Vamos falar do espetáculo Sexo? Sim, Mas Com Orgasmo!, que para a alegria de muito espectadores, volta aos palcos, desta vez ao palco do Teatro Villaret.
G.M.: Bom não é a primeira vez que eu estou a fazer isto como você sabe.
Olhe para já digo que estou contente por voltar ao palco, estou contente porque é este espetáculo, porque é um espetáculo que já fiz, é um espetáculo que a mim me diverte bastante, um tema que fui eu que escolhi e portanto é um tema que me interessa, que é dito de uma forma com muita graça, estou contente por voltar também ao Teatro Villaret.
Depois também é bom estar a trabalhar com a Sandra Faria, com a nova empresa Força de Produção, que foi uma pessoa que já fez este espetáculo comigo e com quem eu tenho trabalhado várias vezes e portanto a mim dá-me um grande sossego porque sei que estou em boas mãos.
Sexo? Sim, Mas Com Orgasmo! Esta peça pode ser feita por muita gente … mas parece que foi escrita para si, eu acho que a peça tem muito a ver consigo …
G.M.: A peça não foi escrita para mim. Eu acho que isto tem muito a ver com a escolha, tem a ver com outros textos, tem a ver com a predisposição da atriz para dizer ou não, eu gosto de falar destes temas, não estou á espera que as pessoas que saiam dali que mudem radicalmente a sua maneira de estar ou de pensar, até dou de barato que as pessoas achem aquilo não me interessa nada, é o nosso contributo para ser alguma coisa é despertar algumas campainhas. Por outro lado tem alguma dose de humor o que eu acho que é sempre bom porque o humor é fundamental nomeadamente para estes textos que são pesados, depois eu acho que para um ator que sempre vivi e aprendi isso nos Estados Unidos e é assim o ator de alguma forma tem que se identificar com a personagem. Eu amanhã posso fazer uma janada, nunca na vida fumei um charro e a minha interpretação melhora ou piora se eu me identifico, não quer dizer que eu tenha que me ir drogar, mas tenho que me informar, tenho que falar com pessoas que já se drogaram, tenho que falar com médicos, tenho que perceber quais são as reações porque senão eu não percebo aquele texto!
Pelo que eu me lembro da peça representa uma mulher a falar de sexo em várias idades diferentes?
G.M.: Praticamente começa no Adão e Eva, ela faz esta introdução que eu acho uma delícia, ela faz essa introdução e depois o monólogo logo a seguir é quando eu nasci, quando ela conta a vida dela na barriga da mãe, portanto aquilo são coisas que lhe aconteceram ao longo da vida, ela era uma feminista ferranha e portanto ela faz ali uma grande apologia do AMOR, mas também do amor físico o que é completamente verdade e com muita graça, no meu ponto de vista.
R.C. – São personagens difíceis de interpretar?
G.M. - Não se pode falar daquelas coisas de amor, sexo, violações, … para as pessoas partirem as cadeiras a rir não é possível! Portanto é assim, há coisas que se pode brincar e que se deve até brincar, há outras que tem que se sair um bocado da brincadeira porque é a sério, porque há pessoas que passam por aquilo e as pessoas não são todas iguais, guardam para si.
Quantas vezes nós ouvimos nas televisões portuguesas as vítimas das violências domésticas levam pancada de três em pipa e depois não se queixam e têm medo e não sei quê, portanto as pessoas são todas diferentes e pronto e é assim.
Portanto eu penso que é a nossa obrigação enquanto atores tentar perceber o que é que nós podemos ajudar que por muito pouco que seja algumas pessoas eventualmente tenham passado por aquilo ou que conhecem alguém na família ou uma vizinha não interessa, se pudéssemos ajudar a tocar a campainha… isto não é um mérito meu é um mérito de quem escreve, a minha obrigação como atriz é “Deliver the word” como dizem os americanos não é? É passar a palavra como convém, quando for possível para que fique alguma coisa dentro da cabeça das pessoas, também se não tiver feito nada, “the show must go on”.
