Na última quarta-feira, um pastor de uma igreja evangélica morreu alguns dias depois de "orar" por uma pessoa infetada com ébola, de acordo com um médico a trabalhar no terreno. "Acreditando que a epidemia de ébola decorre da feitiçaria, alguns doentes recusam-se a procurar tratamento, preferindo a oração", confirma Julie Lobali, uma enfermeira na linha de frente do combate ao nono surto de ébola na RDC e sobre quem também existe a suspeita de infeção.

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Em Mbandaka, uma cidade de 1,2 milhões de habitantes, a 700 km de Kinshasa, afetada pela epidemia, muitas pessoas acreditam que o surto atual é "um castigo lançado sobre aqueles que comeram carne roubada", explica Lobali.

A epidemia de ébola foi declarada a 8 de maio em Bikoro (100 km de Mbandaka e 600 km de Kinshasa), na fronteira com o Congo-Brazzaville.

O resultado de um feitiço

O novo surto não é de uma doença normal, mas o "resultado de um feitiço lançado sobre esta aldeia por um caçador que foi roubado. É uma doença mística", acredita Blandine Mboyo, um morador do bairro de Bongondjo em Mbandaka.

"Esse castigo é muito poderoso porque atinge quem comeu a carne roubada", acredita Nicole Batoa, uma vendedora ambulante.

"Essa doença é incurável porque é feitiçaria", garante Guy Ingila, vendedor clandestino de combustível.

Na República Democrática do Congo, como em todos os lugares do continente africano, a doença ou a morte nunca são um fenómeno natural. Do ponto de vista cultural, "um número tão elevado de mortes é a manifestação de um feitiço e só pode ser causado por um espírito mau", diz Zacharie Bababaswe, especialista congolês em história das mentalidades.

Antes da expansão das igrejas evangélicas na RDC, os congoleses procuravam curandeiros ou feiticeiros em busca de tratamento, diz Bababaswe.  Essa crença na superstição simplesmente mudou de forma. "Antes da década de 1980, qualquer doença tinha uma origem mística", lembra ele.

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Charlatães para curar ébola

Depois dos anos 80, "os charlatães transformaram-se em pastores para assumir a tarefa dos curandeiros e feiticeiros" e propor soluções místicas para problemas de saúde, afirma Bababaswe. "Para um problema espiritual, a solução não é médica", explica o historiador.

Há algumas semanas atrás, dois doentes com ébola vindos de Bikoro, o epicentro da atual epidemia, correram para as igrejas em vez de irem a um centro de saúde procurar tratamento, segundo relatos.

Outro doente, internado no Hospital Geral de Mbandaka no dia 1 de maio, preferiu deixar o hospital para se tratar com um curandeiro.

Para parar a propagação da epidemia, temos de "expurgar da cabeça das pessoas que a doença do vírus ébola é um feitiço lançado sobre as aldeias", alerta o deputado Bavo N'Sa Mputu.

Esta é a nona vez que o ébola atormenta a RDC desde 1976, data em que o vírus foi descoberto no país. A última epidemia data de 2017 e fez 4 mortos. Entre 2014 e 2016 uma outra epidemia de ébola matou quase 12 mil pessoas em África.

O atual surto já fez 27 mortos.