Há uns bons seis anos atrás, na apresentação do primeiro dia de aulas, uma das minhas filhas contou, orgulhosa, à sua professora que o meu trabalho era fazer e servir hambúrgueres “naquela” marca de que os miúdos tanto gostam. Claro que foi o entusiasmo total junto da sua turma e que depressa me tornei “a mãe ideal” aos olhos daquelas crianças que ainda não sabiam ler. O problema? Eu nunca servi hambúrgueres na minha vida.
Habituados a ter uma mãe com profissões ditas ‘normais’, o meu trabalho nunca pareceu especialmente entusiasmante para os meus filhos. Afinal, que piada é que tem escrever, dar formações ou planear estratégias de comunicação? Nada disto tem, para eles, o glamour de uma chapa quente onde a carne deixa um rasto aromático que lhes pode encher o estômago e as medidas.
Claro que, com a habituação e uma maior perceção do mundo, eles lá começaram a ver que, assim muito raramente, a mãe até faz algumas coisas interessantes. Sobretudo quando me sento com eles e lhes dou algumas ferramentas para os ajudar a descodificar coisas que o sistema de ensino convencional insiste em ignorar.
Mesmo assim, isto deve ser para eles de tal forma desinteressante que, ainda este ano letivo, um dos meus filhos mais novos disse à boca cheia que a mãe é doméstica.
- Doméstica, Tomás? Até podia ser, mas tu sabes que eu trabalho.
- Sim, mas uma doméstica toma conta da casa e dos filhos, não é? Então tu és isso!
Foi então que se fez luz. Eu, tal como a maioria das mães, sou uma doméstica que, por acaso, sai de casa algumas horas por dia para desempenhar funções que lhe garantem a sobrevivência monetária. É quase um entretém vantajoso.
Antes de picar o ponto laboral, supervisiono a alimentação e a higiene de quatro crianças, dou um jeito à casa para que fique apresentável, antecipo os preparativos daquilo que será o nosso jantar e dou as indicações para que a tropa se mantenha em ordem até que nos reencontremos. Porque é então, no final de cada dia, que o meu “emprego a sério” inicia.
Ser mãe é acumular profissões que a maior parte das pessoas não executa durante toda uma vida. É ser empregada de limpeza, cozinheira, explicadora, enfermeira, psicóloga, tradutora, contabilista, organizadora de eventos, costureira… e taxista, que esta tem sido uma função que tenho desempenhado com uma frequência crescente.
A questão é que nesta profissão é impossível avançar com processos disciplinares ou arriscar um despedimento coletivo. É uma responsabilidade sem pausas, sem folgas, sem férias, sem proteção legal e sem remuneração monetária. Mais grave: ainda temos de investir financeiramente neste trabalho. São as fraldas, a alimentação, a saúde, as escolas, o vestuário, as atividades extracurriculares e, em casos mais sérios, até os antidepressivos e calmantes.
Como se pode ver pelo vídeo, não é uma profissão para todos. Mas é, sem dúvida, a mais compensadora.
(mesmo que nos encha precocemente de cabelos brancos. E de olheiras. E de, e de, e de…)
Alda Benamor
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