Costumo dizer que os primeiros grandes constrangimentos da maternidade surgem quando os miúdos entram para o primeiro ciclo. As rotinas tornam-se mais apertadas, eles passam por uma fase de adaptação que nem sempre é fácil e, às já milhentas tarefas que levamos às costas, junta-se a de acompanhar e supervisionar aquelas que são as suas responsabilidades escolares.
Claro que é maravilhoso vê-los dar os primeiros passos na leitura, assistir à forma atribulada como juntam as letras, acompanhar a primeira vez que escrevem os nomes de toda a família. Mas, quando temos quatro filhos em três anos escolares distintos, tudo isto se torna mais complexo. A mesa de refeições decora-se com cadernos e manuais e, enquanto eles estudam ou fazem os trabalhos de casa, invadem-me com questões invariavelmente diversas:
- Mãe, “colar” tem um O ou um U?
- Mãe, o terramoto de 1755 danificou Lisboa até que zona?
- Mãe, como se encontra a raiz quadrada de dois milhões e meio?
- Mãe, 10 mais 10 dá 21, não é?
E, nisto, eu conto silenciosamente até mil, imagino o mais tranquilo paraíso e procuro responder calmamente a todas as questões, que surgem como granadas vindas do nada, enquanto suspiro por aquele euromilhões que me permitiria ter ao meu lado alguém mais qualificado (e paciente!) para lhes dar todas as respostas de que precisam. E, nisto, os banhos atrasam-se, o jantar arrefece e eu anseio pela hora em que, já maiores e independentes, eles precisem um bocadinho menos de mim.
Chegámos então à fase dos controversos exames nacionais, coisa que já não me é novidade, mas que, por surgir apenas anualmente, me faz ter 11 meses para esquecer toda a ansiedade que eles podem trazer por arrasto. A mim e a tantos outros pais que se deparam com crianças ansiosas que nos perguntam por temas que já há muito foram apagados dos nossos registos cerebrais (malvada memória seletiva!).
Este fim-de-semana, que parece ter sido de reclusão quase absoluta para muitos progenitores de crianças em fase de exames, recebi incontáveis mensagens desesperadas de amigos meus: “não aguento mais….”, “uma caipirinha ajudava-me a ver isto de outra forma…”, “será que ainda dá para trocar o meu filho por outro que já tenha concluído o ensino superior?”.
Acredito que nós, pais, devemos acompanhar os nossos filhos nestas tarefas escolares, mas sou a favor da responsabilização das crianças, num sistema de supervisão limitada. Conquistados métodos de aprendizagem, os meus filhos são responsáveis pela realização dos seus trabalhos e estudos, ganhando benefícios pelos sucessos e prejuízos pelos fracassos que deles dependam. Ajudo, mas responsabilizo.
A minha filha “sanduiche”, que nasceu com uma criatividade que invejo, é dotada de uma tranquilidade ao mais alto nível. Não stressa com facilidade e acha que tudo na vida deve ser levado com considerável desprendimento, mas sempre com uma pitada de humor. Num teste de matemática (matéria que a genética lhe faz abominar), respondeu “não sei” a uma questão que lhe solicitava a resolução de um problema. Quando, na pergunta seguinte, lhe pediram para justificar a resposta, ela escreveu um redondo: “se eu soubesse justificar, tinha respondido… já sei que tenho de estudar mais”.
Para os exames, esta minha filha, que até se dedicou ao estudo, revelou-se algo preocupada.
- Estou um bocadinho ansiosa…
- Mas tu estás bem preparada, Matilde. Já revimos a matéria e tu sabes tudo.
- Sim, mas não é a matéria que me preocupa. Tenho medo é de me enganar a escrever o número do meu cartão do cidadão…
(E eu nunca sei se ria ou se chore.)
Alda Benamor
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