Health News (HN)- Como têm decorrido estas primeiras semanas de aulas?
António Medina de Almeida (AMA – A inauguração oficial foi no dia 14 de setembro. Era para ser dia 13, mas tivemos que atrasar um dia por causa da morte do Presidente Jorge Sampaio. As aulas começaram dia 13 de setembro. [Os alunos] tiveram uma semana introdutória, com apresentação ao edifício, ao currículo, aos professores, na semana seguinte já tiveram aulas “normais”.
HN- Qual é o balanço destes primeiros dias?
AMA- Devo dizer que muito positivo. Tem sido, tanto por parte dos alunos como dos professores, um grande entusiasmo. Eles têm acolhido muito bem as metodologias, que, apesar de tudo, são um bocadinho diferentes daquilo a que estão habituados no liceu e nas escolas. Têm muito mais autonomia. No fundo, todo o processo de ensino está baseado na resolução de casos. Temos reuniões no início da semana onde é apresentado um problema; nessa reunião, os alunos têm que identificar o problema e os pontos de interesse e de aprendizagem e distribuir tarefas; depois, ao longo da semana, trabalham nessas tarefas, e no final da semana, apresentam as suas conclusões, soluções e aquilo que aprenderam. Também têm tido algumas aulas teóricas e práticas.
HN- Foram três anos de processo de aprovação. O último foi particularmente complicado. Quais foram as principais dificuldades que sentiram até à aprovação do curso?
AMA- Isto é um processo complexo e único. Basta dizer que somos o primeiro curso [de Medicina] privado que abre em Portugal. Tivemos que estabelecer e garantir a qualidade do ensino, não só a nível do currículo que quisemos implementar – tivemos que demonstrar que era um currículo fidedigno.
HN- E ficou demonstrado?
AMA- Trata-se de um currículo “importado” da Universidade de Maastricht; portanto com já muitas provas dadas, mas tivemos que demostrar a sua capacidade – como também tivemos que validar o corpo docente e a sua disponibilidade.
HN- Porquê?
AMA- Num país onde já temos várias faculdades, precisávamos de ter docentes que tivessem disponibilidade para ensinar. Por fim, também tivemos que demonstrar a adequação das infraestruturas, e isso foi talvez o maior desafio. Conseguirmos reabilitar todo o edifício escolar que temos em Sintra em tempo de poder avançar dentro do prazo.
Todos esses desafios, que são desafios normais de qualidade, eram os requisitos que a “Agência”, a Ordem dos Médicos e todas as entidades reguladoras exigiam para garantir a qualidade do ensino dos médicos. A qualidade é o mais importante de tudo.
HN- Não houve algum excesso de zelo por parte dessas entidades?
AMA– Acho que foram exigentes, não sei se foram mais exigentes do que teriam sido para outra faculdade. Não me parece.
HN- Numa entrevista que concedeu ao Diário de Notícias, fala em bloqueios corporativos, uma afirmação corroborada pelas notícias saídas ao longo do tempo nos órgãos de comunicação social de que havia uma grande oposição ao curso. A que se devia essa oposição?
AMA– Nunca achei que fosse um bloqueio corporativo. Isso foi dito muitas vezes, mas nunca por mim. [Tendo em conta] todas as conversas que tive quer com o bastonário, quer com a Agência de Acreditação, diria que a preocupação não era tanto por oposição – terá existido alguma oposição ideológica, mas não me parece que fosse essa a principal questão. É uma questão de qualidade de educação, e um curso de Medicina é uma coisa extremamente complexa, a nível dos requisitos técnicos, a nível da exigência teórica e a nível da infraestrutura que nós precisamos para garantir estágios e acesso a uma variedade de doentes. Isso foi sempre a preocupação tanto da “Agência” como da Ordem dos Médicos.
É muito importante recordar que fizemos dois pedidos de acreditação. Um primeiro pedido 2018, que nos foi devolvido com algumas sugestões e preocupações.
HN- Que sanaram?
AMA– Reformulámos o pedido em 2019 sem grandes alterações, portanto, no fundo, o currículo manteve-se igual, a proposta de infraestruturas manteve-se igual, o parceiro clínico, que é o Grupo Luz Saúde, manteve-se igual. Só o corpo docente foi alargado e redistribuído, mas tratava-se de uma questão organizativa.
HN- E foi quando obtiveram aprovação…
AMA– Sim. O segundo pedido obteve a necessária aprovação. É verdade que tudo isto deu muito trabalho, mas nenhum projeto que está projetado para durar 100 anos nasce sem trabalho.
HN- As notas de acesso aos cursos de Medicina foram todas superiores à vossa nota mínima de acesso. Como é que se explica isto?
AMA– Nós abrimos candidaturas em maio. Nessa altura, os candidatos inscreveram-se e, depois, foram avaliados com perguntas vocacionais (porque é que quer fazer medicina, porque é que quer estudar em PBL, etc.) e entrevistas. Usámos os relatórios dessas entrevistas juntamente com as notas do secundário para selecionar os nossos alunos. Nesta seleção, os que foram escolhidos para serem os primeiros foram os que tiveram as notas mais altas, e sim, é verdade que, por várias razões – naturalmente, por ser um curso novo, por ser um curso numa faculdade privada, por ser um curso que tem contornos um bocadinho diferentes-, não é a primeira escolha da maior parte dos alunos. Acredito que com o tempo e provas dadas irá ter mais procura.
HN- Nessas entrevistas que fizeram, nessa seleção, quais foram as principais características que valorizaram nos candidatos?
