Porque é que as famílias reais europeias continuam a exercer tanto fascínio? Porquê o interesse sobre a vida pública e privada da rainha Isabel II? Quais os membros das famílias reais da Europa e as polémicas que marcaram a sua história. É a perguntas deste género que Alberto Miranda pretende responder.

Jornalista e comentador, especializado em famílias reais, é o autor da única página de Instagram em Portugal dedicada em exclusivo ao universo das monarquias.

Como é que surgiu este interesse pela realeza?

Os reis sempre exerceram em mim algum fascínio. Lembro-me que na escola primária a professora disse que o primeiro rei de Portugal tinha sido Afonso Henriques e eu disse: “Ai é? Então é irmão do meu tio, porque ele se chamava Afonso Henriques” [risos].

Havia um imaginário, porque a minha avó já me falava da rainha D. Amélia. Esta minha avó, a quem eu dedico o livro, tinha o poder de contar histórias maravilhosas e sempre me fascinou o suspense, as pausas, os elementos estranhos que trazia para o discurso, isso foi determinante para a minha profissão de jornalista.

A minha mãe também comprava - e compra - a revista Hola! e isso foi determinante para conhecer as pessoas. Quando vou trabalhar por mero acaso para um revista de celebridades, já conhecia quem era quem. Os meus colegas admiravam-se de eu não precisar de ir ao Google para ver de quem a rainha de Espanha era parente. Comecei a dedicar-me quase em exclusivo à vida da realeza e comecei a ir à televisão.

E porquê este livro agora?

Já há bastantes anos que diziam que devia escrever um livro sobre realeza, e isso era uma coisa que queria fazer, só que a minha vida profissional era tão ativa que não conseguia. Com a pandemia consegui reorganizar-me e dedicar-me. Está tudo atualizado ao pormenor até à hora em que foi para as bancas.

Porque é que este livro fazia falta?

Para passar o contexto e fazer o mapa de quem é quem. Escrevi o livro como se fosse uma grande reportagem, não faço juízos de valor. Esta questão da realeza, curiosamente, é apontada como um anacronismo na Europa.

Na Europa da igualdade, da liberdade, onde toda a gente tem um trabalho que conquistou, há 10 pessoas que têm a sua profissão vitalícia, que herdam dos seus antepassados

Anacronismo?

Sim. Na Europa da igualdade, da liberdade, onde toda a gente tem um trabalho que conquistou, há 10 pessoas que têm a sua profissão vitalícia, que herdam dos seus antepassados. O chefe de Estado herda o trono sem voto popular, sufrágio, a chefia é conquistada pela nascença. Isto dá-lhes um estatuto único no mundo. Aliás, as pessoas ficam surpreendidas quando digo que na Holanda há reis, não acreditam que no país da legalização das drogas, do ‘Distrito Vermelho’, convivam com a tradição de uma família real.

E ainda existem duas rainhas.

Exato. Em Inglaterra, mas também na Dinamarca. A rainha Margarida II faz este ano 50 anos no trono, por exemplo.

Rainha Margarida II da Dinamarca© Getty Images

A rainha Isabel II é uma rainha à escala planetária, não tenhamos ilusões. É a mulher mais famosa do século XXI e mais famosa do mundo na atualidade

Falando em Inglaterra, o Jubileu mereceu o fascínio de milhões de pessoas. Como é que o Alberto explica este fenómeno?

A rainha Isabel II é uma rainha à escala planetária, não tenhamos ilusões. É a mulher mais famosa do século XXI e mais famosa do mundo na atualidade. Porquê? Porque os britânicos a adoram. O que está por trás deste encanto? A hereditariedade. Conhecemos Isabel desde pequenina, a maior parte dos britânicos não conheceu outra rainha senão Isabel II. Tem 96 anos e está no trono desde os 25.

Os britânicos alegram-se com os casamentos, batizados, nascimentos e ficam tristes com as mortes na família real. Por exemplo, no ano passado, quando morreu o marido da rainha de Inglaterra (príncipe Filipe), em plena pandemia, a rainha pediu aos britânicos para não irem à rua, porque eles queriam estar na rua, queriam mostrar que estavam de luto.

