Decorreu, no passado dia 18, mais um processo eleitoral. Não me canso de afirmar que as eleições são a seiva da democracia – sendo que, por consequência, toda a despesa associada configura um investimento cívico e social.

Por outro lado, independentemente do resultado, é imprescindível respeitar o processo. Tal pressupõe não desmerecer eleitores ou diminuir opções políticas, por menos empáticas que nos sejam.

Ouvi todo o tipo de análises sobre os resultados destas eleições. E li um rol de comentários, em sede de redes sociais, sobre o novo panorama político português. Constatei uma discussão muitas vezes inflamada e, demasiado frequentemente, intolerante.

Se na pandemia de COVID-19 sobreveio uma epidemia de “epidemiologistas”, no presente assistimos à pululação de “politólogos” e de “cientistas” políticos. Além do viés político-partidário ser por demais evidente, por parte deste último grupo, os resultados das eleições espelham uma realidade sociológica dissociada da realidade percecionada pelos partidos “tradicionais” e, sobretudo, pelos centros da “intelectualidade” lisboeta e nacional.

Enquanto português que constata a realidade do dia-a-dia, interpreto os resultados eleitorais como decorrentes do cansaço de uma maioria que vem sendo sistematicamente ignorada pelos partidos políticos “tradicionais”.

De acordo com Geoffrey Rose (1926-1993), célebre epidemiologista britânico, para que uma intervenção se traduza em resultados em saúde populacional deve impactar muitos, mesmo que o ganho de cada um seja reduzido. O oposto (i.e., intervir sobre poucos, ainda que com muitas necessidades individuais) traduz-se em ganhos individuais elevados, mas sem expressão populacional.

Se também é verdade que, em termos de desempenho dos sistemas de saúde, a melhoria dos resultados em saúde implica intervir eletivamente sobre os que têm mais necessidades (equidade), em todas as situações não nos podemos esquecer que o número faz o resultado em saúde pública. E faz, seguramente, o resultado eleitoral…

As “bandeiras” dos partidos “progressistas” já não arrastam multidões nem motivam eleitores. Num Mundo preocupantemente turbulento, o cidadão comum privilegia a estabilidade – entenda-se, um dia-a-dia com a normalidade possível.

Por outro lado, os partidos do regime democrático estão perante a entropia: não se renovando, vão acabar asfixiados, perante um ar interior viciado pelo servilismo oportunista e pelo compadrio. Promover, de forma enérgica e efetiva, a sua própria renovação, abrindo as portas à sociedade civil e aos portugueses de boa vontade, é a única estratégia de sobrevivência possível.