'Eu, Maria das Dores, me confesso', este foi o título escolhido pela mulher que há 12 anos foi presa por encomendar a morte do marido, Paulo Pereira da Cruz, para num livro único quebrar o silêncio e pela primeira vez contar a sua versão de um dos crimes que mais chocou a opinião pública.

Num momento de ciúme e loucura, e ao antever um pedido de divórcio, Maria das Dores encomendou a morte do marido ao motorista de ambos. Estes são os factos que todos conhecíamos até agora, as restantes peças do puzzle são agora colocadas a descoberto nesta obra escrita pela socialite com o auxilio da jornalista Virginia López.

Um livro de segredos e revelações

Demorou seis meses o processo de criação deste projeto. Espaço temporal em que Virginia se encontrou várias vezes com Maria das Dores e com David Motta, seu filho mais velho. Os encontros decorrem sempre fora da prisão, nas saídas precárias a que Maria das Dores tinha direito, e são descritos pela jornalista como “intensos” e “dolorosos”.

Virginia e David Motta, este último em representação da mãe, que permanece presa, apresentaram esta quinta-feira, 12 de setembro, aos jornalistas aquela que descrevem como uma obra repleta de grandes revelações.

Porquê agora?

Doze anos depois de ter sido presa pela morte do marido, Maria das Dores resolveu confessar o crime, pedir perdão, dar uma entrevista reveladora a Cristina Ferreira e escrever um livro onde quebra o silêncio sobre o crime que agora assume ter cometido.

Mas por que motivo resolveu esta mulher fazer tudo isto agora?

“A mim parece-me que houve um período de negação, um período de aceitação, um período de depressão e depois um período de reflexão. Pelo meio há várias logísticas internas, desde psicólogas e psiquiatras. É uma pessoa medicada hoje em dia, que deveria ser já na altura, agora consigo ver isso”, começa por explicar David, tentando enquanto representante da mãe responder a esta questão.

“Também porque só agora conseguiu ter contacto com o exterior, porque sentiu que estava na eminência de partir [morrer]. Também começou a ter contacto com as pessoas e percebeu que esse contacto foi positivo”, acrescenta, garantindo, uma vez mais, que a mãe acredita que desta forma poderá mostrar que, além da mulher que matou o marido, é também um ser humano.

Por fim, David realça que esta é a altura em que Maria das Dores “já se arrependeu e já consegue assumir” a culpa.

“A intenção da minha mãe quando este projeto surgiu não foi nunca branquear a imagem que as pessoas têm dela”, realça.

A entrevista a Cristina Ferreira trouxe-lhe consequências na prisão

Maria das Dores estava num regime de saídas precárias trimestrais, o chamado RAI, Regime Aberto ao Interior. As saídas eram autorizadas pela diretora, três dias, e pela juíza do Tribunal de Instrução de Penas, sete dias. Privilégios que lhe foram tirados após a publicação, em julho deste ano, de uma produção e entrevista para a revista de Cristina Ferreira.

“Como consequência da entrevista à revista Cristina Ferreira, esse privilégio foi-lhe imediatamente retirado”, revela David.

“Consigo perceber que o encaminhamento interno da prisão é para que as pessoas fiquem sossegadas e caladas”, diz, garantindo que o arrependimento da mãe, retratado na obra, não tem a intenção de reduzir a pena.

“Até agora os indícios que temos tido é de que ela só foi prejudicada. No dia a seguir à revista Cristina ter saído deram-lhe cinco minutos para arrumar as coisas e mudar de cela, algo impossível para alguém apenas com uma mão, e voltou para uma cela onde já não estava há um ano e tal”, conta.

David garante que a diretora do estabelecimento prisional e a jurista do mesmo acusam a sua mãe, num documento entregue em tribunal logo após a publicação da revista Cristina, de ter mentido em relação às saídas precárias. Esta está acusada de ter mentido ao dizer que saía para a preparação de exames quando na realidade preparava a entrevista a Cristina Ferreira. Acusações sem fundamento, na opinião de David.

Já as restantes reclusas receberam com bons olhos o mediatismo de Maria das Dores: "Fui visitá-la estes dias e dizia-me: 'imagina que agora já dou autógrafos".

"Se a entrevista à revista Cristina com 1% de informação causou os problemas que causou, veremos agora qual vai ser o impacto deste livro", promete.

A doença, o medo da morte e a relação com o filho mais novo

Numa crítica aos serviços prisionais, David conta que a mãe, agora com 60 anos, utilizou grande parte das saídas precárias que teve para realizar exames médicos: ”Biópsias a vários sítios do corpo que precisavam de ser feitas”.

Um tumor na mama levantou a suspeita de cancro. “Havia uma grande probabilidade de [o tumor] ser maligno, o que a levou a entrar numa série de pensamentos como: ‘Tenho 60 anos, fiz o que fiz, o fim está perto e eu gostava de deixar alguma coisa ao meu filho mais novo [Duarte]’”, sendo este outro dos grandes objetivos deste livro.