O facto de acompanharem estas famílias como se fossem a sua própria família, tudo isto transmite uma aura de encanto e magia. Este universo da realeza está presente desde sempre no nosso inconsciente coletivo.

Rainha Isabel II nas comemorações do Jubileu de Platina© Getty Images

E depois há ainda o imaginário do conto de fadas…

As pessoas adoram uma boa história de amor. O Harry e a Meghan Markle, por exemplo. Ela era de um meio completamente diferente e entrou na família real britânica. Quando tinha 15 anos fez o que toda a gente faz quando vai a Londres - tirou uma fotografia em frente ao palácio (de Buckingham) longe de imaginar que anos mais tarde iria casar com o neto da rainha.

As pessoas gostam de ver os reis e as rainhas, os príncipes e as princesas, com as roupas, os fatos, as tiaras, os vestidos e os chapéus, mas também gostam de ver quando a rainha de Inglaterra está no campo e usa uma simples saia e camisa. Adoram vê-la tanto neste lado privado, como no lado do glamour. Vamos ao caso da Noruega. O príncipe herdeiro casou com uma mulher que não tinha um passado ideal para ser princesa.

Meghan Markle posa à frente do Palácio de Buckingham, ainda na adolescência, numa visita ao Reino Unido© Reprodução

Porquê?

Mette-Marit, a mulher do príncipe Haakon, teve um passado ligado às drogas, um filho antes de casar e, no entanto, hoje é nora dos reis. E esta coisa do príncipe dizer que era com ela que queria casar e não com mais nenhuma, isto mostra a força do caráter e do amor que faz com que as pessoas se identifiquem.

Já na Dinamarca, o príncipe herdeiro, Frederico, é casado com uma australiana (Mary Donaldson) que não fazia ideia de quem ele era, conheceram-se nos Jogos Olímpicos de Sidney. Por amor, ela mudou toda uma existência e disse num grande banquete, com todas as casas reais, quando o príncipe fez 50 anos que “ainda bem que nos conhecemos e nos encontramos”. Tudo isto contribuiu para engrandecer o mito da famílias reais.

Príncipe Frederico e princesa Mary da Dinamarca© Getty Images

Em Espanha, o mesmo se passou com Letizia Ortiz.

Toda a gente a conhecia porque era apresentadora do telejornal, porém não era a candidata ideal para casar com o príncipe das Astúrias. Era divorciada, republicana e laica. O avô de Filipe até dizia: “Que ninguém diga que dormiu com a rainha se não o próprio rei” e ela era divorciada.

Hoje, depois do marido, Letizia é a figura principal da monarquia espanhola. Antigamente os reis e as rainhas só se casavam entre eles, não havia a realeza de coração, era a realeza de pares. Sofia de Espanha, por exemplo, é a pessoa mais real da Europa, todos os avós eram príncipes ou da realeza e tem uma coisa que a rainha de Inglaterra não tem, por exemplo: é casada com um rei, é irmã de um rei e mãe de um rei.

Rei Felipe VI e rainha Letizia no seu casamento a 22 de maio de 2004© Reuters

Para além desta questão do status, as monarquias são um forte catalisador da economia e do turismo

Faço a mesma pergunta que muita gente fez durante o Jubileu: para que é que serve a monarquia?

Para além desta questão do status, as monarquias são um forte catalisador da economia e do turismo. No Jubileu da rainha tínhamos as ruas apinhadas de gente, imagine-se o que isso representa em termos de alojamento, comidas, bebidas, das lembranças que foram vendidas. As monarquias têm um papel muito importante na dinamização do turismo, porque não há ninguém que vá a Londres e não queira ir ao palácio real. O sonho dos contos de fadas está nesta identificação, no ideal da família. Por isso é que quando há casos que mancham a honra da família são tão polémicos. Falou-se muito agora no Jubileu do caso do príncipe André e dos duques de Sussex, o Harry e a Meghan.

Harry é filho do príncipe de Gales, quer queira quer não, vai ser filho de um rei, é neto da rainha e decide, por vontade própria, ao lado da mulher, abandonar o meio onde nasceu. Os britânicos não lhe perdoaram isso. Embora os americanos tenham idolatrado a entrevista que deu à Oprah, no Reino Unido foi o inverso, as pessoas acharam uma contradição o que ele estava a fazer.

