'Páginas de Livros Infantis – Rejeitadas' é o mais recente projeto de Nuno Markl. A propósito do lançamento do livro, que conta versões alternativas de fábulas e lendas clássicas e que já se encontra à venda em todo o país, o Notícias ao Minuto entrevistou Nuno Markl.

Além de falar da obra, Markl recordou a infância, a altura em apresentava o '5 Para a Meia-Noite’, sem esquecer a segunda casa: a Rádio Comercial.

Mas não ficou por aqui. Comediante, escritor, locutor e apresentador, é um homem cheio de projetos nos diferentes universos. Nesta entrevista, as iniciativas sociais em que participa foram também tema de conversa, assim como a paternidade e a experiência adquirida como 'fada do lar'.

'Páginas de Livros Infantis - Rejeitadas' é o nome da sua nova obra, com ilustrações de Marisa Silva, que conta versões alternativas de fábulas e lendas clássicas. Um livro que partiu de uma página de Instagram…

Sou fã de subverter coisas, inclusivamente coisas que adoro, como fábulas ou figuras de lendas. Há algo de irresistível em querer saber como são as partes não contadas nas histórias clássicas, os pequenos dramas de personagens lendárias. Porque acredito que mesmo princesas encantadas e animais falantes têm as suas pequenas inquietações do dia a dia: uma das que me deu mais gozo passar à Marisa foi a que especulava sobre o método de alisamento de cabelo da Rapunzel. Acho que resume o espírito das 'Páginas Rejeitadas'. Quando descobri a arte incrível da Marisa e o humor subversivo dela, achei que poderia sair de uma 'joint venture' nossa algo de especial e novo. E por isso decidimos começar a criar desvios inesperados a clássicos e a usar o Instagram para os mostrar. O Instagram consegue ter essa natureza de livro ilustrado. E desde a primeira hora que pensámos, "isto é o tipo de coisa que é capaz de, um dia, dar um livro giro". É um projecto que eu tento que se perceba que não é "de Nuno Markl, ilustrado por Marisa Silva". Somos coautores, é um 50%-50% perfeito.

Sempre gostei de saber o que não se vê nas histórias. O lado mais pequeno e humano de grandes personagens

São questões que já estavam presentes na sua infância? Quando era criança já pensava no que aconteceria se o 'lobo mau' batesse à porta errada?

Talvez esse espírito já cá estivesse. Lembro-me de usar bonecos de séries de televisão como os do Dartacão e os do Bana e Flapi e de criar aventuras e diálogos, em casa, que fugiam às aventuras épicas que via na televisão. Lembro-me de criar situações em que, por exemplo, uma das personagens estava à rasca para urinar. Sempre gostei de saber o que não se vê nas histórias. O lado mais pequeno e humano de grandes personagens.

Que feedback tem recebido?

É ótimo. Houve uma altura em que a Marisa e eu estávamos cheios de trabalho e tivemos de deixar a página de Instagram parada uns tempos, mas a verdade é que o número de seguidores foi sempre subindo, e isso fez-nos voltar e fazer a coisa de uma maneira mais consistente e recorrente. Foi perceber esse entusiasmo por parte das pessoas que nos estimulou a fazer este primeiro volume de Páginas Rejeitadas em livro. Isto nunca será redundante em livro - dado o tamanho limitado das fotos no Instagram, ver as ilustrações da Marisa no livro, em grande, vai permitir captar todos os detalhes.

Em quantos projetos profissionais está envolvido neste momento? Consegue arranjar tempo ou só seguindo o exemplo do nosso Presidente da República e cortando nas horas de sono?

Nunca os consigo contar bem, mas além das 'Manhãs da Comercial', onde continuo a fazer 'O Homem Que Mordeu o Cão', e do programa-podcast 'A Cave do Markl', que faço todas as semanas no YouTube, estou a trabalhar na escrita de peças de teatro e creio que, em breve, haverá novidades sobre o filme que escrevi e que o Henrique Oliveira irá realizar, 'Manual de Instruções'. Depois do Henrique ter realizado a série '1986' ficámos com vontade de trabalhar mais um com o outro, e temos este projecto de longa-metragem a dar os primeiros passos. Estão sempre a aparecer ideias, propostas e coisas aliciantes. O tempo é que não estica! Não durmo muito, na verdade, e creio que mesmo quando durmo tenho a cabeça a fervilhar com ideias. Uma boa percentagem delas não serão grande coisa, tenho plena consciência disso, mas tomo nota delas todas. Sou um bocado incontinente a esse nível.

Sente-se o verdadeiro ‘Homem dos sete instrumentos’? Geralmente diz que sim a tudo. Não saber dizer que não é um defeito ou uma virtude?

