Os murais, que retratam as várias fases da “faina maior”, como ficou conhecida a pesca do bacalhau à linha, foram pintados por António Conceição, um artista plástico natural de Cabo Verde, mas a viver em Portugal há mais de 20 anos.
Para levar por diante esta tarefa, António Conceição apoiou-se em fotografias antigas e nos relatos da época, sem esquecer os populares que acompanharam o trabalho e que “faziam comentários muito interessantes e até algumas correções”.
“Algumas pessoas disseram que a faca de escalar o bacalhau não estava bem ou que não era assim que se pegava nela. Houve até um senhor que chegou a levar-me uma faca original, para ver como era e tornar a pintura mais realista”, contou o artista.
António Conceição começou a pintar murais em Cabo Verde, aos 14 anos, com trabalhos encomendados pelo município do Mindelo. Em 2000, rumou a Portugal para tirar o curso de Artes Plásticas e Pintura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Após terminar o curso, ainda esteve alguns anos a dar aulas, mas acabou por retomar a pintura de murais, incentivado pela sua mulher, tendo decidido fazer da arte urbana a sua profissão.
O artista, que atualmente está a pintar outro mural no nó viário da praia da Barra, a convite da Câmara de Ílhavo, disse que esta obra foi “muito especial” para si, porque o fez recordar os seus antepassados, que também foram pescadores.
Afirmou ainda estar “exageradamente grato” a Leonardo Aires, um comerciante de bacalhau há mais de 35 anos que o contratou para fazer o trabalho.
Os murais são apenas uma das componentes do futuro museu ao ar livre dedicado à pesca do “fiel amigo”, que este empresário de 70 anos quer construir no espaço exterior situado em frente à sua empresa, na Gafanha da Nazaré, em Ílhavo.
Natural de Trancoso, o empresário emigrou em 1975 para o Canadá, onde começou a trabalhar em hotéis, e a partir de 1984 começou a exportar bacalhau para Portugal. Em 1995, regressou ao país de origem com a ideia de “fazer a epopeia do bacalhau” e deixar um legado às próximas gerações.
“Era uma ideia que já tinha há vários anos. Vim para uma terra que era do bacalhau — hoje já não é tanto como era antigamente — e não havia nada que dissesse o que era a pesca do bacalhau”, explicou.
Com a aquisição da fábrica na Gafanha da Nazaré, o empresário viu ali uma oportunidade de colocar as suas ideias em prática e avançou com os pedidos para intervir no espaço exterior.
“Foi difícil convencer as autoridades a deixarem-me fazer isto. Somos um país muito burocrata”, lamentou, adiantando que a pintura dos murais foi avançando aos poucos.
O primeiro mural a ser pintado foi o das mulheres das secas, que por ali abundavam.
Seguiram-se os restantes pilares onde foram pintadas cenas de pesca do bacalhau e retratos de personalidades locais, como o capitão Valdemar Aveiro ou o empresário Egas Salgueiro.
No extremo mais distante do viaduto, há uma imagem do porto de St. Johns, no Canadá, onde os navios da frota portuguesa atracavam para se abastecerem.
Numa próxima fase, segundo Leonardo Aires, vão ser pintados, na face de um dos pilares, os nomes dos portugueses que morreram na pesca do bacalhau, em homenagem a estes lobos-do-mar que nunca regressaram ao seu porto de partida.
Por baixo do pontão, serão também pintados os nomes dos pescadores que fizeram várias campanhas bacalhoeiras e de mulheres que trabalharam na seca.
O projeto inclui ainda várias esteiras onde se secava o bacalhau ao sol e uma réplica em ponto pequeno de um lugre em cimento, para as crianças brincarem.
A última fase será a colocação no local de um dóri original (pequeno bote de madeira usado por um único pescador na pesca do bacalhau à linha) que pertencia ao Argus, um dos mais emblemáticos navios bacalhoeiros portugueses e que foi cedido ao empresário pela família Bensaúde.
Leonardo Aires afiança que o projeto deverá ficar concluído no prazo de dois anos, para que este local seja um ponto de atração turística.
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