Falem bem ou falem mal, mas falem não é? E a peça vale bastante a pena ser vista porque fala de uma mulher em diferentes fases da vida, e sempre no feminino, embora não seja uma peça para mulheres, nem uma peça feminista …
G.M.: Não eu acho que é uma peça para tudo, aliás eu não acho que haja peças para mulheres. Depois há como os “Monólogos da vagina” que obviamente as mulheres identificam-se muito mais com aquele texto como é óbvio, não é? Nessa, apesar de eu ter tido imensos homens que foram ao camarim agarrados a mim a dizer pela primeira vez eu percebi o que era uma vagina, a importância de uma vagina, tipo “n” homens a dizerem-me isto nos “Monólogos da vagina”. Nem acreditava que pessoas que não me conhecem de parte nenhuma se dessem ao trabalho de ir ao meu camarim esperar por mim para me dizer isto, os homens, estamos a falar dos homens.
Há muitas mulheres que elas próprias não querem falar sobre esse tema.
G.M.: Exato, para mim foi muito gratificante fazer os Monólogos por todas as razões e mais algumas, mas sobretudo porque eu pude por as pessoas a falar de coisas intimas, falavam comigo, eu não as conhecia de parte nenhuma, eu até dizia eu não sou ginecologista, estou aqui a dizer um texto, e eu apercebi-me da enorme vontade de algumas senhoras, da enorme vontade que elas tinham de falar com alguém que não fosse médico, que não fosse o marido, que não fosse a mãe ou que não fosse a avó, alguém desconhecido…
Pensavam “Esta senhora não me é nada ouve e não me julga e não comenta” e eu apercebi-me disso com os “Monólogos da vagina”, eu tinha “n” senhoras que ficavam á minha espera no átrio do Casino, no parque de estacionamento e diziam “Guida Maria eu só preciso de lhe dizer uma coisa, sabe que eu tenho aquele problema olhe ainda bem que eu vi o espetáculo”.
Tudo isto para mim foi profundamente gratificante, primeiro porque o texto quando eu o escolhi achei que valia a pena ao contrário de muita gente, segundo porque eu consegui passar a palavra e terceiro porque tive um público atento e que parou para pensar, tenho o dia ganho, missão cumprida, não há nada pior para um ator do que sair de um palco com aquela sensação que eles não perceberam nada, às vezes há espetadores mas difíceis, mas eu interrogo-me sempre se aqui sempre riram porque é que hoje não riem, se calhar o erro não é deles, eu hoje estava mais ao lado não é também não podemos dizer que é tudo culpa daqueles senhores que estão ali sentados e se eles são tímidos.
Sim e o tema “sexo” é sempre muito complicado de falar, até porque muitas pessoas nem gostam de falar que uma vez (ou mais) ouviram os pais a fazer sexo. Como se os nossos pais, avós … não fizessem sexo, ou como se o ato sexual fosse restrito a certas idades…
G.M.: Mas isso tem a ver com a nossa cultura ocidental, tem a ver com a igreja, tem a ver com não sei o quê … Agora há falar de sexo, e há falar de sexo, atenção! Felizmente consegui nos “Monólogos da Vagina” não ser vulgar, quando eu digo vulgar é em termos gerais e dizia aquelas as coisas todas e sabe Deus ás vezes como, porque não é fácil para uma atriz estar ali com 500 pessoas a falar daquelas coisas, não é nada fácil e eu isso sei que consegui! Porque tentei que eles percebessem e acho que perceberam, que falar de sexo ou falar de um siso é a mesma coisa! A gente quando lhe dói um siso vai ao dentista quando tem problemas de sexo vai a um especialista, pronto e eu ali acho que tive algumas vitórias, agora digo “mea culpa”, “mea culpa”, a mim o devo, não só mas também, mas acho que realmente ali a grande vedeta foi quem escreveu o texto sem dúvida porque aquilo foi realmente um texto, foi muito inteligente da parte da autora passar de umas entrevistas e de uma crónica que ela fazia num jornal e compilar aquilo tudo, também uma feminista ferranha e não sei quê mais, mas foi muito inteligente e veio na altura certa, foi na luz.
