A saúde mental está entre os principais desafios de saúde pública do Século XXI. Para debater novos caminhos a propósito deste tema, a The Clinic of Change promove a 20 de setembro, em Lisboa, um encontro “aprofundado e transversal sobre as mais valias clínicas e os desafios que novas abordagens terapêuticas podem trazer”. Assim lemos na nota que apresenta a conferência científica subordinada ao tema “Ketamine Psychotherapy – Clinical Evidence and Brain Mechanisms”, iniciativa que, entre as 9h00 e as 12h30 (Auditório da PLMJ Advogados, Lisboa), se propõe abordar a psicoterapia assistida por cetamina, uma terapêutica inovadora no campo da saúde mental com vista ao tratamento, entre outros quadros, da depressão, ansiedade, burnout ou esgotamento, stress pós-traumático, distúrbios alimentares e vários tipos de adição, nomeadamente o alcoolismo. Refira-se que a cetamina é, atualmente, a única substância psicadélica autorizada para fins médicos em Portugal.
“A cetamina, utilizada há décadas em contexto médico e um recurso em urgências hospitalares, cria um estado de consciência aumentada que, quando combinada com apoio terapêutico, contraria os processos cerebrais negativos que prendem os pacientes a certos padrões de comportamento e pensamento, libertando-os para processarem emoções profundas e memórias reprimidas, atingindo assim uma mudança efetiva. A cetamina aumenta a plasticidade cerebral (flexibilidade) e a conectividade, o que significa que pode ajudar a encontrar novas perspetivas para problemas antigos – leva o paciente a um novo padrão cognitivo e de consciência que facilita a intervenção terapêutica”, refere a equipa da The Clinic of Change.
A 20 de setembro, os participantes na Conferência “Ketamine Psychotherapy – Clinical Evidence and Brain Mechanisms” (inscrições aqui) terão a oportunidade de escutar o britânico David Nutt, psiquiatra e professor de Neuropsicofarmacologia na divisão de Ciências do Cérebro no Departamento de Medicina do Imperial College de Londres.
David Nutt é especialista no uso de técnicas de imagiologia do cérebro para compreender as causas da adição e de outras disfunções psiquiátricas, empenhado na descoberta de novos tratamentos.
A par da presença do especialista e investigador britânico, a conferência organizada pela The Clinic of Change, em parceria com o ISBE – Instituto de Saúde Baseado em Evidência e o ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, contará com um painel de debate com figuras de relevo no campo da investigação, ética e prática clínica no âmbito da saúde mental em Portugal (ver caixa).
A antecipar a presença de David Nutt em Portugal endereçámos algumas questões ao homem que dirige o Centre for Psychadelic Research do Imperial College de Londres, que se dedica ao estudo do uso prático e clínico dos psicadélicos, com vista, sobretudo, ao tratamento da depressão.
Estuda o efeito das drogas no cérebro humano há mais de cinco décadas. Qual a descoberta que mais o fascinou até ao momento?
O facto de os psicadélicos poderem “reiniciar” o cérebro face a transtornos tais como a depressão e o vício. O uso de psicadélicos é o maior avanço dos últimos 50 anos nas terapêuticas aplicadas à psiquiatria.
Sobre o uso prático e clínico de psicadélicos, o que sabemos hoje neste campo que era desconhecido, por exemplo, há dez anos?
A forma como os psicadélicos funcionam nos circuitos cerebrais e como estas mudanças predizem os resultados clínicos.
O consumo de psicadélicos ainda causa algum alarme social. É uma posição preconceituosa?
Sim, são raramente nocivos quando usados racionalmente e mesmo de baixo risco quando usados clinicamente.
O objetivo da sua visita a Portugal é falar sobre a cetamina. Esta é usada há décadas em contextos médicos. Quer explicar aos nossos leitores do que se trata?
A cetamina foi desenvolvida como um anestésico seguro. Investigações recentes revelam que também pode ter propriedades antidepressivas e no combate a diferentes tipos de adição, assim como outros psicadélicos como a psilocibina. Mas a cetamina é muito mais fácil de usar do que outros psicadélicos e é um medicamento aprovado pelas entidades com competência para tal.
Como especialista, estuda a relação entre cetamina e psicoterapia como forma de tratamento, por exemplo, para depressão e dependência. Como foi descoberta essa relação vantajosa para o paciente?
Por inferência do trabalho anteriormente desenvolvido com a psilocibina no campo da depressão e dos vícios. A cetamina produz mudanças cerebrais similares à psilocibina, o que permite abordagens psicoterapêuticas mais eficazes.
Como se explica que a cetamina possa ajudar na psicoterapia?
Torna o cérebro mais “flexível” e aberto para pensar diferentemente sobre os problemas que acometem o individuo. Também revela efeitos na neuroplasticidade, tornando mais fácil desenvolver novas formas de pensar.
Quais os mecanismos cerebrais que a cetamina desencadeia?
Quebra laços de pensamento redundantes, o que permite aos pacientes a oportunidade de se libertarem desse caminho.
Que comportamento revela a pessoa em tratamento com cetamina?
O individuo apresenta um estado introspetivo e tranquilo.
Existem riscos associados à administração de cetamina?
Poucos quando a administração se dá em ambientes médicos. Apenas os problemas médicos associados a tensão alta.
Todos os indivíduos são elegíveis para o tratamento com cetamina?
Quase todos. A vantagem da cetamina sobre outros psicadélicos é que esta funciona mesmo em pessoas que estão a tomar antidepressivos. No caso de outros psicadélicos, a sua administração tem de ser interrompida antes do tratamento.
Pode indicar-nos algumas evidências que apoiam os resultados positivos do uso de cetamina em psicoterapia?
Há diferentes trabalhos publicados sobre dependência do álcool. Fundam-se numa experiência clínica de 18 meses em vários grupos, incluindo nos casos de depressão e outros transtornos.
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