“Ficamos sempre nervosos porque é um público diferente, não por estarmos em Portugal, mas por ser um outro espetáculo”. Foram estas as palavras que António Fagundes usou para falar sobre a estreia da sua nova peça em Portugal, ‘Baixa Terapia’. Só no Brasil, mais de 150 mil pessoas “morreram de rir” com ela, garantiu o ator, visivelmente orgulhoso, numa conversa que o Fama ao Minuto teve com os atores do elenco, no Teatro Tivoli.

Em palco, a história da peça fala da família e também em palco está a família de António Fagundes. Entre o elenco surgem nomes como o de Alexandra Martins, atual companheira do ator, Mara Carvalho, ex-mulher do mesmo, e Bruno Fagundes, seu filho. Para completar a equipa destacam-se artistas como Fábio Espósio e Ilana Kaplan - que também fazem parte da família, mas a do coração.

A peça 'Baixa Terapia' conta a história de três casais, que não se conhecem e que um dia em que vão a uma sessão com uma terapeuta percebem que a profissional faltou e que lhes deixou apenas uns envelopes com algumas indicações.

O que é que esperam do público português?

Bruno Fagundes: "Estivemos aqui em 2014 com ‘Tribos’ e foi um estrondoso sucesso. Ficamos muito felizes com o calor do público português. Esperamos uma versão melhorada".

António Fagundes: "Nesta peça, a plateia participa mais".

Alexandra Martins: "É uma interferência direta, até no ritmo do espetáculo trocamos muito. É como se fosse outra personagem connosco [o público]. A plateia está sempre dentro do nosso esquema".

António Fagundes: “A orientação mais forte que ela [a peça] dá é que todo o mundo tem que se meter nos problemas dos outros”.

Alexandra Martins: "E são situações do dia-a-dia. Toda a gente já teve um problema no seu casamento, no namoro, ou na sua família… todos se identificam".

Houve algum tipo de reação mais curiosa do público, neste caso, no Brasil?

António Fagundes: "Durante o espetáculo, a reação é normal: o público ri muito. Depois da peça costumamos trocar de roupa em cinco minutos e voltamos ao palco para uma conversa com a plateia. Ficamos de 20 a 30 minutos e ainda rimos muito, porque as pessoas ficam à vontade para qualquer curiosidade ou pergunta que queiram fazer".

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Os atores no dia da entrevista ao Fama ao Minuto© Reprodução/TeatroTivoliBBVA

Sentem uma pressão acrescida por trabalharem com o prestigiado António Fagundes?

Fábio Espósio: "Eu sou o centro do bullying deste espetáculo".

Mara Carvalho: "A gente tem uma relação muito gostosa [boa]. Costumamos ficar todos no mesmo camarim".

António Fagundes: "Ficamos em cena o tempo inteiro, o que é muito bom, mas ao mesmo tempo tem de haver uma ligação muito grande entre nós, senão o público dispersa. Essa ligação tem de ser harmoniosa, senão não estaríamos há um ano e meio em cartaz".

Fábio Espósio: "Fazendo justiça à pergunta, é sim uma responsabilidade estar ao lado dele [António Fagundes], mas ele é uma pessoa muito generosa. Aliás, é uma exigência dele que fiquemos no mesmo camarim. Há uma tranquilidade total".

António Fagundes: "Aqui estou a pensar em criar um camarim para mim…". Uma afirmação que gerou um momento de risada geral entre o elenco.

E agora a mesma pergunta mas em relação ao António, sente-se pressionado por ser o António Fagundes?

António Fagundes: "Sempre achei que a gente tem de errar, é através do erro que conseguimos crescer mais. Quando se erra é que é bom. A pressão que existe sobre mim é sempre pequena nesse sentido, porque se eu errar aí desculpa, vou-me tentar corrigir…

Sempre achei que a gente tem de errarIllana Kaplan: "Eu tenho um trabalho mais de comédia e muita gente me pergunta: ‘Mas ele [António Fagundes] é engraçado?’. Ele é muito engraçado. Acho que é uma coisa boa, porque muita gente não sabe, ele fez algumas coisas de comédia na carreira, mas também coisas mais pesadas em novelas". Aliás, quem não se lembra, por exemplo, da eterna novela da Globo ‘Rei do Gado’ (1996)?

Então pode dizer-se que a comédia é um estilo onde se sente completamente à vontade…

António Fagundes: "A comédia sempre foi considerada um género de segunda categoria, sempre acharam que era uma porcaria, isto desde os gregos. Mas isso acontece por uma razão simples: a comédia incomoda as pessoas. A comédia cutuca as pessoas. A comédia mexe com as pessoas e faz elas pensarem muito mais que no drama. No drama sofre-se ali aquele momento, chora-se e vai-se embora para casa imune. Na comédia sai-se excitado, com alguma coisa na cabeça, discutindo. Talvez por isso o poder diga que a comédia é uma coisa vagabunda porque incomoda".

A comédia sempre foi considerada um género de segunda categoria, sempre acharam que era uma porcaria

Mara Carvalho: "Além da dificuldade técnica, porque na comédia o nosso termómetro é o público, sente-se na hora onde é que se errou. Ela é muito milimétrica, tem de haver um movimento externo e interno o tempo inteiro".