Agora já não digo que sim a tudo. Isso era uma fantasia jovem. Quando se chega aos 47, começa-se a fazer uma triagem e a pensar "espera lá: será que eu quero MESMO fazer isto?". Claramente era um defeito. Não há nada de virtude em achar que se consegue ir a todas.

A rádio há-de ser sempre a minha coisa favorita. É um meio perfeito. Irrita-me muito quando vejo pessoas a pedir que se fale menos em rádio e que se passe mas é música

E a paixão pela rádio, como nasceu? Não há amor como o primeiro?

Há-de ser sempre a minha coisa favorita. É um meio perfeito, porque é fácil concretizar ideias na rádio. Em televisão é preciso tanta coisa, tanto orçamento... A rádio usa a imaginação do ouvinte para criar cenários, guarda-roupa e efeitos especiais. Pelo menos a rádio em que eu acredito, e que conta histórias e tenta ter coisas interessantes para dizer. Neste momento irrita-me muito quando vejo pessoas a pedir que se fale menos em rádio e que se passe mas é música. Malta: a música está em todo o lado. É fácil ouvirem as vossas canções favoritas. A mais valia da rádio é a palavra, são as histórias. E felizmente trabalho numa rádio, a Comercial, que - sendo uma rádio de música - dá espaço para que se contem histórias, se façam piadas, se troquem ideias.

A Comercial é uma espécie de segunda casa. Os colegas são família?

A verdade é que são. Por vezes de uma maneira bastante literal - sou padrinho do filho do Vasco. Mas sim, estamos juntos todos os dias e temos uma missão a cumprir diariamente, independentemente daquilo que nos aconteça na vida privada. Fazemos as 'Manhãs da Comercial' em momentos felizes e em momentos complicados das vidas de cada um. Atravessamos separações, mortes de pessoas próximas, e lá nos vamos puxando uns aos outros e fazendo o programa, que por vezes funciona quase como uma terapia.

Além da rádio, também vai contando com algumas presenças na televisão… Tem saudades do ‘5 para a meia noite’?

Tenho saudades da liberdade de experimentar em televisão que o '5' nos proporcionava. Não tenho saudades da hora a que aquilo me obrigava a deitar às quartas-feiras. Nenhumas.

Lembro-me de ficar desesperado a explicar o quão inteligente, espirituoso e não-violento é o Adolfo - além da importância que tem na história do rock português - mas não consegui evitar que ele fosse cancelado como convidado

Alguma vez sentiu a sua liberdade criativa cortada de alguma forma?

Criativa não, mas aconteceu uma vez uma coisa no '5 Para a Meia-Noite' que, de certa maneira, feriu a minha relação com o programa e acelerou a minha vontade de sair. Tinha escolhido o Adolfo Luxúria Canibal como convidado, quando saiu o disco dos Mão Morta, Pelo Meu Relógio São Horas de Matar. O Adolfo chegou a ser contactado, mas de repente, em cima da hora, ligam-me da produção a dizer que tinham chegado à conclusão que não podiam ter como convidado alguém que, num videoclip, incitava ao assassinato de políticos. Estavam a referir-se ao videoclipe do single 'Horas de Matar' que - obviamente - não era de forma nenhuma uma apologia do assassinato, era uma reflexão conceptual dura sobre aquele momento de crise em Portugal. Lembro-me de ficar desesperado a explicar o quão inteligente, espirituoso e não-violento é o Adolfo - além da importância que tem na história do rock português - mas não consegui evitar que ele fosse cancelado como convidado. Isso mandou-me abaixo. O '5 Para a Meia-Noite' era suposto ser o oposto deste espírito.

‘Nêspera no Cu’ vai estrear-se em formato musical no próximo ano… Como explica o fenómeno/êxito? É um exorcizar de alter egos?

É, acima de tudo, uma celebração da liberdade criativa. Somos patrões de nós próprios na Nêspera, eu, o Bruno e o Filipe. E aquilo acaba por ser um exercício de imaginação e improviso bastante infantil - no bom sentido. Para o qual temos conseguido arrastar várias pessoas conhecidas e que não precisavam nada de fazer aquilo. Mas fazem, divertem-nos e divertem-se. E divertem quem vê. Dá mesmo muito gozo fazer, porque é uma mistura de alarvidade e criatividade.

A velha questão: Há ou não limites para o humor? No caso, qual é o seu?

