Com frequência sou chamado a avaliar crianças com o diagnóstico de perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA). Ao contrário das afirmações produzidas em revistas e jornais, a população  identificada em Portugal com PHDA é reduzida.

 

A escassa informação, associada à relutância dos pais em confessarem-se impotentes para minorar o impacto da disfunção na vida das crianças, é parte da explicação. Outro mito comum é atribuir origem da perturbação à permissividade excessiva dos progenitores, ou ao envenenamento do cérebro pelas tecnologias interativas, como se estas fossem uma espécie de excitantes neuronais que tornam as crianças em moléculas sobreaquecidas, ou "carrinhos de choque" em agitação browniana.

 

Se por um lado a disfunção não é diagnosticada quando devia ser, também o inverso se verifica. Qualquer criança com um problema de desenvolvimento não precisa de um fotógrafo, mas de um radiologista. Não carece de quem enuncie o óbvio, mas de quem lhe decifre a alma, afastando a pele e penetrando mais fundo.

 

Arriscar-me-ia a dizer que o défice de atenção não existe, e que tal como a natureza tem horror ao vácuo, também o cérebro não tolera a inatividade. Se é assim, o défice de atenção significa que o enfoque se dirige ao alvo "errado", seja ele o lápis que cai, ou o trajeto da seta de cupido em vias de atingir o Martim do 5 C. Quando se afirma que alguém está "distraído", o que verdadeiramente se quer dizer é que o objeto da atenção não lhe serve a ele ou... a nós.

 

Também creio que o défice de atenção tem as "costas largas". Quase todas as crianças com perturbações da família do autismo têm dificuldade em se concentrar em tarefas que não vêm como relevantes e, pelo contrário, "perdem-se" (curiosa expressão...), num mundo interior feito à sua medida. As crianças ansiosas podem cometer erros grosseiros, interpretados como défice de atenção.

 

Com uma forma especial de ansiedade, a perturbação obsessiva-compulsiva, também sucede o mesmo, quando a criança tem de repetir mentalmente as rotinas de que se faz prisioneiro, figuras centrais da sua ocupação mental, ditaduras rígidas de que não se liberta, enquanto no exterior de si o tempo rola em transformação contínua.

 

Alguém dizia que o défice de atenção era diagnosticado a mais, e a menos, porque muitas vezes era mal identificado. Nada é simples.

 

Nuno Lobo Antunes
Neuropediatra
nuno.antunes@pin.com.pt

 

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