“Foi uma tentativa de pedir perdão e de chegar até ele quando ele quisesse ver”, diz o irmão mais velho de Duarte, realçando que compreende que este não o faça agora por respeito aos avós.

Ainda sobre Duarte, o único filho de Maria das Dores e do marido que esta assassinou, David lamenta não ter a felicidade de o conhecer e conta o que sabe sobre ele: “É um homem com 21 anos, eu não tenho a felicidade de conhecer. Estuda medicina”.

Duarte tinha sete anos quando perdeu o pai e viu a mãe ser presa pela sua morte.

Agressões e bullying: As revelações de David Motta

“Tomei a decisão de ficar do lado da minha mãe. Não de apoiar um crime, mas ficar do lado dela”, destaca David, agora com 33 anos.

Representou a mãe nesta apresentação com um testemunho único, onde não faltaram revelações sobre uma das pessoas que, sem ter participado no crime, sofreu na pele as consequências de toda a tragédia.

“Ontem à noite não dormi, como não durmo muitas, especialmente desde que isto aconteceu há uns anos, e pensei como é que eu me preparo para uma coisa destas e depois cheguei à conclusão de que não me preparo. Na realidade eu nunca me preparei para nada disto, ninguém está preparado”, defende.

Quando há treze anos soube o que tinha acontecido, sentiu-se entre três opções: nadar, afundar-se ou, aquela que nunca equacionou, rejeitar a mulher que lhe tinha dado vida.

“Nunca equacionei rejeitar, afastar-me e não tentar perceber, no princípio também em negação e a acreditar naquilo que a minha mãe me dizia, muito confuso e baralhado. Depois aceita-se, perdoa-se e vives com uma cruz que sabes que tens de aceitar. Todos nós temos problemas, este será um dos mais traumáticos da minha vida até agora”, justifica.

Com uma imagem excêntrica e arrojada, este lembra com grande mágoa os vários episódios em que foi vítima de um crime que não cometeu.

“Na sequência de um arrolamento da família do meu irmão, eu fiquei numa casa vazia com dois cães. Não tinha condições financeiras para visitar a minha mãe, as contas estavam congeladas”, diz ao enumerar tudo o que aconteceu na sua vida.

“Várias coisas me aconteceram, desde me partirem garrafas na cabeça por ser o filho da assassina, ser lista negra de vários sítios que eu antes frequentava de forma profissional e socialmente, ter perdido alguns amigos, que neste caso não seriam amigos. A família do lado da minha mãe também não conseguiu perceber que o amor de um filho é incondicional”, recorda.

“Fizeram muito bullying durante muitos anos. Até na primeira saída precária voltaram a fazer, tive de defênde-la com um guarda-chuva”, relata ainda.

O que mudou em Maria das Dores nestes 12 anos ?

À pergunta, feita pelo Notícias ao Minuto, seguiu-se o silêncio de quem se preparava para dizer algo que poderia não ser bem interpretado, algo duro de ouvir, de digerir, mas que não deixa de ser a verdade de David e da sua mãe.

“Acho-a uma pessoa muito mais calma e muito mais humilde, já lhe tinha sido tirado muita coisa, depois então é que lhe foi tirado quase tudo. Às vezes oiço que as prisões não funcionam, que as pessoas saem de lá iguais ou piores. Eu, muito friamente, dou por mim a pensar, e isto é uma confissão até, que se calhar até foi… pondo de parte a vítima, do ponto de vista humano dela poderá ter sido a melhor coisa que lhe aconteceu”, confessa.

“Espiritualmente e intelectualmente até tem sido um bom percurso para ela. Sinto-a uma pessoa com os pés mais bem assentes na terra. Nos últimos anos de vida era uma grande espiral de loucura que eu só consigo agora perceber, porque estou de fora a ver. Na altura eu era um extra, era uma pessoa lá em casa que tinha de seguir as regras e portanto para mim aquilo era a norma, viver assim era a norma, gastar aquele dinheiro era a norma, fazer aquelas coisas era a norma, ouvir aqueles gritos todos era a norma e, portanto, hoje em dia consigo perceber como adulto que [a prisão] a mudou efetivamente muito como pessoa", adianta.

Como é agora a vida do filho mediático de Maria das Dores?

É com arrependimento que recorda as entrevistas que deu na época em que a mãe foi presa. Passado o escândalo, preferiu manter-se longe da imprensa. Reaparece agora para representar a mãe, apenas por necessidade. "De outra maneira preferiria continuar com o meu percurso profissional como tenho tentado fazer nos últimos 10 anos", admite.

“De 2009 até 2016 vivi em Londres”, conta David, que sempre trabalhou na sua área de formação: moda e produção criativa.

Em 2016 veio para Lisboa para estar mais perto da mãe, mas cedo percebeu que teria de continuar a trabalhar fora do país para se ver livre do preconceito. Não deixará nunca de ser o filho de Maria das Dores, mas agora parece que esse facto deixou de ser visto como um estigma. “Sinto que esse estigma em relação à minha pessoa passou”, completa.