“Amor & Outras Mentiras” é a tua primeira comédia romântica. Este sempre foi um subgénero literário que desejaste explorar?

Sem dúvida. Iniciei o meu percurso com uma saga infantojuvenil, “A Defensora do Oculto”, e já aí a comédia tinha alguma presença. Quando me aventurei nos romances, apenas o primeiro, “Até Onde as Ondas nos Levarem”, teve um tom mais sério. “Amor na Porta da Frente” e “De Espanha sem Amor” já me permitiram explorar um pouco o fator cómico dentro de uma história, mas foi com “Amor & Outras Mentiras”, que lancei em fevereiro com a editora Saída de Emergência, que me estreei verdadeiramente neste subgénero e pude abordar de uma forma leve e descontraída e, que espero que traga aos leitores muitos risos, temas mais fortes como a homofobia e a exploração laboral. A minha intenção nunca foi, nem é, dar lições a ninguém, mas sim oferecer um momento divertido e descontraído. No entanto, acredito que por vezes podemos brincar com as situações e mesmo assim deixar alguns ensinamentos preciosos.

Pessoalmente, o que mais te cativa nas rom-com?

Gosto da previsibilidade obrigatória das mesmas. Para mim, uma rom-com é como um abraço amigo, algo que sabemos que vai acontecer de certa forma, que esperamos que assim seja e que, quando finalmente acontece, nos sentimos bem e felizes. Acho que temos muita margem para brincar dentro das rom-coms, muitas reviravoltas que podemos dar a uma história, mas o que mais me cativa é que, ao longo das páginas, estas histórias tenham a capacidade de pôr uma pessoa a sorrir mesmo quando a vida real não é assim tão feliz ou leve.

A minha intenção nunca foi, nem é, dar lições a ninguém, mas sim oferecer um momento divertido e descontraído

Tendo em conta que os teus livros sempre giraram em torno do romance e da literatura fantástica, quais os maiores desafios sentido ao aventurares-te neste novo género? Foi difícil esta transição?

Acho que foi uma transição muito natural, porque, embora de uma forma mais ténue, a comédia sempre esteve presente nos meus livros. O maior desafio, para mim, com o “Amor & Outras Mentiras”, foi evitar cair no exagero. A personagem principal, a Vanessa, é uma rapariga muito tu-cá-tu-lá, muito tranquila, desbocada e engraçada, e vê-se envolta numa situação sensível, com uma família tradicional e com valores muito antiquados e diferentes dos seus. Outro cuidado que tive foi em como abordar as duas temáticas fortes da história, a homofobia e a exploração laboral, para mostrar a realidade que hoje ainda se vive sem cair no desrespeito por ninguém.

As rom-com são vistas com um género literário menor, dentro e fora da literatura, e muitas vezes descritas como um guilty pleasure. Na tua opinião, o que poderá estar na origem desta má reputação generalizada?

Acho que não há nada de errado num guilty pleasure e penso que não é por uma rom-com poder ser vista como tal, que deve também ser vista como algo menor. Uma rom-com é suposto divertir-nos, ajudar-nos a descontrair, e acredito que seja essa a origem dessa reputação. Hoje, ainda existe muito o preconceito de que apenas os livros que nos fazem pensar, os clássicos, ou mesmo os filmes mais intelectuais é que têm um valor adicional a oferecer. Algo a ensinar. Eu acredito que não é porque uma coisa é leve e divertida que se torna vazia. Podemos tirar muitas lições de livros mais divertidos e fáceis de ler, especialmente se nos focarmos numa faixa etária mais jovem, que mais facilmente dá uma oportunidade à leitura com livros que retratem os seus dias e onde se revejam, do que com obras mais complexas.

Acreditas que o facto de a grande maioria ser escrita por mulheres poderá ter algum tipo de relação?

Acredito que sim, mas, da mesma forma que o estigma de que a literatura escrita por mulheres é inferior se está a alterar, e ainda bem, acredito que também o preconceito quanto às comédias românticas se vá modificar. Os leitores portugueses começam a ter cada vez mais interesse em livros escritos por mulheres, com grandes sucessos internacionais como a Ali Hazelwood, a Taylor Jenkins Reid ou a Sarah J. Maas, algumas das autoras mais pesquisadas dos últimos meses. Também já vemos mais interesse em autores e autoras nacionais, o que já mostra uma mudança de paradigma, com grandes êxitos, como a M.G. Ferrey no âmbito da fantasia ou a Isabel Stilwell com romances históricos.

