Escolher os 10 jardins de que mais se gosta é tarefa difícil.
É como
fazer a lista dos dois ou três livros que se levaria para uma ilha
deserta.
Para já, só entendo que se possa escolher aquilo que já
se visitou conscienciosamente, o que implica deixar de fora, injustamente, uma porção deles.
A lista que se segue consiste
em 10 jardins que conheço bem e que representam estilos muito
diferentes de composição e de épocas, e nos quais gosto de estar.
Alhambra em Granada (séc. XIV)
Provavelmente o mais bem conservado e
o melhor exemplo dos jardins islâmicos.
A expansão da cultura árabe para o sul da
Península Ibérica deixa, até hoje, as marcas da
importância da presença da água nos jardins.
A água era canalizada e utilizada para a rega,
mas, em simultâneo, aproveitava-se o seu efeito
estético armazenando-a em grandes tanques de
água parada ou utilizando-a em efeitos artísticos
de esguichos e repuxos. O Alhambra mostra-nos
bem quão importante era o equilíbrio do espaço,
da luz e da água para a recriação da ideia de
paraíso na terra.
Ryoan-Ji em Kyoto (séc. XV)
É o mais misterioso dos jardins. Um jardim
que não é para passear mas para contemplar.
O expoente dos
kare-sansui, jardim seco em
japonês, é constituído por 15 pedras, areia
penteada e musgo, numa composição magistral
que é vista de uma varanda. A colocação das
pedras está feita de forma a que uma das 15
pedras fica sempre escondida do observador.
O significado da sua composição já fez
correr rios de tinta mas sabe-se apenas que
a areia representa a água e as pedras ilhas
montanhosas, ou, possivelmente, animais.
Para mim, é a primeira composição abstrata
da história de arte, provavelmente inspirada
no vazio branco das pinturas chinesas. Uma
verdadeira obra-prima que ajuda à meditação.
Os jardins do Taj Mahal em Agra (séc. XVII)
É tão conhecido e as suas imagens tão
difundidas que fui lá apenas porque achei que
era uma espécie de obrigação, uma vez que me encontrava por aquelas paragens. Quando lá
cheguei fiquei sem respiração e
vieram-me as
lágrimas aos olhos. O Taj Mahal é uma emoção.
Trata-se de um monumento funerário mandado
erigir pelo imperador Mogol Shah Jahan (1592-
1666) em memória da sua mulher.
A perfeição
da composição reflete a paixão de Shah Jahan
por Mumtaz Mahal. O mausoléu branco
encontra-se no centro de um maravilhoso
char-bagh, jardim dividido por quatro canais de
água, que enquadra maravilhosamente a obra
prima arquitetónica e ajuda a enfatizar a sua
espetacularidade. Ficou muito além das minhas
expetativas.
Veja na página seguinte: O jardim mais bonito para passear
Katsura Rikyu em Kyoto (séc. XVII)
Para mim é o jardim mais bonito que conheço
para passear. Não é apenas um jardim, é
uma obra de arte. Quando o percorremos
experimentamos uma sucessão de cenários
perfeitos, nomeadamente pavilhões de chá rústicos, lanternas,
vegetação sabiamente plantada e lagos.
A riqueza e a perfeição dos detalhes, desde
os pavimentos à plantação, das estruturas
arquitetónicas em madeira às pedras sabiamente
colocadas, é inultrapassável. Consiste numa
vila imperial com o primeiro jardim de passeio
do Japão e que passou a ser o modelo dos
subsequentes jardins da aristocracia.
As visitas a este jardim
têm, no entanto, que ser autorizadas pela casa imperial
e ser sempre previamente marcadas.
Jardins do Palácio Fronteira em Lisboa (séc. XVII)
É um extraordinário exemplo da erudição do seu
encomendador, D. João de Mascarenhas. Sem
ter as dimensões de outros jardins europeus da
época, os Jardins de Fronteira caracterizam-se
pela riqueza do significado dos seus elementos.
