Por que motivo a relação médico-doente é tão importante na abordagem da doença?

A relação médico-doente é crucial, porque o paciente tem de estar empenhado e focado no seu tratamento. O doente tem de ter razões válidas, ou pelo menos que lhe pareçam significativas, para aderir a essa terapêutica. Os médicos têm a obrigação de garantir que os doentes sabem o que têm, que tratamentos estão a fazer e porquê. Caso contrário, não vão estar totalmente disponíveis para fazer esses tratamentos.

Quem é a médica-jornalista Sarah Jarvis?

Sarah Jarvis formou-se em Medicina pela Universidade de Oxford e é especialista em Medicina Geral e Familiar. É autora de sete livros e escreve regularmente para vários meios de comunicação social no Reino Unido. Tem um programa regular na BBC 2 sobre saúde. Sarah Jarvis é ainda consultora do site de informação Patient UK.

Essa relação também é importante para que o doente se sinta motivado a mudar de estilo de vida, tomar a medicação conforme o prescrito e ajudar-se a si próprio.

Sem essa relação, entre médico e paciente, o doente não vai ter a informação certa, não a vai procurar e não vai ter o tratamento que precisa.

Alguns médicos sentem-se enfadados com as questões dos seus pacientes. Os doentes estão mais curiosos do que há alguns anos atrás?

Sem dúvida. Os "novos pacientes" estão a fazer muito mais perguntas hoje em dia e isso agrada-me bastante. Eu sou médica de família. Fazem-me perguntas sobre tudo e às vezes - muitas vezes - não sei o que responder. Mas não existe mal nenhum nisso. Não somos especialistas numa área médica concreta e temos de saber admiti-lo.

Os médicos temem as perguntas dos seus doentes por variadas razões

O que sabemos é que, no passado, quando os médicos diziam ao paciente o que fazer, e assumiam que eles o faziam, isso não acontecia. Os doentes muitas vezes não aderiam à terapêutica ou não a cumpriam como nós, médicos, pretendíamos. Temos de encontrar uma melhor forma de quebrar essa barreira.

Médica da BBC admite:
créditos: Timo Bersee

Que forma será essa?

Ao ter uma relação médico-doente mais equitativa, mais igual, poderemos perceber a "agenda" dos pacientes e as suas reais prioridades. Só quando fizermos isso é que teremos uma hipótese significativa de os doentes fazerem mudanças a longo prazo, porque há entendimento mútuo.

Se um paciente chega à consulta a fazer perguntas, poderemos sentir-nos desafiados

Por que motivo alguns médicos têm medo ou não gostam das perguntas dos doentes?

Os médicos temem as perguntas dos seus doentes por variadas razões. A primeira tem a ver com a nossa formação médica, que nos ensina ainda – mas não tanto como no passado – que nós, médicos, sabemos mais. Por isso, se um paciente chega à consulta a fazer perguntas, poderemos sentir-nos desafiados. Isso pode ser desconfortável para o médico devido à forma como somos treinados.

O que precisamos de fazer é mudar o nosso entendimento e perceber essas questões como um sinal de interesse. Se o doente faz perguntas, significa que está motivado e à partida quer resolver o seu problema. Tem de haver uma discussão válida entre o doente e o médico.

Assim que percebermos essa questão, estaremos numa melhor posição para trabalhar numa relação de igual para igual.

Nós, médicos, não somos ensinados a vermos os doentes como nossos semelhantes. Mas tendo em conta que os médicos passam apenas alguns minutos por ano com os seus pacientes, não podemos permitir que as suas expectativas não sejam correspondidas no que toca às suas dúvidas, medos e preocupações.

Os estudantes de medicina deveriam aprender essas competências na Universidade?

Absolutamente. Não duvido disso. Por outro lado, essa aprendizagem deveria ser reforçada durante a formação prática. Os médicos precisam de aprender e de praticar com os seus pacientes: primeiro sob supervisão médica, enquanto alunos, e depois enquanto médicos internos e médicos em formação. Isso é ainda mais desafiante, porque embora possam sair da faculdade com um currículo que os ensina a lidar com o paciente, deparam-se com colegas, por vezes mais velhos, que não valorizam essas competências.

Os órgãos de comunicação social poderiam desempenhar um papel ativo nesta relação entre o médico e o doente?

Médica da BBC admite:
créditos: Timo Bersee

Os média tem um papel crucial sob vários pontos de vista: primeiro podem dar poder aos doentes. Quando digo dar poder, falo em informar, dar ferramentas e aprendizagem. Podem ainda explicar-lhes quais são as suas prioridades e dar-lhes a entender os riscos que correm e os benefícios dos tratamentos que existem.

O que é um bom doente e o que é um bom médico?

Um bom médico é um médico que reconhece que o seu paciente é uma pessoa crescida, adulta, e que tem de ser respeitada e tratada como tal. Não pode ficar com perguntas por responder. E um bom paciente é um paciente, que na mesma medida, reconhece que o seu médico também já é crescido e sabe o que está a dizer.

Nuno de Noronha entrevistou Sarah Jarvis no EYE - Museu do Filme, em Amesterdão, para onde viajou a convite da farmacêutica Boehringer Ingelheim.