Eu acredito que não é porque uma coisa é leve e divertida que se torna vazia. Podemos tirar muitas lições de livros mais divertidos e fáceis de ler

Já sentiste algum tipo de preconceito por parte dos teus pares, dentro e fora do mundo editorial, por te dedicares à escrita dos géneros Young AdultNew Adult e, mais recentemente, rom-com?

Nunca. Acho que esta nova geração de escritores é bastante próxima e tem como base a entreajuda. Estamos todos no mesmo barco e a trabalhar para provar que o talento nacional é tão bom ou melhor ainda do que o que vem lá de fora, seja em que género literário for.

Para além disto, também persiste o estigma em relação a quem consome este tipo de livros. De que forma é que as redes sociais e os fenómenos BookstagramBookToktêm ajudado a desconstruir este estigma?

Uma rom-com pode ser consumida por uma adolescente depois das aulas, por uma mãe enquanto o bebé dorme, por uma dona de casa, por uma mulher de negócios, e conheço até algumas avós que não têm problemas em dizer que adoram este tipo de livros. Mas também pode ser consumida por um rapaz, um homem, um avô. É uma forma de descontrair e de nos divertirmos, apenas isso, e mais do que desconstruir o estigma em relação a este tipo de livros, acredito que os fenómenos do Bookstagram e do BookTok ajudam a desconstruir algo igualmente importante para uma camada mais jovem: que ler pode (e deve) ser algo prazeroso. Sempre acreditei que quando uma pessoa não tem já em si o gosto pela leitura, apenas o consegue adquirir ao começar por livros com uma linguagem mais simples e histórias mais cativantes que vão ao encontro dos seus gostos – a verdade é que, para grande parte da faixa etária mais jovem, estes gostos não recairão nos clássicos. E é aí que as redes sociais têm tido uma grande importância ao mostrarem a estes jovens que existem diversas opções, nacionais e internacionais, e vários géneros literários que os podem cativar.

Existem leitores que se estrearam no género de fantasia com os meus livros. Outros, no de romance. E embora me dê uma enorme satisfação quando um leitor que está habituado a ler os maiores sucessos me vem dar o seu feedback quanto aos meus livros e esse feedback é positivo, sinto-me muito mais realizada quando esse feedback chega de alguém que não tem o hábito de ler e que não descansou enquanto não terminou de “devorar” as páginas.

Acredito que os fenómenos do Bookstagram e do BookTok ajudam a desconstruir algo igualmente importante para uma camada mais jovem: que ler pode (e deve) ser algo prazeroso

Tendo em conta a sua popularidade e sucesso de vendas, porque motivo as comédias românticas têm maior aceitação parte do público feminino do que pelo masculino?

Acredito que um dos motivos principais seja a identificação com as personagens. É mais comum uma comédia romântica ser contada pela perspetiva de uma personagem feminina, embora hoje, em alguns, já se insiram também os pontos de vista da personagem masculina, e isso faz com que seja mais fácil para leitoras se identificarem. Por outro lado, uma comédia romântica andará sempre à volta de… amor, relacionamentos, uma conexão mais emocional, e isso chama muito mais a atenção de um público feminino. Acredito que muitos mais homens teriam interesse nas comédias se lhes retirássemos esses fatores e adicionássemos uma maior percentagem de sátira ou uma comédia mais direcionada a outros temas. Por fim, mas não menos importante, o marketing das comédias românticas é sempre – ou quase sempre – direcionado para mulheres, o que acaba também por influenciar.

Numa sociedade digital, não é urgente uma mudança de paradigma onde se deveria, cada vez mais, cultivar o gosto pela leitura em vez de se julgar o género escolhido?

Sem dúvida. O importante é ler, e ler algo que nos dê prazer. Um dos fatores que mais leva a que as pessoas leiam menos é sentirem-se aborrecidas ao fazê-lo. Por isso, devem ler géneros que sejam cativantes para si sem se sentirem julgadas pelas outras. Rom-coms, romances românticos ou romances eróticos, bem como fantasias mais leves, são excelentes opções para cativar novos leitores, desde que adequadas às suas idades, e quanto mais depressa percebermos que não existem géneros literários inferiores, mais rápido chegaremos a mais leitores.

Um dos fatores que mais leva a que as pessoas leiam menos é sentirem-se aborrecidas ao fazê-lo

À semelhança de outras atividades de lazer, devemos ler sempre com prazer?

O tempo de lazer é suposto ser de descanso, distração, entretenimento, e algo que nos dê prazer, sempre. Se não for assim, não é lazer, mas sim uma obrigação. Por isso, sim, devemos sempre ler com prazer, seja que género literário for.