O navio Celebrity chega a Nápoles depois de atravessar o Estreito de Messina, que separa a Itália Continental da Sicília, e de passar ao largo de maravilhas como Capri e o monte Vesúvio, o vulcão que permanence vigilante sobre a baía de Nápoles desde o início dos tempos. O porto é mesmo no centro da cidade, o que permite que mal colocamos o pé em terra possamos começar a calcorrear o centro histórico (Património Mundial da Unesco) da capital dos antigos reinos de Nápoles e das Duas Sicílias, reduto de Anjous e Bourbons, uma cidade fascinante que tem tanto de aristocrática como de popular, e é realmente um local à parte na Itália dos nossos dias.

As origens de Nápoles vêm desde o período de presença Grega na Península Itálica. A cidade de Neapolis foi depois conquistada sucessivamente pelos Romanos e Bizantinos, até ser constituída num reino independente que viria a ser integrado em 1139 no Reino da Sicília, depois em 1282 no de Aragão. Mais tarde no das Duas Sicílias e finalmente no Reino de Itália em 1861. Cobiçada ao longo dos séculos pela sua situação estratégica e pelas riquezas da Campania, a região da qual é capital. Nápoles foi sendo passada de mão em mão via guerras ou tratados, casamentos reais ou invasões, mas sempre conseguindo manter a sua independência genética, o seu DNA de cidade. Aos nossos dias chegou muito da cultura ancestral napolitana, evidente numa língua própria, numa cozinha rica e que definiu em grande parte a gastronomia italiana de expansão (as pizzas foram aqui inventadas, entre outros pratos), e nas canções napolitanas, únicas no seu género em toda a Itália. Esta riqueza cultural, aliada ao extenso património histórico e arquitectónico da cidade, são os principais motivos para visitar Nápoles.

A lista de monumentos a visitar é longa. Começando pelo porto, é imperiosa a visita às Galerias Umberto I, réplica das de Milão, ao Castel Nuovo, o Palácio Real, a Praça do Plebiscito, a Catedral de Nápoles e dezenas de igrejas de menores dimensões, entre muitos outros pontos de interesse. Em termos de museus, merece a pena conhecer o Museu Nacional de Arqueologia, que possui uma das mais ricas coleções de artefactos romanos do Mundo, nomeadamente peças encontradas em Pompeia e Herculaneum. O Museu di Capodimonte reúne uma fantástica coleção de pintura, com obras de Rafael, Ticiano, Caravaggio, El Greco e Ribera. Finalmente, existe o Museo d'Arte Contemporanea Donnaregina (MADRE), que ocupa um palazzo renovado pelo arquiteto Álvaro Siza. É um pedacinho de Portugal nesta deslumbrante cidade.

Ainda que Nápoles tenha muitos monumentos e belas vistas sobre a baía que convidam à contemplação, especialmente ao longo de Posillipo, a verdadeira atração da cidade são os seus bairros populares, desde os mais históricos aos mais modernos. Nem todos se atrevem a desvendá-los porque estas zonas trazem consigo alguma dose de intimidação, seja pela decadência das ruas e edifícios, seja pela apresentação rude das suas gentes. São aqui os redutos da Camorra, a mafia napolitana, que ainda está muito entranhada no tecido social da cidade, debaixo da sua pele e escondida dos olhares de todos.

Subindo do porto chega-se facilmente ao emaranhado de ruas do Quartieri Spagnoli (o Bairro Espanhol onde as ruas ainda são na língua de Cervantes) onde a vida corre a um ritmo muito próprio nestes bairros, com uma dinâmica profundamente mediterrânica que se vê aqui mas também na Tunísia, Egipto ou Marrocos, mundos semelhantes a este. Nápoles é provavelmente a cidade mais Africana da Europa, tal é o ambiente de exotismo e desorganização organizada que ali se espelha. É esse mood quente e descontraído, suavemente agressivo e inquietante que dá cor à cidade e a faz tão viciante e desafiante à nossa curiosidade e até coragem. A Nápoles pura e popular não é seguramente uma cidade que deixe ninguém indiferente, antes pelo contrário. Ela traz uma avalanche de sensações que nos impactam os sentidos. Os perfumes das comidas que se libertam das casas durante todo o dia, mas também da sujidade que caracteriza a cidade, os sons ininteligíveis dos seus habitantes, que vivem na rua e em napolitano a intensidade das suas vidas, como se de um teatro vivo se tratasse, cheio de vozes e gritos de paixão, tensão, comércio, de mammas e nonnas que repreendem bambinos traquinas, de buzinas de lambrettas e carros que zig-zagueiam pelas ruas estreitas, de vizinhas que discutem as fofocas do bairro enquanto penduram roupa a secar de um lado ao outro das ruas, de vendedores de peixe a apregoar os seus preços nas bancas improvisadas de mercados ainda mais improvisados e improváveis.

Nápoles são estas vielas vivas, cheias de tudo, fortes e impactantes, mas simultaneamente serenas no seu quotidiano do qual somos meros espectadores que observam como se estivessem numa dimensão alternativa, paralela, que não desconcentra as vidas que se desenrolam em frente aos nossos sentidos. Visitar a cidade e não se permitir a perder-se por entre o seu lado mais humano e real é de certa forma uma forma incompleta de a conhecer. Por isso a recomendação é que se aventurem na Nápoles castiça, para a descobrirem sem mapa, e assim mapeá-la à medida, sem rumo certo mas certos de que irão embrenhar-se numa cidade fascinante e deliciosamente verdadeira.

Miguel Júdice

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