
Através da desconstrução do seu processo criativo e levando-nos até à sua base — a que chama "paleta de conceitos"—, Jordi Roca demonstrou esta sexta-feira, dia 21 de março, no Palco Smeg/Callebau da 22ª edição do Festival de Chocolate de Óbidos que cada sobremesa que cria combina sabores, histórias e inovação.
Com boa disposição e uma dose de humor, o chef, que sofre de distonia cervical, uma doença neurológica que o deixou cerca de sete anos sem voz, transportou-nos para um laboratório criativo com aroma de cacau que nos desafiou a pensar a pastelaria como uma tela em branco que nos permite expressar sentimentos, cheiros ou recordações.

Na mente criativa de um dos melhores pasteleiros do mundo
Com uma paleta rica em conceitos, como um pintor tem de cores, Jordi associa emoções, memórias ou paisagens a sabores que, conjugados, surpreendem o final da refeição de quem visita o restaurante El Celler de Can Roca, situado em Girona, Espanha, que abriu com os seus dois irmãos, Joan (chef) e Josep (sommelier).
Durante a sessão que deu em Óbidos e que marcou a sua estreia em Portugal, o chef pasteleiro partilhou com a audiência a sua abordagem criativa e o conceito da pastelaria do restaurante da sua família, distinguido com três estrelas Michelin e uma Estrela Verde Michelin.
Partindo de histórias que viveu, cenários da natureza ou situações de humor, Jordi tornou claro na masterclass que as sobremesas conseguem proporcionar experiências sensoriais e que não servem apenas para agradar o palato. Na sala do festival mais doce do país, o carismático chef partilhou como exemplo a sua famosa sobremesa Milhojas de Libro Viejo, que teve como inspiração o cheiro de livros antigos e a obra "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust.
A apresentação, que contou com conteúdos multimédia, permitiu-nos perceber como é que a mente criativa do chef espanhol funciona e como é que capta elementos do mundo real para a sua arte culinária. Ao assistirmos a um tutorial, que também é possível ver nas suas redes sociais, concluímos que qualquer caminho pode abrir portas para a criatividade e que para criar algo novo e exclusivo é preciso ousar, mas também ter conhecimento.

Jordi, que se encontra hoje no topo da gastronomia doce, também precisou de aprender antes de começar a voar. Foi como assistente do pasteleiro galês Damián Allsop na cozinha do El Celler de Can Roca, onde hoje serve as suas fantásticas sobremesas, que adquiriu as bases que o permitem criar com irreverência e quebrar moldes.
A Milhojas de Libro Viejo reflete igualmente a identidade da cozinha deste revolucionário pasteleiro que tem como pilares a liberdade e a frescura dos ingredientes. Deste modo, Jordi não se restringe a nenhuma corrente gastronómica para criar as suas obras de arte comestíveis: procura antes as soluções mais sustentáveis e, se necessário, desenvolve novos métodos ou volta atrás no tempo.
No caso deste mil-folhas com creme de chá Earl Grey, utilizou uma técnica secular de perfumaria, a enfleurage, para conseguir extrair o cheiro de livro antigo e proporcionar a quem o saboreia uma experiência mais completa, que envolve o olfato, o paladar e a visão, e que pode ainda despertar memórias de infância devido ao gelado de madalena.
Durante a sessão, Jordi ainda falou sobre outra das suas criações icónicas, a Viaje a la Habana, que conta com um charuto de chocolate a deitar fumo. Esta iguaria vem reforçar a ideia de que não basta ser criativo para se ser um bom pasteleiro, também é importante estudar, pesquisar e fazer experiências.
A sobremesa Golo de Messi foi outra criação que o chef destacou neste evento por refletir o seu lado mais bem-humorado que não deixa de lado na cozinha.
Óbidos, um "lugar mágico" e com chocolate até 6 de abril
Eleito, em 2014, Melhor Chef Pasteleiro do Mundo pela lista dos World's 50 Best Restaurants, Jordi Roca tem-se notabilizado ainda pelo seu trabalho na Casa Cacao, uma fábrica de chocolate "bean to bar", que gere também com os irmãos e que trabalha o cacau desde a sua origem ao produto final, com venda direta ao público, workshops e café.
Nesta aventura, o chef fez uma verdadeira imersão pelo mundo do chocolate em zonas de plantação como a Amazónia, onde conviveu com as comunidades locais, conheceu todos os aspetos da produção de cacau, como as variedades, fermentações ou plantações. A Casa Cacao recebe o produto diretamente de pequenas comunidades do Perú, Venezuela, Colômbia ou Equador, pagando um preço justo.
À Lusa, Jordi Roca referiu que a experiência no Festival do Chocolate foi "uma experiência maravilhosa", acrescentando estar encantado com o evento e com Óbidos que considera ser um "lugar mágico".

Ainda à agência de notícias, o chef colocou a hipótese de Óbidos "poder vir a ser a inspiração para uma nova sobremesa". Depois desta que foi a sua estreia em Portugal, Jordi Roca espera "voltar a participar noutras edições do festival" a que, além das sobremesas e dos chocolates, levou também a sua nova linha de perfumes [Trinitario, Confit e Núvol de Llimona] inspirados nas suas doces criações e produzidos em conjunto com o perfumista Agustí Vidal.
A presença do chef no festival, que este ano tem como tema a ciência, intensifica a vertente de profissionalização do evento que decorre até ao dia 6 de abril, contando com a participação de mais de 90 chefs nacionais e internacionais.

Entre os participantes, destaca-se o chef João Carlos Silva que, numa sessão agendada para o dia 05 de abril, vai levar para o festival o cacau de São Tomé, as suas receitas, o óleo Essencial Lubrificante de Cacau e um SPA de Língua, que tem por base uma prova de vários produtos.
Na sua 22.ª edição, o festival volta a contar com vários concursos para profissionais e amadores e a ter como principal atração a exposição de 10 esculturas de grandes dimensões, feitas inteiramente de chocolate, entre as quais a escultura de Albert Einstein, uma Caravela com astrolábio, bússola e quadrante a homenagear o Vasco da Gama, ou o Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci.

Outra novidade deste ano do evento, é a parceria com o Dino Parque da Lourinhã, que conta com um espaço lúdico dedicado aos dinossauros. Para além dos visitantes terem a oportunidade de apreciar dinossauros em tamanho real perto da entrada, vão poder fazer experiências divertidas como a descoberta de fósseis em chocolate.
Todas as atividades, incluindo as masterclasses, são gratuitas e abertas ao público. O Festival de Chocolate de Óbidos está aberto ao público de sexta-feira a domingo, das 11h00 às 21h00 (entrada até às 20h00).
A entrada para o evento custa 10 euros, sendo que as crianças (dos 3 aos 11 anos) pagam oito euros. Para grupos com mais de 25 pessoas, o bilhete fica um euro mais barato (nove euros) e para as famílias existem pacotes a partir dos 32 euros. Os estudantes e os visitantes com mais de 65 anos contam com desconto de um euro e quem tem incapacidade geral paga oito euros ou seis, no caso de ser criança.
Os bilhetes podem ser adquiridos online ou na bilheteira local, que fecha 1h30 antes do encerramento do festival.
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