A infância em Londres e um início de carreira pouco brilhante
Anna Wintour nasceu a 3 de novembro de 1949, em Londres. Filha de Charles Wintour e de Eleanor Baker, a jovem cresceu no bairro de Hampstead e no seio de uma família numerosa, academicamente bem-sucedida e com ligações ao jornalismo. Muito cedo optou por construir o seu próprio caminho e, após terminar os estudos no North London Collegiate, trocou a vida universitária pelo mundo laboral.
“A minha carreira começou de forma instável quando desisti da escola aos 18 anos. Apesar de não ter habilitações académicas, consegui trabalho como assistente de moda na [revista] Harper’s & Queen”, recordou num discurso proferido, em 1997, no encontro Women In Journalism, citado pelo The Guardian.
As constantes associações ao pai, que durante praticamente 20 anos exerceu a função de editor do jornal London Evening Standard, fizeram com que, em 1976, mudasse de país em busca de uma carreira no mundo da moda, longe do peso do nome Wintour. Ao chegar aos Estados Unidos integrou diversas publicações, entre elas a New York Magazine, Viva e Savy. Mas nem sempre tudo correu às mil maravilhas. “O meu primeiro trabalho nos Estados Unidos foi como junior fashion editor na Harper’s Bazaar, do qual desfrutei mas não por muito tempo porque fui despedida pelo editor-in-chief, que me disse que era demasiado europeia. Na altura não percebi o que ele quis dizer, mas em retrospetiva acho que queria dizer que era obstinada, não aceitava orientações”, afirmou sobre o seu início de carreira.
Em 1985 regressa a Londres para ocupar o lugar de Bea Miller na liderança da edição da Vogue britânica. “Eu sempre sonhei um dia poder editar a Vogue britânica e foi uma oportunidade à qual não pude resistir”, confessou a Tina Brown durante a conferência Live Media/Women in the World, em 2019. Um sonho que foi sol de pouca dura. Em 1987 muda-se definitivamente para a Big Apple e no ano seguinte aceita aquele que acabou por se tornar no trabalho da sua vida: o de editor-in-chief da Vogue americana, cargo que ocupa há 31 anos.
“Acho que o meu pai decidiu por mim que eu devia trabalhar em moda. Não me lembro bem que formulário é que tinha de preencher, mas sei que no fim devíamos colocar os nossos objetivos profissionais e eu fiquei a pensar no que é que deveria fazer e ele disse: ‘Tu vais escrever que queres ser editora da Vogue.’ E foi isso, ficou decidido”, afirmou em 2009, durante o documentário The September Issue.
Vogue. O início de um reinado revolucionário e algumas polémicas
Ao assumir as rédeas daquela que é considerada a Bíblia da Moda, veio a primeira polémica. Para a sua primeira capa — a da edição de novembro de 1988 —, Anna Wintour optou por uma fotografia da modelo israelita Michaela Bercu com um casaco Christian Lacroix e calças de ganga da Guess. Na altura, a escolha inovadora e inesperada foi questionada pela equipa de impressão que chegou a achar que a revista se tinha enganado.
"Esta [capa] quebrou todas as regras. A Michaela não estava a olhar diretamente para nós, e pior, tinha os olhos praticamente fechados. Tinha o cabelo na cara. [...] Olhei para aquela fotografia e senti os ventos da mudança", recordou em 2012, num editorial escrito para a revista sobre a capa que veio a mudar a trajetória da revista.
No ano seguinte abriu um precedente ao colocar uma celebridade na capa da Vogue. A cantora Madonna foi a escolhida para protagonizar a edição de maio de 1989, uma decisão que lhe valeu duras críticas mas que acabou por se tornar num sucesso de vendas.
Recorde-se que Anna Wintour foi das primeiras editoras de moda a compreender o alcance e potencial do fenómeno da cultura das celebridades e a incorporar isso na revista. “A Anna anteviu este fenómeno da cultura das celebridades muito antes de toda a gente e, apesar de odiar, tenho de admitir que ela estava certa. Não podemos ficar atrás de ninguém e temos de continuar em frente. Ela fê-lo e a revista é muito bem sucedida por causa isso”, explicou Grace Coddington durante o documentário ‘The September Issue’.
Em 1999 estalou outra polémica: o fim do seu casamento de 15 anos com o psicólogo infantil David Shaffer com quem teve dois filhos: Charles e Katherine. De acordo com o site E!, o fim do enlace e o consequente envolvimento com o magnata Shelby Bryan, com quem veio a casar em 2004, “foi um escândalo entre a sociedade nova-iorquina” e deu que falar na imprensa.
