Os pais preocupam-se, mas a verdade é que as crianças portuguesas dos 3 aos 8 anos são nativos digitais. Vivem em lares digitais, têm pais digitais e 94 % veem televisão todos os dias. O televisor e o tablet funcionam muitas vezes como “babysitter” ou instrumento apaziguador.

Estas são algumas das conclusões do estudo realizado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social – ERC, inédito em Portugal, sobre o tema «Crescendo entre Ecrãs. Usos de meios eletrónicos por crianças (3-8 anos)».

O inquérito nacional revelou que nos lares há pelo menos um televisor (99%) e um telemóvel (92%). O computador portátil (70%) e o tablet (68%) estão quase a par. Estes são os principais ecrãs das famílias.

Estes equipamentos estão nos espaços comuns da casa, ao alcance das crianças e, em alguns casos, até lhes pertencem. As crianças apropriam-se dos dispositivos comuns e conseguem manuseá-los com facilidade. Muitas vezes os pais reconhecem que o comando do televisor é delas.

A televisão é o meio dominante: 94% das crianças veem conteúdos televisivos todos os dias, em média 1h41 minutos (um valor que sobe aos fins de semana). Veem quase sempre nos grandes ecrãs, em espaços comuns da casa.

Os conteúdos televisivos que os pais reportam como os preferidos dos seus filhos são desenhos animados, programas infantis e para a família. Os pais dizem que as crianças veem o canal Panda (87%), a TVI (73%), a SIC (70%), a Disney (69%) e a RTP1 (66%). Todos os dias 75% das crianças veem o Panda, 56% os canais Disney e 46% a TVI.

O consumo de canais generalistas é superior em crianças integradas em famílias com menor escolaridade. Não se ignora que muitas famílias, por razões económicas, têm uma oferta televisiva limitada aos canais da TDT. Em muitos casos, o controlo do televisor por parte dos pais é menos restritivo em comparação com outros ecrãs.

A televisão funciona não só como “pano de fundo” ou “babysitter”, enquanto os adultos estão ocupados com outras tarefas. É também percebida pelos pais como um meio apaziguador. É utilizada, por exemplo, para distrair a criança quando está a ser vestida ou alimentada, quando está a adormecer ou para acordar.

É igualmente neste quadro que se pode perceber a quantidade de tablets porque é considerado um dispositivo adequado para as crianças. Funciona como o ecrã portátil.

As crianças fazem uso do tablet em dois terços dos lares onde há este dispositivo, com ou sem a tutela dos pais e irmãos mais velhos, e 63% têm um pessoal.

Tablets e smartphones são também usados para acalmar ou distrair a criança durante as refeições ou para premiar o bom comportamento ou desempenho escolar. Destacou-se que 18% das crianças destas idades têm um telemóvel para uso pessoal (metade dos quais smartphones).

Consolas de jogos, DVD e computadores portáteis também fazem parte dos equipamentos eletrónicos do lar e das rotinas das crianças, embora menos.
Muitos são utilizados online e offline.

Os pais indicam que a utilização da internet pelas crianças é muito menor do que o acesso a outros conteúdos audiovisuais e multimédia offline.

Segundo os resultados do inquérito, 38% das crianças acedem à internet, sendo o tablet o dispositivo mais usado para este fim (63%). Três quartos das crianças sabem ligar estes dispositivos à rede. Habitualmente os computadores pessoais estão resguardados, sendo mais restrito o acesso das crianças. O uso destes aparelhos acontece na companhia dos pais ou de irmãos mais velhos.

Conteúdos ligados a televisão, vídeos de desenhos animados e jogos são os mais procurados quando as crianças navegam na internet. As redes sociais são residuais, por interdição dos pais, que as consideram poucas adequadas atendendo à idade dos filhos.

O risco surge mais associado à navegação na internet, que gera mais preocupação dos pais do que o consumo offline, designadamente, de conteúdos televisivos. No acesso à internet, o acompanhamento parental é mais intenso.

Os pais são, eles próprios, utilizadores frequentes de meios digitais: 80% declaram-se utilizadores de internet e 68% acedem diariamente à rede, sobretudo em casa (96%). Estão familiarizados, pelo menos desde o início da idade adulta, com estes dispositivos.

A maior parte dos pais manifesta preocupações com o uso da internet pelos filhos sem a sua vigilância. Também em relação aos conteúdos televisivos, os pais dizem que exercem esse controlo. Um total de 81% dizem proibir o visionamento televisivo a partir de determinada hora e 63% interditam programas que não sejam para crianças.

Na televisão, o que mais preocupa os pais são conteúdos violentos, linguagem inadequada e nudez/conteúdos sexuais. A grande maioria não aplica restrições técnicas e 56% referem que os seus televisores não oferecem esta funcionalidade

O acompanhamento parental predomina no visionamento de televisão (79%), o que significa que 21% das crianças veem televisão sozinhas. Os pais declaram ver frequentemente com a criança desenhos animados e programas infantis, mas também visionam com os filhos outros conteúdos, como telenovelas, descoberta de talentos, concursos, noticiários… e até reality shows (15%).

A maioria dos pais (94%) diz que fala com as crianças sobre os conteúdos transmitidos na televisão; 91% referem já ter sugerido programas; e 81% já conversaram com a criança sobre conteúdos que a assustaram. Estes diálogos são mais frequentes junto de pais de nível socioeconómico mais elevado.

Aliás, tanto a abordagem quantitativa como a qualitativa deste estudo indiciam que o nível socioeconómico e a escolaridade influenciam os usos de meios eletrónicos pelas crianças. Por exemplo, as famílias de condição escolar mais baixa têm mais aparelhos digitais em casa e consomem mais conteúdos da televisão generalista. As crianças de famílias de um estrato socioeconómico mais elevado são as que mais usam a internet. 
A idade das crianças também constitui um fator relevante na observação dos modos como se relaciona com os dispositivos eletrónicos.

Este é o terceiro estudo realizado pela ERC sobre «Públicos e Consumos de Media», sempre com a coordenação científica de especialistas portugueses. Combina um inquérito nacional, realizado pela GFK, e trabalho de campo junto de 20 famílias com crianças que acedem à internet. Teve ainda o contributo científico de uma equipa de investigadores, coordenada por Cristina Ponte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

O estudo «Crescendo entre Ecrãs. Usos de meios eletrónicos por crianças (3-8 anos)» vai ser editado em e-book e estará disponível no site da ERC em breve.