Continuo a achar que o único limite é: a piada é boa? Se for, se tiver um ponto de vista e se ficar claro que é uma piada, é mesmo só uma piada - com tudo de libertador e incorrecto que possa ter. O Mel Brooks diz que a comédia é suposto ser o diabinho que sussurra ao ouvido o quão feio é o mundo. Depois, é claro que há contextos. Há um episódio do 'Louie', a série do Louis CK, onde ele vai fazer um show num casino e, durante o espectáculo, diz mal à brava de quem o emprega. E no fim despedem-no, dizem que ele não faz lá mais espectáculos. Depois, ele vai desabafar com a Joan Rivers e ela diz-lhe algo como: "Mas é evidente que te despediram. Se aceitaste trabalhar aqui e receber o dinheiro deles, e se fazes o show a cascar neles, é normal que isto aconteça”. Dito isto, começar a escrever comédia a pensar “ora bem, até onde posso ir?”, parece-me errado.

Era tímido, era um caixa de óculos que levava com bullying na tola e tinha os meus momentos de depressão e receio de ser invisível. Mas olho para trás com carinho

Foi uma criança feliz? E a adolescência, foi pacífica?

Fui feliz. Era tímido, era um caixa de óculos que levava com bullying na tola e tinha os meus momentos de depressão e receio de ser invisível. Mas quando olho para trás, quando, por exemplo, usei essas memórias para fazer a rubrica 'Caderneta de Cromos', percebo que acabo por ter carinho por todos os momentos. Até os que, na altura, me pareciam desastrosos. A comédia ajuda a perspectivar as coisas e a exorcizar os traumas da vida.

Nota-se um certo apego a referências antigas… É daqueles que considera que antigamente é que era bom?

Não, nada disso. Não sou saudosista. Quando fazia a 'Caderneta de Cromos' costumava dizer que adorava ter um DeLorean para visitar o passado mas poder voltar para o presente, que é onde está o meu filho Pedro, que quero ver crescer. Não quero voltar lá para trás, para tempos em que não imaginava que ele fosse existir. Não é saudável estar agarrado ao passado. A única coisa que acho que era melhor, era o tempo que tínhamos para desfrutar cada coisa. Não havia esta enxurrada imparável de estímulos que faz com que toda a gente, hoje em dia, saltite de maneira superficial por milhões de coisas, em vez de - como as pessoas da minha idade - saber, por exemplo, a ordem das faixas de um disco de uma ponta à outra. Não sei se daqui a 20 anos alguém conseguirá fazer uma 'Caderneta de Cromos' dos dias de hoje. Não há tempo para nos apaixonarmos verdadeiramente pelas coisas. Vejo isso pelo meu filho - a única coisa que permanece no meio do caos é, se calhar, o jogo Minecraft. De resto, ele e os colegas voam a 1000 à hora pelas coisas. São muitas coisas.

Por outro lado, rendeu-se aos ‘tempos modernos’, sendo, só a título de exemplo, uma presença assídua nas redes sociais. Que papel lhes atribui?

São ótimas para divulgar trabalho e para nos levar a todos à loucura.

O Facebook tornou-se numa montra do pior que todos temos. E não me estou a distanciar - TODOS temos esse negrume cá dentro. Eu precisava de apanhar ar, por isso larguei o Facebook

No entanto, agora só está pelo Instagram… No Facebook, já se viu envolvido em algumas polémicas a reboque dessa exposição. Valida esse tipo de situações? Chateiam-no a sério?

Quando decidi sair do Facebook, não estava a ter nenhum problema pessoal com o Facebook ou com alguém no Facebook. Estava só, como testemunha, a ver pessoas a insultar-se durante horas, achando que conseguiam mudar o mundo umas das outras. E, de certa maneira, conseguiam: era impossível que aquelas pessoas não acabassem aquelas discussões exaustas e doentes. Começava a não ser saudável. E lembro-me do Bruno Nogueira me dizer que havia dias em que acordava feliz e bem disposto, mas que quando passava os olhos pelo feed do Facebook e via aquelas opiniões e azedume e guerras, ficava com o dia destruído. O Facebook tornou-se numa montra do pior que todos temos. E não me estou a distanciar - TODOS temos esse negrume cá dentro. Eu precisava de apanhar ar, por isso larguei o Facebook.

O desenho funciona como uma catarse? Equacionaria uma carreira artística apenas dedicada ao ‘lápis’?

Nem pensar. Adoro desenhar, mas exatamente como catarse. Gosto de escrever para pessoas que desenham realmente bem, como a Marisa Silva. Nunca conseguiria fazer sozinho as 'Páginas Rejeitadas', com aquele requinte de livro infantil antigo. Adoro fazer rabiscos, mas isto é outro patamar.

O maior cromo da minha caderneta sou eu próprio, para o bem e para o mal. O cão que gostava de morder era o Euromilhões

Qual é o maior cromo da sua caderneta? E a que ‘cão’ gostaria de morder?

