HealthNews (HN)- Há cada vez menos jovens médicos interessados pela Medicina Geral e Familiar. Veja-se o número de vagas que ficou por preencher nos últimos concursos. Enquanto presidente da APMGF como explica este desinteresse?
Nuno Jacinto (NJ)- Penso que o problema não está propriamente na especialidade em si enquanto ramo da Medicina. O problema tem a ver com as condições que existem no Serviço Nacional de Saúde, quer para os especialistas, quer para os médicos internos. O que acontece é que muitos colegas optam por nem sequer entrar no internato ou no final da sua especialização saem do SNS. Já temos lançado muitas vezes esse alerta. As condições não são atrativas e continuamos ano após ano a ter vagas sem preencher. Há quem diga que atualmente são abertas mais vagas, mas o que é certo é que temos colegas que poderiam ocupar essas vagas e que acabam por não o fazer. Portanto, este problema deveria obrigar a uma reflexão profunda.

HN- No final de Dezembro, 1,7 milhões de utentes continuavam sem médico de família atribuído. Qual a importância da MGF na promoção da saúde e prevenção da doença?

NJ- A Medicina Geral e Familiar tem um papel central em todos os sistemas de saúde e em toda a sua organização. É por isso que a própria Organização Mundial da Saúde há muito que defende os cuidados de saúde primários. Sabemos que é muito mais custo-eficaz apostar em cuidados de proximidade e numa medicina de prevenção. Os custos de um doente diabético que é acompanhado ao longo de muitos anos não são os mesmos daqueles que não são seguidos pelo seu médico, pois é com estes doentes que gastamos mais dinheiro devido aos internamentos, cirurgias e incapacidades. Portanto, a MGF e os CSP têm uma importância central. Se conseguirmos colocar esta especialidade no centro, e não estivermos preocupados com o gasto imediato que vamos ter, vamos começar a ter uma população com melhores níveis em saúde.

HN- Que medidas propõe para aumentar o acesso dos cidadão aos CSP?
NJ- Os cuidados de saúde primários precisam dos recursos humanos para poder funcionar com qualidade e segurança. Precisamos de médicos de família, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas e assistentes técnicos. Mas focando-nos mais nos médicos, estes colegas precisam de ter melhores condições de trabalho. As medidas passam por: uma remuneração digna, uma carreira e uma progressão mais célere, maior autonomia das equipas, melhores sistemas de informação e equipamentos clínicos.

HN- Apesar de as vossas inúmeras reivindicações, o que é certo é que conseguiram um aumento salarial de 15% e uma valorização conforme o desempenho nas USF. Pese a conquista, a verdade é que se ouvem queixas no terreno de que os salários, particularmente do pessoal não médico, não está a ser realizado de acordo com as regras do modelo B. O que se passa realmente?

NJ- O que se passa foi que foi implementada uma evolução de modelo B diferente daquele que existia antes, dificultando, em grande medida, o acesso aos vários suplementos que caraterizam este sistema de pagamento pelo desempenho. Isto acontece a médicos, enfermeiros e secretários clínicos.

Em relação ao 15% de que falava. Essa questão não é totalmente verdade. Ao contrário do que foi dito muitas vezes, há médicos que ao passarem para este novo modelo perderam parte da sua remuneração. Os colegas que passaram de UCSP ou de USF modelo a, para o modelo B saíram prejudicados. Portanto, aquilo que era apresentado como a resposta a uma reivindicação há muito desejada, não cumprida nos moldes em que era desejada… Ainda não chegámos onde queríamos estar.

HN- Dezenas de profissionais dirigiram recentemente uma carta à ministra da Saúde, onde pedem alteração ao modelo de ULS. Qual a postura da APMGF em relação a este modelo?

NJ- Aquilo que sempre dissemos foi que o problema não são as bases do modelo em si. A questão da integração dos cuidados e da melhor eficiência na gestão dos recursos é consensual entre profissionais de saúde. O problema passa pela forma como isto se executa. Houve sempre um receio por parte de todos nós, nos cuidados de saúde primários, de que existisse uma subalternização em relação aos cuidados hospitalares neste modelo de ULS. Ao que parece isso pode estar a acontecer em algumas regiões. É preciso entender que as realidades são diferentes de região para região. É por isso que essa carta surge na sequência de um local onde existia uma boa articulação entre as instituições.

Pode parecer um paradoxo, mas este modelo de ULS precisa de uma coisa que não tem neste momento: linhas orientadoras que definam as competências, os papéis dos profissionais de saúde e os vários níveis de cuidados para que se saiba como é que tudo isto deve funcionar. Não podemos viver nesta incerteza. Tudo isto causa muita entropia no sistema. Há competências que ainda não se sabe a quem é que pertecem. Portanto, o erro não estará no modelo em si, mas sim na forma como está a ser aplicado. É muito difícil fazer mudanças quando os profissionais não são envolvidos. Só assim é que temos a noção real dos problemas que existem no terreno.

HN- Como olha para a decisão anunciada pelo Governo de manter a extição das ARS?

NJ- Estamos numa fase em que o que importa é que se decida e que haja um rumo definido e que este rumo seja mantido. Isso tem que ser claro. Tem que haver um entendimento e uma lógica de “pacto” para a Saúde. Não podemos estar a mudar tudo sempre que muda o Governo, sobretudo numa altura em que as legislaturas não duram o tempo de deveriam.

Em relação às ARS, estas já foram muito esvaziadas nas suas competências. Portanto, a decisão de manter a sua extinção tem de levar a que todos estejamos conscientes do impacto e consequências esta decisão. Temos de definir de forma clara a quem é que são atribuídas as competências. Este limbo em que nos encontramos acaba por gerar mais confusão. Pior do que decidir mal é mesmo não decidir.

HN- Novas medidas irão ser tomadas pelo novo Executivo. Qual a sua expectativa em relação ao futuro dos CSP e dos médicos de família?

NJ- A nossa expectativa é estarmos na expectativa. Acreditamos que é possível aumentar e reforçar o nosso papel e assumir de uma vez por todas esse lugar de destaque no sistema. O que é facto é que ainda pouco se sabe sobre aquilo que vai ser feito em relação aos CSP. Ainda não se sabe qual vai ser o futuro e o que é que vai ser feito para acabar com o desencanto que tem vindo a crescer nos últimos anos.

Há outro aspeto que também nos preocupa: na equipa que está a elaborar o plano de emergência para a saúde não há nenhum médico de família. Enquanto associação ainda não fomos consultados nem ouvidos para dar os nossos contributos sobre os meses que se avizinham.

HN- Qual a mensagem que deixa para o Dia Mundial do Médico de Família?

NJ- Este ano o lema é “Planeta Saudável, Pessoas Saudáveis” e, no nosso entender, é muito adequado porque os médicos de família têm esta visão global e holística da saúde.

Entrevista de Vaishaly Camões