Comparada com as outras divindades do panteão africano, o Orixá feminino ioruba Yemanjá é uma figura extremamente simples. Ela é uma das figuras mais conhecidas nos cultos brasileiros, com o nome sempre bem divulgado pela imprensa, pois suas festas anuais sempre movimentam um grande número de iniciados e simpatizantes, tanto da Umbanda como do Candomblé.

Pelo sincretismo, porém, muita água rolou. Os jesuítas portugueses, tentando forçar a aculturação dos africanos e a aceitação, por parte deles, dos rituais e mitos católicos, procuraram fazer casamentos entre santos cristãos e Orixás africanos, buscando pontos em comum nos mitos.

Para Yemanjá foi reservado o lugar de Nossa Senhora, sendo, então, artificialmente mais importante que as outras divindades femininas, o que foi assimilado em arte por muitos ramos da Umbanda.

Mesmo assim,não se nega o fato de sua popularidade ser imensa, não só por tudo isso, mas pelo caráter, de tolerância, aceitação e carinho. É uma das rainhas das águas, sendo as duas salgadas: as águas provocadas pelo choro da mãe que sofre pela vida de seus filhos, que os vê se afastarem de seu abrigo, tomando rumos independentes; e o mar, sua morada, local onde costuma receber os presentes e oferendas dos devotos.

São extremamente concorridas suas festas. É tradicional no Rio de Janeiro, em Santos (litoral de São Paulo) e nas praias de Porto Alegre a oferta ao mar de presentes a este Orixá, atirados à morada da deusa, tanto na data específica de suas festas, como na passagem do ano. São comuns no reveillon as tendas de Umbanda na praia, onde acontecem rituais e iniciados incorporam caboclos e pretos-velhos, atendendo a qualquer pessoa que se interesse.

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Na África, a origem de Yemanjá também é um rio que vai desembocar no mar. De tanto chorar com o rompimento com seu filho Oxóssi, que a abandonou e foi viver escondido na mata junto com o irmão renegado Oçãnhim (Oçanhe). Yemanjá se derreteu, transformando-se num rio que foi desembocar no mar. É a mãe de quase todos os Orixás de origem ioruba (com exceção de Logunnedê), enquanto a maternidade dos Orixás Daomeanos é atribuída a Nanã.

É portanto semelhante às outras mães da água, o que é compreensível, já que as diferentes tribos e nações acabaram por desenvolver o culto a um Orixá feminino específico, que relacionavam com um rio da região. No caso de Yemanjá, as lendas africanas já a identificavam com o mar, como podemos perceber pela narrativa recolhida por Pierre Verger:
Yemanjá seria a filha de Olokum, deus (no Daomé, atual Benin) ou deusa (em Ifé) do mar. Em uma história de Ifé ela aparece casada pela primeira vez com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei do Ifé, com o qual teve supostamente dez (10) filhos. Yemanjá, cansada de sua permanência em Ifé, foge mais tarde em direção ao oeste. Outrora, Olokum lhe havia dado, por medida de precaução, uma garrafa contendo um preparado (...) com a recomendação de quebrá-la no chão em caso de extremo perigo. E assim Yemanjá foi instalar-se no Entardecer da Terra, o Oeste.

A lenda diz que Olofin, rei de Ifé, lançou o exercito à sua procura, o que fez Yemanjá, no esconderijo, quebrar a garrafa. Teria, então, na mesma hora, se formado um rio que a tragou, levando-a para Okum, o oceano - morada de seu pai Olokum.

Apesar dos preceitos tradicionais relacionarem tanto Oxum como Yemanjá à função da maternidade, pôde estabelecer-se uma boa distinção entre esse conceitos. As duas Orixás não rivalizam (Yemanjá praticamente na rivaliza com ninguém, enquanto Oxum é famosa por suas pendências amorosas que a colocaram contra Iansã e Oba). Cada uma domina a maternidade num momento diferente.

Por Pai Pedro de Ogum