Não existem alturas certas ou erradas para recomeçar do zero e nos dedicarmos aquilo que nos faz realmente felizes. Este poderia ser o lema de vida de Sara e Samuel Cabral que, em março de 2024, inauguraram um projeto de sonho: a Vulcana.
Este negócio, que consegue ser um lugar onde o conceito de fábrica, bar e sala de espetáculos se fundem entre si, destaca-se por ser o primeiro espaço de cerveja artesanal na ilha de São Miguel. A ideia nasceu durante a época em que viviam nos Estados Unidos, país onde estiveram emigrados durante 23 anos, onde as idas a bares de cervejas artesanais eram habituais.
Daí até se aventurarem na produção de cerveja em casa foi um ápice. A aceitação que tiveram do seu círculo de amigos e familiares, que durante anos serviram de cobaias para as cervejas caseiras que davam a provar durante as suas festas e churrascos, levaram o casal a repensar o seu estilo de vida em Massachusetts e a levar este novo hobby mais a sério.
“Como costumávamos fazer hostings e entreter, o ideal era fazermos algo do género, onde tivéssemos o nosso produto, conseguíssemos ter a música que queriamos e a Sara pudesse dar aulas e espetáculos de bellydance. É um bocado juntar tudo aquilo que sempre fizemos durante estes anos todos”, explica Samuel Cabral sobre o conceito deste espaço que, inicialmente, era para arrancar na cidade norte-americana de Cambridge, mas acabou por vir para a Ribeira Grande, em São Miguel.
Movidos pelo amor à cerveja artesanal e ao arquipélago que os juntou, o casal mudou-se de armas e bagagens para os Açores. Apesar de já terem o conceito definido na sua cabeça, a verdade é que implementar o projeto da Vulcana foi mais difícil do que estavam à espera. “Foi muita paixão, sangue, lágrimas”, disse a proprietária que, entre certificações, aprovações e autorizações, foram precisos quatro anos até o negócio ter luz verde para avançar. “Eu já estava a ver que nós íamos ser aquele casal mais velho que, um dia, no fim de uma festa diz ‘Um dia eu ia ter uma cervejeira…’ e toda a gente diz ‘OK’”, recorda Sara Cabral, entre risos.
Com portas de abertas desde março de 2024, a Vulcana é um projeto que, apesar de todas as dores de cabeça, trouxe um conceito inovador para os Açores e que enche de orgulho a dupla de criativos tornados cervejeiros. Aqui todos os detalhes contam: desde os copos de vidro que vieram da Alemanha às mesas modulares de grandes dimensões – desenhadas e montadas por Samuel – e que permitem que os clientes possam vir acompanhados dos membros mais novos lá de casa e passar bons momentos longe dos ecrãs. À sua disposição, existe um armário cheio de jogos tradicionais onde miúdos e graúdos podem brincar em família. Mas o que é que se bebe naquele que é o único sítio do arquipélago que tem uma fábrica em ambiente de bar? Todos os clientes são recebidos com música rock, em alto e bom som, aperitivos açorianos, sumos, águas e sete variedades desta bebida fermentada cujos nomes pretendem mostrar a todos o orgulho que os proprietários sentem nas suas origens e em serem uma família bilingue.
A Folclore é uma kölsch alemã bastante leve e é uma boa aposta para quem se está a aventurar pela primeira vez no mundo das cervejas artesanais. “Há muito a ideia de que a cerveja artesanal é muito amarga, mas a cerveja artesanal não é um sabor. É a quantidade que se vende”, elucida a empresária e professora de dança do ventre. Já a Moranguita é uma cerveja de trigo feita com morangos frescos esmagados e que se destaca pelo seu sabor frutado e baixo teor de álcool. “É excelente para quem não adora cerveja. É uma bebida um pouco diferente”.
A Lenda é uma pale ale com um ligeiro travo amargo e tem uma história inusitada. “A Lenda, sendo a nossa primeira cerveja [a ser feita e testada num sistema a vapor], o normal é ir para o lixo porque não ficou bem uma vez que estamos a experimentar, mas ficou excelente. Então ficou lendário. Para nós é uma lenda”, conta. A Dance In the Woods é uma Indian Pale Ale que contém seis variedades de lúpulo e encerra o capítulo das cervejas amargas. “Quando alguém diz que pediu uma IPA, mas estava super amarga, estava a pedir uma cerveja amarga. Ela, por si, já levou lúpulo a mais exatamente por isso”, explica sobre este pólen antibacteriano e conservante natural.
Para além da Feiticeira, que é uma cerveja vermelha irlandesa com pouco álcool, existem outras duas opções que privilegiam ingredientes diferentes do habitual: a Morena é uma brown ale com travo a avelã tostada, e a Running with the Wolves é uma stout preta feita com aveia, cevada, cacau amargo, lactose e 18% de álcool. “Faz lembrar um cappuccino em cerveja”, elucida.
Estas sete receitas artesanais - com sabores, níveis de álcool e tonalidades diferentes - prometem surpreender os paladares dos amantes desta bebida e de todos aqueles que, até agora, nunca se deixaram seduzir por ela. Enquanto saboreiam a sua preferida, os clientes podem acompanhar os diferentes processos de produção artesanal de cerveja até chegar ao copo e que ganha uma nova complexidade devidos aos custos que a insularidade acarreta para o negócio. “Nós temos de encomendar tudo: o lúpulo, a levedura, a cevada…. Não temos margem de erro nenhuma. Está tudo fresco e eu não me posso dar ao luxo de uma cerveja não me correr bem”, explica o empresário e músico.
Apesar de ao longo dos últimos meses o feedback dos clientes “ter sido excelente”, a distribuição e exportação da Vulcana não é, para já, uma prioridade para a marca. “O importante é atrair as pessoas até aqui. Nós controlamos o ambiente, a marca e, essencialmente, controlamos a experiência. A ideia aqui não é vender cerveja. É vender uma experiência”, diz. Mais do que um espaço onde é possível ir beber um copo, Samuel e Sara querem educar os clientes para o culto da cerveja e para as matérias-primas açorianas que lhe servem de base à produção.
“Eu gostaria que, quando tivéssemos finalmente a nossa cerveja em alguma prateleiras’, as pessoas dissessem ‘Isto é Vulcana. Eu estava lá quando fermentaram essa edição e estava a tocar não sei o quê…’. Queria criar uma memória, como o perfume que cheiramos e que é nostálgico. A ideia é um dia poder dizer que nós temos um produto autenticamente açoriano”, conclui.
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