Certo para abanar as coisas!
G.M.: Exatamente! Este texto não tendo a profundidade dos “Monólogos da Vagina”, mas penso que a (inaudível) também não estava nada interessada, tem aquela coisa que por exemplo os “Monólogos” não tinha que é, eu posso rir, eu posso me desmanchar, eu posso meter coisas minhas, posso conduzir mais o texto e posso fazer aquilo muito mais leve, nos “Monólogos” era muito complicado havia alturas em que eu podia mas noutras nem pensar.
Eu acho que infelizmente a cultura está muito mal tratada neste país, muito mal tratada, então nos últimos anos eu acho que as coisas… É horrível, horrível! Eu vejo com muita tristeza, muita angústia, felizmente já tenho a idade que tenho e, já tive o privilégio de trabalhar com os melhores atores deste país, aprendi com eles todos.
Não havia televisões nem ipads, havia televisões mas as pessoas não ficavam em casa, tive casas com milhares de pessoas, tive a estreia do “Milagre da Nação” e aquilo foi um sucesso monumental eu tive esse enorme privilégio. Eu tenho muita pena destes atores jovens que têm, muitos deles, muita qualidade e que eventualmente nunca vão saber o que isso é. E acho que os grandes responsáveis é a finança, não é?! Portanto andam milhões atrás do futebol, e obviamente para a arte não existe
Mas eu acho que há outro problema muito grave que é os atores mais velhos praticamente não têm trabalho hoje em dia.
G.M.: Não, não somos completamente ostracizados.
O que não se percebe porque se a maior parte da população que vê televisão é mais velha, deviam identificar-se com personagens da mesma idade que vissem na televisão …
G.M.: Eu moro em Campo de Ourique em frente ao Mercado eu vou ao mercado, é raro o dia em que elas não me chamem, porque já me conhecem, “Ó Dona Guida venha cá, venha cá!”, bom elas lembram-se das peças, feitas há décadas, “Ai Dona Guida temos tantas saudades quando o teatro era a sério, na televisão” , lembram-se de tudo. Quando é para falar dos jovens atores das novelas como é “Ai aquele seu colega como é que ele se chama? Ó Micaela como é que se chama aquele do olho azul na novela?” , então mas as pessoas lembram-se das que já morreram à 30 anos e não se lembram dos que entram todos os dias em casa delas? Isto para mim é a prova de que o que se fazia, já para aquele tempo tinha a qualidade que tinha, as pessoas ainda hoje se lembram e hoje, eu sei que hoje é tudo, devora-se informação e no dia seguinte já ninguém se lembra de nada, mas não estamos a falar de informação, não estamos a falar de telejornais e eu acho lamentável, eu acho que um país que não protege e que não incentiva a cultura não é um país de gente culta, não é não.
Hoje em dia o papel de avô parece que não existe nas novelas …
G.M.: Não existem, não existem tias, não existem avós, existem mães matulonas de 25 anos quando elas têm 35.
E poucos atores há acima dos 40, 50 anos não se percebe porquê?
G.M.: Mas ouve alguém exigir alguma coisa? Ouve? As pessoas acham individualmente que é assim, que é assado, que pena! Mas é o que você ouve! Aliás isto é como no resto do país, não é. E só por isso é que a gente chegou onde chegou não é?! Portanto eu acho lamentável, graças a Deus que eu já tive o meu tempo, graças a Deus que agora vivo das memórias, não só pela idade mas também porque eu olho à minha volta e é tudo tão triste, tão pobrezinho …que eu então fecho os olhos e vou para trás … para as recordações.
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