Desde que começou a dirigir a Vogue, em 1988, Anna Wintour é uma figura incontornável e que sempre viveu entre dois paradoxos: adorada por uns e odiada por outros. A sua postura fria e distante — em grande parte cultivada pelos óculos de sol que raramente saem do seu rosto conhecido e escasso em sorrisos — até deu origem ao livro The Devil Wears Prada, da autoria de Lauren Weisberger, que durante 11 meses foi assistente pessoal da editor-in-chief.
Mas o que Anna Wintour tem a dizer da sua reputação? “Eu sou muito decidida e tento dar ordens claras às pessoas que trabalham comigo. E por vezes, infelizmente, elas nem sempre ouvem aquilo que desejam. E como a minha editora diz no filme, nem sempre sou calorosa e fofinha. Eu dou valor ao bom trabalho, a pessoas criativas e talentosas”, disse durante o The Late Show with David Letterman, em 2009, quando questionada sobre a veracidade da personagem interpretada por Meryl Streep na adaptação cinematográfica de The Devil Wears Prada (2006).
Em 2014, outra capa da revista esteve envolva em polémica: a edição de abril, protagonizada pelo casal Kardashian-West. Apesar de nunca ter tocado no assunto, no trailer da sua Masterclass recordou a decisão de colocar o casal na capa da publicação, dizendo que “Kim e Kanye faziam parte da conversa do dia. E para a Vogue não reconhecer isso teria sido um grande erro.” Dois anos depois a Vogue voltou a gerar controvérsia entre os leitores ao apoiar a candidata da democrata Hillary Clinton. Recorde-se que esta foi a primeira vez, em 124 anos de história, que a publicação de moda apoiou publicamente um candidato à Presidência dos Estados Unidos.
Recentemente tomou atitude radical ao cortar todos os laços que ligam o seu nome e o da Vogue ao rapper Kanye West. "A Anna fartou-se. Deixou muito claro dentro da revista que o Kanye não faz mais parte do nosso círculo restrito", disse um porta-voz à Page Six em outubro. Recorde-se que esta decisão surge como consequência dos comentários antisemitas partilhados pelo artista nas redes sociais Instagram e Twitter e das ofensas proferidas contra Gabriella Karefa-Johnson, editora de moda da publicação, após esta ter criticado um dos looks da última coleção da Yeezy: uma camisola com o slogan “White Lives Matter”.
A transformação do Met Ball e a criação do CFDA/Vogue Fashion Fund
É na primeira segunda-feira de maio que acontece, em Nova Iorque, o baile do MET: um evento de beneficência organizado pelo Costume Institute do Metropolitan Museum of Art (MET) cujo objetivo é angariar fundos para se auto-financiar durante os próximos 12 meses. O evento serve de momento inaugural para a exposição de moda que todos os anos é organizada pelo Costume Institute e que só abre ao público no dia seguinte.
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Recorde-se que a relação entre o Costume Institute e a Vogue é algo que já vem desde os anos 1970, altura em que Diana Vreeland se tornou consultora no Costume Institute após abandonar o cargo de editor-in-chief da publicação de moda. O primeiro baile teve lugar em 1948, pela mão da publicista Eleanor Lambert que começou o evento como uma atividade filantrópica para a elite nova-iorquina. Então mas qual é o papel de Anna Wintour naquele que é considerado um dos maiores eventos de moda do mundo?
Após entrar para a revista e ser eleita chairwoman do MET, fez duas mudanças chave: estabeleceu maio como o mês do evento e expandiu o leque de convidados.
“Em 1999, Anna Wintour assumiu o cargo de chairperson e trouxe o poder e recursos da Vogue para a Gala. O evento passou de dezembro para abril em 2001. […] Sob a curadoria de Wintour, a lista de convidados exclusiva e decoração da gala do MET passou a englobar a cultura popular e celebridades”, escreveu a Architectural Digest, em 2018, sobre o evento. A sua influência é tão grande que, em 2014, o Costume Institute foi rebatizado como The Anna Wintour Costume Center em sua honra.
“Eu tento sempre apoiar causas que fazem parte do mundo no qual tenho a sorte de trabalhar porque é o que faz mais sentido para mim. Por isso ponho muito esforço para conseguir angariar dinheiro em prol do Costume Institute do MET e a favor da iniciativa que apoia e mentoria jovens designers em Nova Iorque”, disse na qualidade de oradora convidada na The Oxford Union Society, em abril de 2015, sobre outro dos seus projetos: o CFDA/Vogue Fashion Fund. Trata-se de um concurso anual, criado em 2004, e que tem como objetivo premiar novos estilistas. Durante cerca de nove meses um painel de jurados avalia todas as candidaturas e são escolhidos três finalistas, a quem é atribuído um prémio monetário e um mentor da área da moda.