Monumento à Restauração e afirmação do
nacionalismo pós-1640, tem todos os elementos
típicos do jardim português com a sua magnífica
azulejaria de exterior, recantos intimistas,
revestimentos de embrechados, pequenos
lagos e zonas de estadia, entre outras. O Jardim de Buxo,
o Lago dos Cavaleiros, o Lago das Medalhas, a
Casa de Fresco, o Jardim de Vénus e a Galeria
das Artes são percurso obrigatório para quem,
como eu, gosta de jardins.
Jardim Botânico da Ajuda em Lisboa (séc. XVIII)
É o meu jardim favorito de Lisboa. Porque o
conheço muito bem, porque a ele estive e estou
ligada e porque me encanta a sua situação de
varanda virada para o Rio Tejo. Mandado fazer por
D. José para a instrução e recreio dos seus netos D. José e D. João, futuro rei D. João VI, o jardim
foi construído na ressaca do terramoto e vem
a ser o primeiro jardim botânico português.
Totalmente recuperado nos finais do séc. XX,
após uma história atribulada de decadências
sucessivas, exibe magníficos exemplares de
cobertura vegetal, alguns dos quais da época da
sua construção. Gosto muito de comer um snack,
sentada num dos bancos de pedra do tabuleiro
superior, a olhar para o parterre de buxo e para a
Fonte das Quarenta Bicas, com o Rio Tejo em fundo.
Kew Gardens em Londres (séc. XVIII)
É impossível não incluir os de Kew numa
seleção de jardins. Os seus 121 hectares de
jardins e estufas e a sua coleção de cerca de
30 mil plantas diferentes, fazem dele a maior
coleção de plantas vivas do mundo. Confesso
que não gosto das estruturas exóticas lá
introduzidas por Sir William Chambers e irrita-me
que Capability Brown, o grande génio do
jardim paisagista inglês, tenha sido rejeitado
para o cargo de jardineiro-chefe de Kew.
Mas Kew é Kew e a verdade é que as duas
magníficas estufas Palm House, Temperate
House e o mais recente Princess of Wales
Conservatory nos permitem admirar uma
extraordinária coleção de plantas, mantidas em perfeitas condições. A travessia do Treetop
Walkway, uma ponte pedonal a 18 metros do
chão, permite uma visão privilegiada do parque.
Veja na página seguinte: O paraíso das orquídeas
Jardim Botânico de Singapura (séc. XIX)
Gosto mais propriamente do National Orchid
Garden do dito jardim botânico. Imaginem-se a
percorrer um enorme jardim em que os canteiros
são... de orquídeas!
É uma visão absolutamente
magnífica e sumptuosa de algumas das espécies
vegetais mais bonitas que existem na natureza.
Os jardins de Singapura são a maior mostra
de orquídeas do mundo, com cerca de 1.000
espécies diferentes e 2.000 híbridos. É um
espetáculo de cor e forma e o único jardim que
existe aberto diariamente das cinco da manhã
até à
meia-noite.
É longe, mas, como dizem os franceses, «ça vaut le voyage». Vale mesmo a pena!
Jardim da Casa de Shigemori Mirei em Kyoto (séc. XX)
Shigemori foi um dos grandes arquitetos
paisagistas japoneses do séc. XX e um dos
meus preferidos. Considerado um «Rebelde
no jardim», título de um dos livros sobre
a sua obra, conseguiu conciliar as regras
do jardim japonês tradicional com o gosto
contemporâneo e arriscou aplicar novas
composições nos venerados jardins dos templos
de Kyoto. O jardim da sua casa é um espaço mágico de contemplação onde se observa em
silêncio a mestria da fusão da tradição com
a modernidade. Espaço pequeno, só se pode
visitar com marcação antecipada. Um dos
grandes segredos de Kyoto.
O meu jardim no Estoril (séc. XX)
Tinha que ser. Porque nele passo horas
a trabalhar. Porque é o objeto da minha
criatividade pela sua permanente mutação.
Porque passo horas a olhar para ele. Porque dá
prazer às pessoas de quem gosto. Porque é o
meu refúgio, a minha tranquilidade. Porque me
põe em paz com o mundo exterior. Porque é o
território dos meus cães. Porque lhe conheço os
pássaros que, de resto, alimento. Porque é meu.
Não está aberto ao público.
Veja a GALERIA DE IMAGENS DO JARDIM DE VERA NOBRE DA COSTA
Texto: Vera Nobre da Costa
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