Numa altura em que continua em França a contestação ao aumento dos impostos sobre os combustíveis (“coletes amarelos”), pressionando o ministro da Transição Ecológica mas também o presidente francês, associações ouvidas pela Lusa usam esse exemplo para duvidar que as pessoas queiram de facto mudanças.

“As pessoas estão preocupadas com as alterações climáticas, mas não estão dispostas a mudar. Estarão os governos dispostos a mudar as condições das pessoas?”, pergunta Eugénio Sequeira, presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN).

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Mas mudar é um dos objetivos da 24.ª Conferência das Partes (COP24) da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que se reúne em Katovice, na Polónia, entre domingo e 14 de dezembro, com centenas de intervenções de responsáveis políticos e de representantes de organizações do mundo inteiro, sob a égide da ONU, para debater o clima e o futuro da humanidade.

Francisco Ferreira, da organização ambientalista ZERO, diz tratar-se de uma reunião muito importante e decisiva, porque serão aprovadas as regras do Acordo de Paris sobre redução de emissões de gases com efeito de estufa, alcançado há precisamente três anos, bem como o aumento da ambição das metas aí traçadas, insuficientes para garantir que a temperatura não aumenta mais de 1,5º celsius em relação aos níveis pré-industriais, valor acima do qual os efeitos das alterações climática se tornarão extremos.

Mas Eugénio Sequeira e João Branco, presidente da associação ambientalista Quercus, são menos otimistas. “As expectativas não são grandes porque as coisas não estão a correr bem a nível global”, disse João Branco à Lusa.

Eugénio Sequeira, especialista em desertificação, até diz que espera muito da COP24 mas acrescenta que é pouco provável que tal aconteça, "porque os políticos reagem à opinião das pessoas e se as pessoas não querem mudar os políticos podem não estar dispostos a mudar". Mas, frisa, “é preciso que se faça alguma coisa”, é preciso que o mundo se adapte às alterações climáticas e que minore os seus efeitos. E dá um exemplo português, o do montado no Alentejo, que “defende” o país do deserto, mas que está a ser afetado pela mudança no clima. “As pessoas não reagem a isto. E como as pessoas não reagem os políticos não reagem”.

É por isso que, diz, tem esperança que os políticos percebam a responsabilidade que têm e que tenham coragem para tomar medidas durante a reunião na Polónia.

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Francisco Ferreira, que estará na COP24, diz que se os políticos tiverem coragem para tomar medidas “é papel das organizações ambientalistas apoiar e informar sobre as consequências de não as tomar”. O responsável da ZERO lembra o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que adverte sobre a necessidade de transformações “rápidas e sem precedentes” nos sistemas de energia, transportes, construção e indústria para limitar o aquecimento global.

Para o ambientalista, não se pode perder mais tempo e a COP24 tem de ser decisiva. "Políticos e população têm que ser informados, os relatórios científicos estão aí, e as populações que não querem aumentos de impostos nem ser penalizadas acabarão por ser confrontadas com a “hora da verdade”. Tem de haver habilidade política dos decisores para envolver as pessoas”, diz.

Medianamente otimista quanto a resultados, Francisco Ferreira afirma que pior era não existir este tipo de reuniões e que alguns avanços têm sido feitos, acrescenta que a pressão para decidir está a aumentar e deixa um aviso: “Na Polónia temos de apontar o caminho para grandes decisões. Adiar decisões vai sair muito caro”.

João Branco tem uma visão mais pessimista, e ainda que considere a COP24 importante também diz que pode ser para “cumprir calendário”, tanto mais que uma coisa é o que se diz nestas reuniões e outra as reais políticas dos países. “O consumo e a produção de petróleo continua a subir. Hoje são quase 100 milhões de barris por dia, contra os 90 milhões de 2013. Todos os dias, inclusivamente em Portugal, há novos investimentos na exploração do petróleo”, afirma.