“O 11 de setembro aconteceu no primeiro dia da Semana da Moda de Nova Iorque. E à medida que a semana se foi desenrolando, recebi, em horror, imensas chamadas de jovens designers a dizer que tinham perdido tudo. Tinham usado os seus depósitos para os desfiles e que agora tinham sido cancelados e, ao mesmo tempo, na revista toda a gente estava, de forma compreensível, paralisada e sem conseguir trabalhar. Passados uns dias decidi que a melhor coisa era tentar juntar toda a gente e ajudar. Telefonei aos jovens designers e passado umas semanas organizei um desfile e dessa experiência percebi o quão incrível a existência dos jovens designers era em Nova Iorque. E depois disso fundámos o CFDA/Vogue Fashion Fund”, revelou sobre este projeto.
O bob e os óculos de sol: a criação de uma imagem de marca
À semelhança do falecido estilista Karl Lagerfeld — que se tornou conhecido pelo seu rabo de cavalo, óculos de sol e luvas —, Anna Wintour é famosa pelo seu icónico corte de cabelo e óculos de sol. Apesar de não se lembrar quando é que começou a usar este acessório, explica a razão pela qual cultiva o uso de óculos de sol, que se tornaram numa imagem de marca.
“São incrivelmente úteis porque evitam que as pessoas saibam aquilo que pensamos. Ajudam-me quando estou cansada ou com sono. E acabaram por se tornar numa muleta e parte de quem sou”, disse em entrevista à CNN, em 2019, quando questionada sobre o motivo pelo qual nunca os tira, até mesmo na presença de Sua Majestade, a rainha Isabel II, com quem esteve durante o desfile da Burberry realizado na última edição da Semana da Moda de Londres.
Sobre o icónico bob — um corte de cabelo que usa desde a juventude — a resposta é outra: não gosta de arriscar no que toca à sua imagem. “Tive muitos cabeleireiros ao longo dos anos e não me lembro há quanto tempo tenho este corte de cabelo. A única vez que o tentei mudar foi um desastre. Tive de usar um chapéu durante meses por isso fico muito ansiosa e tenha preguiça para o tentar novamente”, referiu, em outubro de 2019, na rubrica em vídeo intitulada Go ask Anna.
Os acessórios que já fazem parte do seu uniforme são os colares, "um acessório que tem há décadas", e os sapatos Manolo Blahnik, marca à qual é fiel desde 1994. Em entrevista à Vogue, o designer revela que há 25 anos que calça Anna Wintour com um dos seus modelos — rebatizados AW em sua honra — e que todas as temporadas são alterados consoante as suas necessidades.
Um reinado que parece estar longe de acabar
Em abril de 2018, a Page Six publicou um exclusivo que agitou o mundo da moda: Anna Wintour, a icónica editora da Vogue, poderia estar de saída da revista norte-americana. Após muitas especulações, o grupo editorial Condé Nast acabou por reagir à notícia e assegurar que o lugar de Wintour estava seguro.
“Anna Wintour é uma líder criativa, incrivelmente talentosa, cuja influência é imensurável. É parte integral para o futuro da transformação da nossa empresa e aceitou trabalhar connosco indefinitivamente no seu papel de editor-in-chief da Vogue e diretora artística da Condé Nast”, garantiu, na altura, o presidente do grupo editorial num post publicado na sua conta oficial de Twitter.
Recorde-se que esta não é a primeira vez que circularam rumores de uma possível saída de Anna Wintour que, desde 2013, também acumula as funções de diretora artística da Condé Nast. Como referiu na época o jornal Evening Standard, os rumores começaram em 2009, surgindo novamente em 2012, 2014 e 2016.
Mas qual será o segredo do sucesso de Anna Wintour para que, uma hipotética saída, ponha o mundo da moda em alvoroço? "Por aquilo que me apercebo, não tenho nenhum segredo. Tento estar rodeada de um grupo de pessoas talentosas que têm voz e sejam interessantes. Tento estar recetiva à opinião dos outros. E, obviamente, no fim de contas tomo uma decisão, e ou estou certa, ou estou errada", afirmou, em 2011, à revista Forbes sobre o trabalho que tem desenvolvido ao longo da sua carreira e onde tem cumprido aquele que é o seu objetivo: fazer o melhor que consegue e dar o exemplo.
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