A maior deficiência postural é o excesso. Excesso de postura, que, às tantas, ausenta o equilíbrio, imputando à fraqueza muscular o que é, apenas, fraqueza de perspectiva. E esta não pode ausentar a medicina de cunho mais neuronal, a visão da ciência alopática que equilibra, muito particularmente, a Oftalmologia com a Fisioterapia de maior amplitude.
A amplitude é a tolerância postural, porque o “posicionamento” depende, sobretudo, da flexibilidade da cadeia muscular posterior 1, 2, 3, e da relação desta com a mobilidade, função, anterior. A postura, entretanto, recruta a posição ocular, e esta, em conjunto com a actividade de outros receptores – mastigatório e podal 4 – cria a aferência que o corpo consome e a postura exprime. Os receptores são a voz da ascendência “sensitiva”, deles provém a riqueza do mundo exterior, ou seja, a fonte de um novo equilíbrio postural, que, constantemente, se conforma “activamente” pela vertente “agónica” da relação dos centros superiores com o que é seduzido pelos “sentidos”. A dualidade epistémica demarca a harmonia, o desequilíbrio é polarizador e convida à tensão “posterior”. Cabe ao terapeuta propiciar o “alongamento” neuromuscular, mas, se este se exceder, os músculos “enfartam-se” e surge a “angina”, a algia, bem como a disfunção, que é o oposto da despolarização terapeuta-paciente (agente-percipiente, Sujeito-Objecto). Reforçar ou alongar excessivamente é providenciar a ligação desarmónica com o meio, pode, até, ser que o “excesso” da musculatura óculo-motora “recrie” a deficiência postural, mas a maior deficiência, a vera cegueira, provém de olvidar o aspecto neuronal, que é, seguramente, o grande agente do estado muscular. E, para ele, o equilíbrio é o que propicia a função indolor, que, de mais a mais, compatibiliza a recepção terapêutica com a nova atitude neuromuscular, o estado do Objecto músculo-esquelético com o da verdade do Sujeito cognitivo.
A dualidade reitera a relação equilibrada do fundo epistemológico que inclui fisioterapia articular e medicina neurológica, mas, atendo à riqueza do mundo terapêutico, é preciso criar a aceitação de outros equilíbrios, de outras posturas “correctas”, que, ademais, permitem desafiar a própria estabilidade científica, compondo uma nova visão, novel fisiologia, que, mais uma vez, não pode esquecer o papel dos “centros superiores”, e do receptor visual, que é, ainda assim, o fulcro das “cadeias musculares”, do eixo raquidiano que tende para o crescimento espiritual, fazendo ressentir renovadas formas de equilíbrio álgico, em que o caminho para o Insofrimento é cumprido na novel visão cega, lucidez da actividade céptica, inclusa de terapeutas, médicos e outros pacientes, na abrangência do que parece esperar a nova Fisioterapia, em substituição da via frequentemente passiva, que tem gerado a deficiência postural de uma clínica 5 que resvala, consecutivamente, entre os excessos dogmáticos das teorias e os excessos fortificadores do “labor” 6 cientificista.
Assim sendo, cabe à Fisioterapia genuinamente harmónica apreender do olhar da Oftalmologia aquilo que poderá consignar o seu equilíbrio empírico, o que demora a acontecer na obrigatória promessa epistémica. Não basta que existam fisioterapeutas “oculares”, “neurológicos”, ou ortoptistas, porque é a própria Ortodoxia que precisa de aprender a flexibilizar-se, reforçando o lugar da clínica bio-psico-social, e escusando todas as abordagens pouco evidentes que, constantemente, desafiam o equilíbrio epistemológico e profissional em Saúde. Haja, assim, uma relação renovada entre as artes, os “pathos”, sendo que dela queremos esboçar não a regra cega, mas a cegueira de dogmatismos, a lucidez orbital, a evidência óptica e reflexiva, a filosofia da refracção angular e sistémica.
Referências bibliográficas
1. Coelho L. O anti-fitness ou o manifesto anti-desportivo. Introdução ao conceito de reeducação postural. Quinta do Conde: Contra-Margem, 2008.
2. Mézières F. La révolution en gymnastique orthopédique. Paris: Vuibert; 1949.
3. Souchard Ph-E. Le champs clos. Paris: Maloine; 1981.
4. Bricot B. Posturologia (3ª edição). São Paulo: Ícone Editora; 2004 (edição brasileira).
5. Foucault M. Les mots et les choses. Gallimard; 1966.
6. Marcuse H. Eros and Civilization – A philosophical inquiry into Freud. Boston: Beacon Press; 1966.
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