Correndo o risco de soar egocêntrico, o maior cromo da minha caderneta sou eu próprio, para o bem e para o mal. Para o mal, porque continuam a acontecer-me coisas que não lembram a ninguém e eu continuo a surpreender-me com as minhas distracções e o caos em que às vezes meto a minha vida. Para o bem, porque depois acabo a usar o que me acontece como material para fazer comédia. O cão que gostava de morder era o Euromilhões. Mas não era para não fazer nada, era para criar uma produtora independente e fazer só as coisas que me apetecem.

Se um dia o Markl deixar de ser solicitado e de receber convites nas várias áreas em que se tem destacado, tem um plano B?

O meu plano B será sempre fazer rádio. Seja numa estação de rádio, seja num podcast na Internet. Há-de ser a minha casa até ao fim.

Além dos projetos profissionais, participa numa outra série de iniciativas sociais. O gosto pela filantropia vem de cedo?

Acho sempre que é um desperdício não usar a exposição que temos para fazer mais qualquer coisa do que aquilo para que nos pagam. Por isso, sempre que me convidam para causas que considero importantes, a isso digo sempre que sim. E se conseguir conciliar aquilo que faço normalmente com a divulgação dessas causas, fico contente. É possível fazer comédia e abrir olhos para situações que requerem solidariedade e empatia. Às vezes são coisas muito simples: no meio do caos do Facebook, houve um dia em que divulguei o drama de um homem que perdera casa e emprego e que vivia nas ruas ao pé da casa da minha mãe. Com muita pena, ele achava que não ia conseguir manter o seu cão com ele; em poucos minutos as pessoas mobilizaram-se para o ajudar, e não foi para lhe ficarem com o cão: foi a arranjar-lhe emprego e tecto, de modo a que ele e o cão pudessem continuar juntos. Foi um momento fugaz em que percebi aquilo que o Facebook poderia ser, não tivéssemos nós tendência para dar primazia ao ódio, à fúria e à total e completa falta de empatia.

É importante que o PAN seja uma espécie de Grilo Falante ali dentro do Parlamento. Mesmo que irrite e agaste algumas pessoas

É sobejamente conhecido o seu ‘engajamento’ em relação à causa dos animais. Considera que o PAN tem feito um bom trabalho?

O PAN já se vai habituando ao bullying de muita gente, mas é importante que, quase por carolice, seja essa voz ali no meio. Porque se não forem eles, não há uma voz concertada que fale desses assuntos. Há pessoas dispersas por vários partidos, desde a esquerda à direita, sensíveis a estas questões. Mas é importante que o PAN seja uma espécie de Grilo Falante ali dentro do Parlamento. Mesmo que irrite e agaste algumas pessoas. É sempre bom haver um "chato” com ideias.

E em casa, como é Nuno Markl? Lida bem com as tarefas domésticas? O que mais gosta de fazer? E menos?

Gosto de lavar a louça. Tenho uma máquina de lavar louça que raramente uso porque gosto de lavar a louça enquanto vejo um episódio de qualquer coisa no tablet. Já lavar a roupa, odeio. Odeio, porque, para mim, criar um programa de lavagem numa máquina de lavar roupa é física nuclear. Todo aquele conjugar de temperaturas, cores, durações de lavagem - adorava tirar um curso que me ajudasse a perceber aquilo.

O que mudou desde que foi pai?

Já sou pai há nove anos, o que significa que já não me consigo lembrar de como as coisas eram antes. Isto torna-se uma coisa tão normal e entranhada, que cada vez mais me é difícil lembrar-me em que consistiu a transição entre o antes e o depois. É como com a Internet: às vezes puxo pela cabeça para me lembrar como raio fazia eu pesquisas para os meus trabalhos na rádio! Ser pai torna-se uma coisa natural, absolutamente integrada na nossa existência.

Sabe-se lá o que o futuro traz. Mas se só houver o Pedro, está bom. Acho que fizemos ali um bom cidadão

Gostava de ter mais filhos?

A verdade é que não penso muito nisso. Estou muito feliz com o Pedro. Sabe-se lá o que o futuro traz. Mas se só houver o Pedro, está bom. Acho que fizemos ali um bom cidadão.

O Pedro é mais parecido com o pai ou com a mãe? Porquê?

Fisicamente é mais parecido com a mãe, graças a todos os Deuses. De feitio - e no gosto obsessivo por estar em casa - é mais pai. Dou por mim a ter de trair a minha própria adoração por estar em casa, só para tentar arrancá-lo de casa e ir passear com ele.

Qual foi o dia mais marcante da sua vida?

É cliché, mas foi o dia em que o Pedro nasceu. O nascimento de um filho é um maravilhoso episódio piloto para toda uma nova e diferente temporada da sitcom que é a nossa vida.