, por isso, já estão desatualizados. Então, nós estamos a usar esta tecnologia com o nosso corpo de dados, com os nossos artigos. O nosso problema é novamente de que precisamos do apoio da comunidade médica para podermos afinar a qualidade da informação que é recolhida.
HN- Quer deixar uma nota final?
BA- As ferramentas de inteligência artificial são exatamente isso: ferramentas. E estamos num momento chave para as começar a utilizar. Temos é que saber como as utilizar, temos que saber como as treinar para os nossos fins. Não se trata de saber se vamos ser ou não substituídos por computadores. As únicas pessoas que vão ser substituídas por computadores são aquelas que não aprenderam a usar esta tecnologia. E é importante que esta tecnologia seja treinada por quem de fato conhece. A inteligência artificial não nos vai dar a verdade das coisas, mas é uma ferramenta importante e que pode acelerar o processo de descoberta de inovação clínica.
O Gregory é um projeto open source. Aceitamos o contributo de toda a comunidade médica. Esse contributo podem ser sugestões de novas funções que sejam relevantes para eles, pode ser indicação de coisas que não estejam a funcionar bem. Sempre que há um input válido nós tentamos implementar o mais depressa possível, porque se é importante para a comunidade e para os pacientes, há de ser certamente importante para nós.
HN/RA
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