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© Reprodução/António Fagundes

Nesse sentido, a comédia pode ser usada para chamar a atenção para assuntos sociais de relevância, por exemplo, tendo em conta a atualidade política brasileira?

António Fagundes: "Não é o caso dessa peça, 'Baixa Terapia' não aborda nenhum tema político mais diretamente, porque se você parar para pensar qualquer coisa é política. Tudo o que se faz acaba interferindo na sociedade. Fora esse aspeto, ela não é especificamente política. Mas acho interessante pensarmos que se se consegue fazer rir uma pessoa, que está a passar pelos problemas que o Brasil está a passar, não há gesto político mais forte que esse".

Se você parar para pensar qualquer coisa é política. Tudo o que se faz acaba interferindo na sociedade

A primeira volta das eleições presidenciais é já no próximo domingo. Como é que estão a encarar atual situação política no Brasil?

António Fagundes: "Seria cómico se não fosse trágico. Está triste, acho que o pior para nós é não termos perspetiva".

Alexandra Martins: "É que já passámos por outros momentos críticos, mas sempre se viu uma luz ao fundo do túnel de uma forma ou de outra. Acho que agora é esse o maior problema: olhar-se e aí?"

De referir que por estarem em digressão fora do Brasil, nenhum dos atores poderá votar no próximo domingo. O que Bruno Fagundes lamenta pelo facto de serem menos seis votos nas urnas.

Há artistas brasileiros que não só apelam ao voto, como apoiam publicamente determinados candidatos. Qual é a vossa opinião sobre esta atuação?

Alexandra Martins: "É muito pessoal, acho que cada um tem uma decisão. Eu, particularmente, não me posicionei nem me posicionaria se estivesse no Brasil. Acho que é muito delicado principalmente nesta posição onde estamos agora. Está tudo tão pulverizado… Com a força das redes sociais muitas vezes as pessoas deturpam aquilo que se fala. Não há tempo para conversar, contextualizar, debater. Levanta-se uma bandeira ou outra. Eu, particularmente como artista, não faria nenhum tipo de posicionamento no Brasil".

Mara Carvalho: "Não só porque os tempos são polémicos, eu preferia evitar. Vê-se uma notícia onde se fala a opinião sem base, apenas o tema. Acho que fica de um jeito quase irresponsável quando nos posicionamos, porque ninguém está interessado no meu conteúdo, mas apenas no título da notícia".

António Fagundes: "E também se vê que isso é uma espécie de censura. Se você teme que aconteça alguma coisa quando emite a sua opinião, você está a ser censurado no momento de emitir a sua opinião".

E enquanto artistas interessam-se pelas redes sociais nesse sentido? Ou seja, num lado mais pessoal da vossa vida?

Bruno Fagundes: "Eu uso bastante, acho que é uma boa forma de me relacionar com as pessoas que têm acompanhado o meu trabalho. Mas ao mesmo tempo tento sempre usar com um pouco mais de profundidade, de responsabilidade. Essa linha entre aquilo que é pessoal e o que é exposto está cada vez mais borrada. Acho que também só se dá o que se está preparado para entregar. É muito individual, quem sou eu para julgar".

E tendo em conta que a liberdade nas redes sociais é maior, sentiu o estigma de ser ‘filho de’?

Bruno Fagundes: "Com certeza, isso é a história da minha vida. Na verdade, eu nunca lutei contra isso porque acho que é uma questão da pessoa".

António Fagundes: "Nem consegue, porque é meu filho há 29 anos…". Resposta que faz ecoar novamente gargalhadas. A leveza com que pai e filho tratam o assunto demonstra que ambos estão bem resolvidos em relação ao mesmo.

Bruno Fagundes: "Poderia refutar e falar sobre, mas não. Quero ter trabalho para mostrar, é com isso que me preocupo".

E para os novos artistas que querem enveredar por esta carreira, que conselhos lhes dariam?

Bruno Fagundes: "É complicado, porque não há uma fórmula correta, não é tão cartesiano assim, cada trajetória é muito individual. A geração dos meus pais e a minha mudou radicalmente o mercado, a forma de trabalho, oportunidades…"

Mas agora é mais difícil?

António Fagundes: "Há uma frase que eu adoro: 'A experiência não se transfere'. Não adianta dar conselhos é preciso ir lá e fazer. Ao fazer descobre-se o caminho.

A experiência não se transfere. Não adianta dar conselhos é preciso ir lá e fazer

E um ator tem necessariamente de ter talento ou com trabalho chega lá?

António Fagundes: "O trabalho não traz talento. Talento tem de existir, mas isso para qualquer profissão. Tem a coisa do prazer que acho que é o que o talento traz. Quando não há talento é um esforço muito grande. Tenho colegas de trabalho que sofrem, é difícil, têm dores de estômago para entrar em cena.

O trabalho não traz talento. Talento tem de existir, mas isso para qualquer profissão

Como tem sido a estadia por Portugal?

António Fagundes: "Tenho uma reclamação, está tudo muito caro!". Apesar desta reclamação, todos os atores do elenco de 'Baixa Terapia' concordaram nas qualidades lusitanas, muitas delas servidas à mesa em pratos de bacalhau.

A despedida do Fama ao Minuto foi tão calorosa quanto a chegada. Terminou com esta fotografia e com votos de sucesso da peça em Portugal, que como se diz em linguagem teatral, 'muita merda!'

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