Se há coisa que gosto de fazer é conversar com as pessoas que entram todos os dias pelo meu gabinete. E não me interpretem mal, não falamos do tempo ou de outras banalidades. No entanto, mesmo partindo do pressuposto real de que cada família que está à nossa frente é única, a verdade é que, ao fim de algum tempo, já conseguimos discernir alguns padrões. Desde os pais mais rígidos, com uma postura mais autoritária, até aos pais vagamente negligentes, com um total desinteresse pelos filhos, sem esquecer os pais permissivos, como o seu olhar deslumbrado e o medo total de contrariar os filhos.

Quando somos pais, somos absolutamente inexperientes. Naturalmente que vamos procurar referências. E a referência que está mesmo ali, à mão de semear, é a nossa experiência enquanto filhos. Pautar a nossa atuação como pais pelo nosso papel enquanto filhos é uma deturpação total. Mas sabemos que é verdade: filhos de pais autoritários, tendem a ser mais permissivos, porque não querem recriar o ambiente de obediência que sentiram na pele; filhos de pais permissivos, tendem a preferir ambientes estruturados, com limites claros, nem que para isso sejam um pouco mais autoritários.

O que todos queremos ser é o melhor possível, dentro de cada circunstância, para os nossos filhos. E é precisamente partindo desta premissa – a mais fácil, que nos diz que temos que ser mais emotivos, mas firmes nos limites, dar espaço para a criança se desenvolver de acordo com os seus interesses, mas garantir sempre uma base securizante – que abordo a questão dos tipos parentais.

Na verdade, isto é um pouco como os tipos de personalidade ou os signos do zodíaco, porque se formos a ver com atenção, todos nós temos características de diferentes tipos. Não há o tipo autoritário perfeito, nem o tipo permissivo perfeito, embora haja muitas formas de se conseguir ser negligente. Infelizmente.

A classificação dos estilos parentais foi baseada nos trabalhos de Diana Baumrind e posteriormente por Maccoby e Martin e são classificados em negligente, autoritário ou permissivo.

O tipo negligente

É um tipo de interação difícil de perceber porque não existe: são pais que preferem não interagir com os filhos. As crianças são deixadas sozinhas, crescendo sem afeto, sem estrutura, sem regras. A comunicação é limitada, não há carinho e as expectativas dos pais para com os filhos não são nem exigentes, nem baixas, simplesmente não existem. Este estilo parental representa um risco real para a criança, quer pelo risco de dano físico imediato, na infância, quer pela dificuldade, já na vida adulta, em estabelecer ligações próximas com os outros, o que vai gerar hostilidade, solidão e sentimentos depressivos.

O tipo permissivo

Creio que, neste momento, na nossa cultura, este é o estilo que pais que mais críticas sofre. Talvez porque, enquanto geração de filhos, estamos numa espécie de rebound de pais permissivos, a tal geração de Abril, que tentou romper com os cânones autoritários da geração precedente.

Os pais permissivos deixam as crianças fazer o que quiserem. O que é que isto significa na prática? Não, provavelmente, não vão poder pôr os dedos na tomada, mas a verdade é que toda e qualquer regra que desaponte ou manifestamente indisponha a criança, é evitada.

Os pais permissivos são pares dos filhos, a comunicação é aberta, mas não há orientação, nem limites, deixando a criança escolher sozinha.

Já na vida adulta, filhos de pais permissivos têm frequentemente dois estilos de desempenho: ou crescem precocemente, de uma forma adultomorfa e tornam-se eles próprios, seguidores das regras que vão encontrando no caminho (são bons alunos, estudam sozinhos, são organizados) ou têm nítida dificuldade na contenção de emoções, com um comportamento irreverente, desafiador, com desistência face a obstáculos e risco real de consumos.

O tipo autoritário

O famoso “porque sim” ou “porque eu digo”. Estilo ditatorial em que os pais esperam obediência sem questão. As crianças não têm opinião e a comunicação é unidirecional e diretiva, dos pais para as crianças. As expectativas depositadas nos filhos são elevadas e frequentemente sem grande flexibilidade.

O estilo parental autoritário gera crianças com dificuldade em fazer escolhas (seguidores ao invés de líderes), com dificuldade em discernir o que querem (ou o que podem), baixa auto-estima e muita necessidade de confirmação de valor junto de figuras de autoridade.

Como vêm, dos 3 estilos ou tipos parentais apresentados, todos parecem ter consequências nefastas para as crianças. Ninguém sai ileso da sua relação com os próprios pais. E pior: num mesmo dia, somos capazes de percorrer todos os 3 estilos em momentos diferentes! Reparem, quando dizemos que “não é não” estamos a ser autoritários, quando os deixamos comer mais uma bolacha porque não queremos enfrentar um pequeno motim, apesar de já ser um quarto para o meio-dia e o almoço já estar praticamente pronto, estamos a ser permissivos, quando simplesmente estamos exaustos e queremos aqueles 30 minutos de paz, entregamos um tablet e voilá, estamos a ser negligentes. E isso tem mal? Rigorosamente nenhum. Porque não estamos a ser autoritários, nem permissivos nem negligentes o tempo todo.

O que queremos então?

A pedra filosofal, o velo de ouro, o santo Graal da paternidade: o equilíbrio perfeito entre estrutura e independência. Queremos proporcionar um conjunto de valores, orientações e simultaneamente, a disponibilidade total para o apoio emocional. Queremos que a comunicação seja bidireccional, mas orientadora. Queremos dar espaço para os erros e liberdade para cometê-los sem julgamento, apesar de nos doer a alma de os ver a errar.

Quem disse que a parentalidade era fácil?

Um artigo da médica pediatra Joana Martins