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Portugal, nas palavras do presidente da Quercus, até é um país com reais preocupações ambientais. Mas Portugal representa 0,15% da população mundial, “e países como a China, a Rússia, o Brasil, a África do Sul, exploram todas as fontes de gás, petróleo e carvão”.

João Branco é cético quanto à COP24, questiona novas metas de redução de emissões de gases quando “nem sequer estão a ser cumpridas” as atuais, garante que há emissões de dióxido de carbono não contabilizadas e adianta que há falta de informação geral. “Procure os compromissos de cada país sobre o Acordo de Paris e não vai encontrar. Se queremos saber as emissões de cada país não conseguimos”.

Nas declarações à Lusa João Branco coincide com Francisco Ferreira quando diz que com os compromissos atuais as temperaturas vão subir mais de três graus no fim do século. E coincide com Eugénio Sequeira, quando refere que as alterações climáticas causam fenómenos extremos, mas também estão a causar alterações mais subtis, como a destruição do sobreiro.

E coincidirá com os dois na ideia de que as atuais gerações pouco estão a fazer pelos seus filhos e netos. E até por elas próprias.

As novas tecnologias favoráveis ao clima, a população como líder da mudança e o papel da floresta são os temas centrais que a Polónia quer ver discutidos na reunião mundial do clima, que começa domingo.

A conferência junta os representantes das partes da UNFCCC (é uma espécie de congresso da UNFCCC) e é organizada pela Polónia pela terceira vez, juntando, na fase final, líderes de vários países do mundo (segundo a página oficial da iniciativa na internet), sob os auspícios do presidente da Polónia, Andrzej Duda, e com a participação do secretário-geral da ONU, António Guterres.

A organização da COP24 diz que o principal objetivo da presidência polaca é adotar uma decisão que garanta a plena implementação do Acordo de Paris sobre o clima, as chamadas Regras de Katovice. “O pacote de implementação dará ao Acordo de Paris uma forma realista, definindo um caminho que cada país decidirá seguir para intensificar os esforços para proteger o clima. Para simplificar, não há Acordo de Paris sem Katovice”, diz a organização da conferência.

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A presidência polaca pretende adotar regras e ferramentas para todo o mundo e para todas as áreas importantes em termos de emissões de gases com efeito de estufa, como os transportes, a energia, a construção ou a agricultura, equilibrando emissões e criando medidas para adaptar as economias às mudanças decorrentes das alterações climáticas. Diz também a presidência do evento que “o sucesso de Katovice será fazer progressos nos mecanismos sem os quais o Acordo de Paris não poderá funcionar em termos reais”.

E durante a COP24 vão ser ainda discutidas questões estratégicas como o financiamento do clima ou a forma como os países devem refletir conjuntamente estas matérias, o chamado Diálogo de Talanoa.

A Polónia já disse que quer centrar o debate da COP24, na qual participam centenas de organizações e de responsáveis políticos, na questão de que tecnologicamente existem soluções eficazes para combater as emissões de dióxido de carbono, como a eletromobilidade, no ênfase da mudança no ser humano, e na natureza (gestão florestal sustentável como parte da neutralidade carbónica e o papel das florestas como sumidouros de gases com efeito de estufa).

Mas nas quase duas semanas de conferência, na qual Portugal estará representado pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes (na parte final da iniciativa), e na qual participam também especialistas e ambientalistas portugueses, serão discutidas centenas de outros temas, da indústria aos transportes, da água aos oceanos e zonas costeiras, da energia ao uso da terra, das finanças ao consumo responsável, da inovação ao desporto ou ao turismo. Além das intervenções que cada país fará.

A COP24 acontece poucos meses depois de um grupo de peritos da ONU ter avisado que é urgente tomar medidas para impedir que o aquecimento global ultrapasse os 1,5 graus celsius em relação à época pré-industrial. E dizer que as consequências do aquecimento global já se fazem sentir.

Na semana passada líderes de 16 países europeus, incluindo o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, apelaram para maiores esforços no combate às alterações climáticas, considerando que estas são “o principal desafio” dos tempos atuais. A Polónia não assinou essa declaração conjunta.