José Bouza Serrano foi um dos especialistas em monarquias europeias que acompanhou atentamente a cerimónia de coroação do rei Carlos III. Numa entrevista ao Fama ao Minuto, o antigo diplomata e chefe do Protocolo do Estado fez um balanço do evento que, na sua perspetiva, não podia ter corrido melhor.

Qual é o balanço que faz da cerimónia de coroação de Carlos III?

É o culminar de uma vida marcada pela relação impossível da Camilla Parker Bowles com o herdeiro do trono. É o final feliz de uma história de amor improvável.

Mas, ainda assim, ouviram-se comentários negativos sobre Camilla enquanto rainha.

Pois, mas a realidade ultrapassa a ficção. Chegaram a surgir fotografias da Lady Di com a coroa. Não, ela já morreu...

A Camilla sempre se comportou muito bem, porque todas as acusações que a princesa Diana lhe fez ela nunca replicou. Nunca fez um comentário. Era a terceira da relação, mas a vida é assim.

Outro pormenor que se destacou foi o facto de os filhos de Camilla se terem sentado à frente do príncipe Harry.

As duas damas de honor da rainha Camilla eram a irmã e a melhor amiga. Ela não tem damas de companhia, como tinha a sogra. Todos eles [familiares e amiga] participaram na cerimónia com funções específicas. O rei ponderou tudo isso. É muito bem preparado e muito detalhista.

Harry, portanto, ficou no lugar que lhe convinha.

Ele quando se foi embora já sabia. Os que não trabalham para a monarquia nem vão para a varanda, não vale a pena. Foi ele que insistiu que não queria. Todas as ações têm uma consequência.

Tenho a certeza de que o rei teria gostado muitíssimo que, além do príncipe de Gales, o duque de Sussex se tivesse ajoelhado perante o pai, que tivesse estado ali.

Momento em que o príncipe William jurou lealdade e fidelidade ao rei Carlos III© Getty Images

Eles [Harry e Meghan Markle] foram do 'romper e rasga'. Ainda não se calaram, estão sempre a vitimizar-se. Pronto, vão para terceira fila.

Harry ter estado presente sem Meghan foi a melhor das soluções na sua perspetiva?

Não teria feito assim, mas sou só um observador. Teria vindo com a minha mulher e os filhos ficariam aos cuidados de uma ama. Quer dizer, é um dia muito especial para a família.

Príncipe Harry na chegada à Abadia de Westminster© Getty Images

O que é que foram as atenções no Harry? Foram três minutos de televisão. As pessoas dão a elas próprias mais valor do que têm na realidade

Mas, segundo a imprensa, Meghan não quis ir para não roubar as atenções do rei Carlos III.

Mas repare: o que é que foram as atenções no Harry? Foram três minutos de televisão. As pessoas dão a elas próprias mais valor do que têm na realidade. Saíram de cena, pronto. A vida continua e continua dentro dos parâmetros que eles escolheram. Foi-lhes perguntado, não foi uma coisa imposta de fora.

A presença do príncipe André também gerou um certo burburinho...

Mas ele é irmão do rei... Nunca nada foi provado. Para não haver mais escândalo chegaram a um acordo extrajudicial [André com a mulher que o acusou de abuso sexual] que é uma coisa muito americana. Não tiveram provas, por isso, ficaremos sempre sem saber. Como também não se sabe o que a rainha pensava.

Príncipe André na coroação do irmão, o rei Carlos III© Getty Images

E quanto à cerimónia? Mudaria alguma coisa?

Só achei mal uma coisa: não haver um dress code. Um ia de fato escuro, outro ia de fraque... deviam ter dito fraque e fato curto e um não às tiaras, mas a família real estava ótima. Além disso, dos 2.200 convidados, 850 eram das causas de rei Carlos III. Ele privilegiou isso, assim como funcionários da casa real. Marcou a diferença.

Família real acena ao público da varanda do Palácio de Buckingham© Getty Images

E o príncipe Louis comportou-se bem, apesar de ter feito algumas caretas.

Sim, não se comportou mal até ao fim. Foi muito divertido. Daqui a uns anos quando olhar para aquilo [vai-se rir]... Porque há uma fotografia do Carlos na coroação da mãe maçadíssimo [ri-se], mas são coisas que ficam.

Rei Carlos III ao lado da rainha Mãe e da princesa Margarida na coroação de Isabel II em 1953© Getty Images

Já Carlos III aparentava estar realmente feliz.

Foi uma grande espera, foram 70 anos, passou a idade da reforma.

Apesar do grande apoio e de todos os cuidados, ainda assim viram-se alguns protestos antimonárquicos.

Ainda bem que há uns que não gostam porque assim há uma certa dissidência, um contraditório. Nem toda a gente gosta do azul, se assim não fosse, o que seria do amarelo...

E quanto a Camilla? Como é que lhe pareceu?

Ela estava um bocadinho nervosa. Ela não é bonita... Estava carregada de diamantes, não é bonita, mas é o amor da vida dele! E isso é extraordinário. Se bem que ela ainda tem uma coisa a resolver...

Camilla após ser coroada© Getty Images

O quê?

Ela está casada catolicamente. Ela casou com o Parker Bowles, em Londres, num rito católico. Ela é bígama [dá uma enorme gargalhada]. Mas o Parker Bowles continua vivo e tem um casamento indissolúvel. Mas é a Igreja Católica a decidir, para a Anglicana está ótima.

Penso que os Windsor para o século XXI estão salvos. Haverá sim uma grande mudança entre este e o príncipe de Gales

Há também quem acredite que Carlos III será o último rei a subir ao trono uma vez que a monarquia deverá terminar com o tempo.

Não sei porquê. Isabel II preparou muito bem o filho. Penso que os Windsor para o século XXI estão salvos. Haverá sim uma grande mudança entre este e o príncipe de Gales. O rei tem 70 anos, nunca tinha sido coroado um rei tão velho na Grã Bretanha, mas ainda assim já deu mostras de uma certa mudança, mesmo na cerimónia, até com a participação de um cardeal católico, por exemplo.

Mas a reação do povo acho que foi nítida, não? Quando eles começam a abrir as barreiras e as pessoas começam a aproximar-se da varanda é extraordinário. Aquilo é a identidade deles.

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