Para além disso fez acusações graves ao dizer que (o pai, príncipe Carlos e o irmão, príncipe William) viviam numa gaiola dourada, que estavam presos e que ele se tinha conseguido libertar. Por isso é que o regresso deles foi tão importante, porque foi a primeira vez que o casal voltou a estar ao lado da família real.

Harry e Meghan Markle num dos eventos do Jubileu de Platina da rainha Isabel II© Getty Images

E nem falaram com o príncipe William e Kate Middleton…

Porque também já não o podiam fazer. Se fossem membros ativos, entrariam na procissão ao lado do William e da Kate, mas já não eram, então foram colocados nos planos daqueles que não trabalham para a família real.

Muitas pessoas dizem que Kate está bem preparada, porque ela esteve 10 anos para casar com William. O mesmo não aconteceu com Meghan, foi um casamento repentino

O caso ‘Megxit’ mostra o peso que a instituição pode ter sobre a família real.

A máquina e a instituição têm um grande peso e, por vezes, as pessoas não são fortes, deixam-se engolir, por isso é que muitas pessoas dizem que Kate está tão bem preparada, porque ela esteve 10 anos para casar com William. O mesmo não aconteceu com Meghan, foi um casamento repentino.

Conheceram-se num jantar de amigos, foram passar uns dias a África, e debaixo do céu estrelado decidiram casar-se. Isso pode explicar em parte a inadequação de Meghan ao meio real. Era uma mulher independente, uma atriz relativamente famosa, podia ter sido um estrela dentro da própria família. As comparações que se fizeram entre Meghan e Kate contribuíram para o assédio para o qual não estava preparada.

Harry e Meghan Markle no seu casamento© Instagram/kensingtonroyal

Essas comparações intensificaram-se quando Harry e Meghan começaram a fazer exigências quanto à sua privacidade, que Kate e William nunca fizeram, por exemplo.

Harry é notícia desde a barriga da mãe. As pessoas acompanharam o seu crescimento, a sua dor. Quando a mãe morreu ele só tinha 12 anos. Depois todas as coisas que ele fez, tudo isso foi desculpado porque eram sempre levadas como coisas da própria idade. Por exemplo, depois de estar no Afeganistão, quando foi para a América e foi filmado no quarto com mais raparigas todo nu. Tudo isso foi desculpado. O casamento foi em clima de alegria, só que a mulher viria a ter mais peso do que toda a tradição em que ele foi criado.

Quando chegar a vez de Carlos, Camilla terá tratamento de rainha consorte

Tudo o que se vê na família real tem um significado, um contexto, correto?

Sim. A rainha de Inglaterra é perita em transmitir mensagens subliminares. Na manhã em que fez 70 anos de reinado emitiu um comunicado a dizer que quando chegar a vez de Carlos, isto é, quando já tiver morrido, quer que Camilla seja tratada como rainha consorte. Isto é uma vontade, portanto não tenhamos ilusões: quando chegar a vez de Carlos, Camilla terá tratamento de rainha consorte.

O príncipe Carlos e Camilla, duquesa da Cornualha© Getty Images

E os britânicos vão lidar bem quando isso acontecer?

A leitura que podemos fazer é que esta manifestação de Isabel II é um ponto final nesta questão. Quando eles se casaram disseram aos britânicos, e ao mundo, que Camilla não iria ser princesa de Gales, iria se duquesa da Cornualha, o segundo título mais importante de Carlos. E não iria ser princesa porque os britânicos ainda estavam com a memória de Diana muito viva e não nos podemos esquecer que Camilla era o terceiro elemento na relação. A questão foi muito discutida e agora, em 2022, Isabel II diz que a sua vontade é que Camilla seja rainha.

A Camilla, que era considerada uma mulher feia, desajeitada e deselegante, teve uma limpeza de imagem brutal: começou a aparecer bem vestida

E o que podemos esperar disso?

O reinado de Carlos vai ser completamente diferente, vai ser muito curto. E Carlos e Camilla, apesar de tudo, souberam acompanhar a evolução dos tempos. Aderiram às redes sociais, a família real inglesa foi a primeira a ter um website, as famílias reais mantêm a sua tradição, mas adaptam-se. A Camilla, que era considerada uma mulher feia, desajeitada e deselegante, teve uma limpeza de imagem brutal: começou a aparecer bem vestida, com o cabelo penteado, começou aos poucos a empenhar-se em setores de atividade importantes não só para os ajudar, mas para dinamizar a sua imagem.

