Numa situação normal, os plasmócitos, um dos vários tipos de glóbulos brancos, existem em pequena quantidade na medula óssea (cerca de 5%), sendo responsáveis pela produção de imunoglobulinas (anticorpos) com funções importantes na imunidade. Todavia, no Mieloma Múltiplo (MM) os plasmócitos anormais aumentam de forma descontrolada, com ocupação da medula óssea, e produzem excessivamente imunoglobulinas disfuncionais que serão responsáveis pelas manifestações desta neoplasia.

O MM é uma neoplasia rara. Constitui apenas 1% de todas as neoplasias e é a segunda neoplasia hematológica mais frequente. Em Portugal registam-se cerca de 600 novos casos por ano. O MM surge habitualmente em doentes mais velhos, com cerca de 65 anos, sendo pouco frequente antes dos 45 anos (apenas 3% de todos os doentes). É também mais frequente em homens e em doentes de raça negra, sem que se saiba exatamente a sua razão.

Os sintomas são pouco específicos e, na maioria das vezes, são desvalorizados pelos doentes, confundindo-os com outras coisas que vão vivendo ou associando-os a outras doenças. Comumente, os doentes referem cansaço ao longo do tempo até sentirem uma exaustão inexplicável que os motiva a recorrerem ao seu médico habitual, detetando-se anemia, que pode levar ao diagnóstico de MM. As dores e fraturas ósseas sem causa aparente levam, , os médicos assistentes a pedirem radiografias de uma forma constante, que lançarão a suspeita de MM. O aparecimento de lesão renal aguda também constitui um sinal de alerta para investigar a suspeita de MM. As infeções repetitivas, principalmente infeções respiratórias, por vezes graves, são muito comuns ao diagnóstico, mostrando existir uma alteração no sistema imune do doente e despertar para o estudo do MM.

O diagnóstico de MM é, por vezes, difícil e necessita da conjugação dos resultados de vários exames. A investigação base assenta nas principais manifestações descritas anteriormente. Inicialmente são feitas análises simples de sangue para verificar se existe anemia, cálcio aumentado ou alteração da função renal. São ainda feitas análises à urina para avaliar, por exemplo, a produção anormal de proteínas. Atendendo às dores ósseas, são realizados exames de imagem, que poderão evidenciar as lesões ósseas características do MM. Após estes resultados, e se houver uma forte suspeita, o doente deverá ser referenciado a um hematologista para estudos específicos de sangue, urina e imagem. Para além disso poderá ser necessário o estudo direto da medula óssea com uma biópsia e/ou aspirado medular.

Apesar de não se tratar de uma neoplasia hereditária, existem casos familiares de MM. Se houver um parente direto (irmão/irmã/pai/mãe) com esta doença, o risco de vir a ter MM é quatro vezes superior. A exposição à radiação e a substâncias tóxicas, derivadas dos hidrocarbonetos, assim como alguns agentes químicos como benzeno, pesticidas e herbicidas, é apontada como um comportamento de risco, embora não se consiga determinar uma relação direta. O mesmo acontece com algumas exposições profissionais, em que nunca se consegue provar a contribuição direta para o aparecimento de MM. Alguns estudos mostram que a obesidade pode favorecer o desenvolvimento desta doença.

O MM ainda é considerado uma neoplasia incurável, mas há doentes com sobrevivências longas: acima dos 15 anos após o diagnóstico e também após tratamento de recaídas subsequentes. Nos últimos anos, assistiu-se a enormes avanços no conhecimento da doença e do seu tratamento existindo, neste momento, várias modalidades terapêuticas disponíveis como  quimioterapia, imunoterapia, transplante de medula óssea. Porém, nem todos os doentes vão beneficiar de igual forma com estas abordagens. É importante que cada doente seja avaliado individualmente para se poder traçar um plano terapêutico adequado, que consiga controlar o MM e prolongar a sobrevida do doente, sem toxicidade acrescida e mantendo a sua qualidade de vida.

Um artigo do médico Rui Bergantim, Especialista em Hematologia Clínica no Centro Hospitalar e Universitário São João.