AMA– Usámos o método de entrevistas curtas – os candidatos fazem oito entrevistas de oito minutos e as entrevistas são situacionais. Nós avaliamos capacidades de comunicação, capacidades de explicação, capacidades de resolução de problemas, questões éticas, entre outras. É uma avaliação multifatorial, mas o empenho, comunicação, colaboração, espírito de trabalho em equipa são os fatores principais que nós avaliámos nas entrevistas, bem como as questões éticas.
HN- Afirmou, em entrevista à Lusa, que a metodologia de ensino é um dos principais diferenciadores deste curso. No que é que consiste exatamente essa diferença?
AMA– A grande diferença da nossa metodologia de ensino é que nós apostamos num ensino ativo; numa participação ativa dos alunos. Os alunos, em vez de de estarem numa sala de aula a ouvir, são estimulados e encorajados a irem procurar a sua informação. Há muita investigação em teoria da educação que mostra que este tipo de participação ativa gera muito mais consolidação de conhecimento, de competências para ir procurar, no futuro, o seu conhecimento. Portanto, conseguimos ter alunos empenhados em serem estudantes a vida toda. Toda a investigação na educação mostra que os alunos que estudam só para exames, passados quinze dias, já se esqueceram de metade da matéria. Já nos alunos que têm uma participação mais ativa, quando temos um ensino centrado no aluno, temos muito mais retenção da matéria dada. Isto faz com que esta metodologia tenha sido adotada em muitas faculdades internacionais e em faculdades portuguesas, como a Universidade do Minho e do Algarve, que também usam metodologias semelhantes.
HN- Uma das apostas que têm é na formação de medicina geral e familiar. A que é que se deve essa opção?
AMA– Deve-se a um reconhecimento da importância dos cuidados de saúde primários na saúde pública. Este é um curso de Medicina, portanto não estamos a formar especialistas, mas é muito importante incutir nos futuros médicos que os cuidados de saúde não são só para quando há doenças, são também para prevenção de doenças, para otimizar toda a prestação de cuidados de saúde e não de doença. É isso que nós queremos incutir nos nossos alunos, que toda a parte que a medicina geral e familiar faz em matéria de vacinação, cuidados de seguimento e prevenção tem que ser incutida e encorajada cada vez mais para reduzirmos os riscos de doenças e tentarmos prevenir doenças o máximo possível.
HN – Tendo em conta o atual contexto dos cuidados de saúde primários (CSP) e os muitos problemas que eles atravessam – recordo que no último concurso ficaram 38% das vagas por ocupar – o que é que seria preciso fazer para convencer um aluno da Católica a ir trabalhar para os cuidados de saúde primários quando os alunos do ensino público não querem lá trabalhar?
AMA– Penso que, sobretudo, temos que dar relevo à grande importância dos CSP. Estou convencido de que esse é o fator mais convincente para qualquer médico ir para os CSP. Ultrapassam muito as minhas competências as condições de trabalho e a atratividade contratual que pode ser oferecida, mas o que não ultrapassa é dar a importância a essa especialidade, perceber o quanto ela é importante para a saúde pública, para a saúde das pessoas e o quão estimulante é como carreira. A medicina geral e familiar é, realmente, uma especialidade muito desafiante e muito difícil, exatamente porque temos que identificar aqueles que estão doentes e prevenir as doenças. É uma especialidade que pode ser muito estimulante para todos os médicos.
HN- Outra questão que se levantou foi o valor da propina e o custo do curso. 1625 euros mensais não é de alguma forma elitista?
AMA– O custo do curso é o que custa formar um médico. Já foram feitos vários estudos por universidades do Estado e faculdades de Medicina que avaliam o custo da formação de um médico, e o custo que nós praticamos é igual. A grande diferença é que, nas universidades do Estado, quem suporta este custo é o Estado; na nossa faculdade, quem tem de suportar o custo são as famílias. No entanto, nós temos vários programas de apoio; bolsas de estudo de mérito para os melhores alunos, e também bolsas sociais para aqueles que não têm possibilidades, e temos organizados empréstimos com bancos que facilitam o pagamento àqueles alunos que queiram estudar na Católica e que precisem de algum apoio até começarem a ganhar o seu próprio dinheiro.
Reconhecemos que isto é pesado e, por causa disso, tentámos ir ao encontro das famílias de maneira a conseguir facilitar o máximo possível esses custos.
HN- O empréstimo bancário não é tradicional em Portugal.
AMA– Claro, mas eu acho que cada vez mais em Portugal, como no resto da Europa e do mundo, reconhece-se que o investimento na educação é muito importante. Todos reconhecemos que somos capazes de ter empréstimos para muitos bens materiais, desde casas a carros, a televisões, a telefones. Ora, faz sentido que um bem que talvez não seja material, mas que tem uma grande importância, não só para o indivíduo, como para a sociedade, seja um investimento válido. O investimento na educação torna-se tão importante como qualquer outro, porque tem impacto sobre o indivíduo e a sociedade, e acho que as famílias vão reconhecer isso, e se nós pudermos facilitar, tanto mais podemos ajudar as pessoas a seguirem as carreiras que querem.
HN- Este ano, foram 50 vagas. Para o ano, vamos ter o dobro?
AMA– Espero que sim. Ainda depende da Agência de Acreditação, mas estamos a contar, para o ano que vem, poder admitir 100 alunos.
HN- Gostaria de acrescentar alguma coisa?
AMA– Acho que o mais relevante é que é muito entusiasmante, dentro do tecido educativo nacional, poder ter um curso novo. Trazer nova oferta educativa para o país que tenha qualidade, e isso é o que a Agência e as outras entidades reguladoras garantem. Trazer mais tecido educativo para o país é sempre um motivo novo de entusiasmo para todos. O nosso posicionamento é exatamente esse de querer contribuir para o país e para o tecido educativo do país e colaborar o máximo possível com todos.
Entrevista de Miguel Mauritti.
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