Abdicação é uma palavra que não entra no léxico de Isabel II. Ela jurou ser rainha até à morte. Carlos vai ter um reinado mais curto, mas quer honrar a palavra da mãe

Uma questão que muitas vezes é feita: porque é que Carlos não abdica do trono em favor de William?

As leis de sucessão ao trono são claras, nunca se pode saltar uma geração. Carlos não vai abdicar do trono, porque ele esperou toda a sua vida para ser o rei. Na linha de sucessão todos os números são importantes. A rainha de Inglaterra não era para ser monarca, mas quis o destino que o tio, Eduardo VIII, abdicasse por amor. Abdicação é uma palavra que não entra no léxico de Isabel II. Ela jurou ser rainha até à morte. Carlos vai ter um reinado mais curto, mas quer honrar a palavra da mãe. Eu percebo a euforia da ‘Katemania’, mas não se pode saltar uma geração.

Príncipe Carlos, sucessor ao trono britânico e a mãe, a rainha Isabel II© Getty Images

Outro monarca bastante polémico tem sido o rei emérito Juan Carlos.

O caso da Corina contribuiu e muito para a degradação da imagem pública de Juan Carlos. Ele queria fazer dela Corina, Sua Alteza Real de Bourbón. Claro que isso nunca iria acontecer, a rainha Sofia de Espanha nunca iria dar o divórcio. Ainda que tenham vidas separadas, assumiram que são um casal da coroa, que vivem para a coroa. A rainha Sofia de Espanha granjeou muita popularidade nestes últimos tempos, não só como a mulher que era traída, mas também por causa da união entre os filhos.

Hoje estão em guerra. Juan Carlos terá dado 65 milhões a Corina a titulo de compensação e quis reaver o dinheiro e ela diz que não.

Casos de traição não faltam na realeza.

Outro caso muito famoso foi na Suécia. A filha mais nova do rei, Madalena, foi a princesa que ficou noiva duas vezes. Ela chegou a ser noiva de Jonas Bergstrom. Apresentou o noivo, estava de casamento marcado e antes do casamento descobriu-se que ele tinha engravidado uma colega de trabalho, ou seja, tinha uma relação paralela ao mesmo tempo que namorava com a filha do rei. Hoje, já casou e formou família e vive feliz nos Estados Unidos.

Estas histórias de traição também contribuem um bocadinho para que estejamos a falar aqui sobre isto, as pessoas identificam-se, falamos delas como se estivéssemos a falar de um primo ou de uma avó.

Princesa Madalena da Suécia© Getty Images

Tenho noção que o custo das monarquias e as fortunas dos soberanos sejam um tema que desperta ódios e paixões, mas podemos argumentar que não é assim tão caro como se possa pensar

Então e o custo das monarquias para os contribuintes?

Contrariamente ao que possam pensar, a manutenção das monarquias não é uma coisa extraordinária para os súbditos. Em Inglaterra, a manutenção da monarquia fica por ano a cada súbdito 1,50 euros. Na Holanda, que é o mais caro, fica em 2,30 euros, em Espanha a manutenção fica-se pelos 0,80 euros.

De facto vivem bem, mas também temos de pensar que a chefia de Estado tem de ter uma certa dignidade. O Marcelo Rebelo de Sousa vive num antigo palácio real, o Palácio de Belém.

Tenho noção que o custo das monarquias e as fortunas dos soberanos sejam um tema que desperta ódios e paixões, mas podemos argumentar que não é assim tão caro como se possa pensar. Por isso é que as famílias reais são cada vez mais adeptas da transparência das contas.

No caso de Portugal seria possível que a história tivesse tomado outros rumos e hoje fôssemos uma monarquia?

Portugal já não é uma monarquia desde 1910. Apesar de haver um certo grupo de monárquicos devotos à herança dos Bragança, a maioria não está preparada para ver sentado num trono o rei.

Note-se que este sábado, dia 2, será feita a apresentação do livro no Porto. Já no dia 9 será em Águeda.