Em conferência de imprensa hoje em Lisboa, o presidente da comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), Gonçalo Cordeiro Ferreira, considerou este caso como “uma grande vitória da vida”.

O bebé, um rapaz, nasceu com 2,350 quilos, depois de uma gestação de 32 semanas com a mãe em morte cerebral desde o dia 20 de fevereiro, ou seja, há cerca de 15 semanas. Encontra-se nos cuidados intensivos neonatais, mas está de boa saúde.

“A mãe foi uma incubadora viva e doou o seu corpo ao seu filho”, afirmou Cordeiro Ferreira, adiantando que o bebé viveu numa grande estabilidade dentro do útero materno.

Os especialistas do CHLC entenderam levar adiante a gravidez da mulher de 37 anos em morte cerebral devido a uma hemorragia intracerebral. O feto não indicava na altura da morte materna ter sofrido com o que tirou a vida à mãe.

Este caso, um “facto inédito na Medicina portuguesa”, foi vivido com emoção pelos profissionais que acompanharam a situação ao longo de três meses e meio.

“Ontem [terça-feira] houve uma carga emocional fortíssima. (…) Mesmo em profissionais que estão habituados, vimos nos seus rostos a emoção”, afirmou a presidente do Conselho de Administração do CHLC, Ana Escoval.

Uma "história de contrastes"

Também o diretor clínico do hospital de São José, António Sousa Guerreiro, sublinhou que se trata de uma “história de contrastes”: “Temos uma profunda tristeza com a morte de alguém e um momento de alegria com o nascimento de uma criança”.

Susana Afonso, especialista dos neurocríticos, admitiu igualmente que “é impossível do ponto de vista emocional não ficar afetado” com esta história.

Apesar da componente emocional e afetiva do caso, os profissionais garantem que a base de todas as decisões foi racional. Primeiro decidiu-se a viabilidade do feto e considerou-se que havia condições para o processo poder avançar.

O apoio da família à decisão foi fundamental, acrescentou Sousa Guerreiro.

Relativamente ao nascimento do bebé, o diretor clínico lembrou que ainda se está “numa viagem (…) todo um percurso a percorrer com a maior otimização técnica”.

Quanto à manutenção da gravidez com a mãe em morte cerebral, os especialistas explicaram que foi dado o suporte hormonal e nutricional necessário para a manutenção das funções vitais e para o desenvolvimento da gestação.

“Os fármacos administrados foram aqueles que o organismo produz quando as funções vitais estão intactas”, afirmou aos jornalistas Ana Campos, obstetra da Maternidade Alfredo da Costa – que pertence ao CHLC – e que acompanhou o caso.

O momento do nascimento, por cesariana programada, ocorreu quando foram atingidas as 32 semanas de gestação , uma idade gestacional em que a sobrevivência é muito elevada.

Segundo a neonatologista Teresa Tomé, além da idade gestacional permitir alguma segurança em termos de sobrevivência, os médicos quiseram preservar o recém-nascido de “uma incubadora artificial” da qual se desconhecem as consequências.

De acordo com a equipa de profissionais, o nascimento de um bebé com mãe em morte cerebral há 15 semanas é um facto inédito na medicina portuguesa, mas terão já havido outros casos a nível internacional.

Segundo Ana Campos, um estudo internacional de 2010 indica que a duração de gestações com as grávidas em morte cerebral foi de entre dois a 107 dias. O caso de São José durou precisamente 107 dias.

Este bebé, o segundo filho da mulher de 37 anos declarada morta desde 20 de fevereiro, vai ser acompanhado na neonatologia com as mesmas cautelas de outros prematuros, estando neste momento bem de saúde, mas a necessitar de incubadora e de suporte respiratório.

Prevê-se que possa sair dos cuidados intensivos dentro de três semanas, se estiver estável, como acontece com outros prematuros.

Quanto ao futuro da criança, os profissionais mostram-se otimistas mas não se comprometem com garantias quanto ao seu desenvolvimento.