HealthNews (HN)- O que é que este reconhecimento significa para si e para o país?

Helena Canhão (HC) – É um prémio para integrar a equipa de ciência do Mediterrâneo concedido pela União Europeia. O júri é nomeado pela Associação das Mulheres Reitoras Europeias. Este prémio Mednight, no fundo, é um projeto da União Europeia que pretende, em cada ano, distinguir 11 mulheres que possam servir de inspiração a mais jovens cientistas e que, ao mesmo tempo, desenvolvam investigação que responda às necessidades da população. No ano passado, na primeira edição, não houve nenhum português que tivesse sido galardoado. Este ano, sou a representante portuguesa. E portanto, é uma honra enorme, porque é a primeira vez que temos o país representado. Os outros países são da Bacia do Mediterrâneo: Itália, Turquia, Espanha, Marrocos, Tunísia, Chipre, Líbano e Síria, além de Portugal. E escolhem-se 11 pessoas, à semelhança de uma equipa de futebol, que podem ser representantes deste prémio para inspirar outros. Também simboliza a união da ciência nos países mediterrânicos. O facto de estarmos representados enquanto país penso que é um orgulho enorme e é pôr Portugal no mapa. Acho que isso é importante para mim, para a NOVA Medical School, mas também, obviamente, para o país.

HN- Hoje, é imprescindível pensar a investigação além-fronteiras?

HC – Sim, completamente. Por um lado, porque estamos inseridos na União Europeia e obviamente que, neste momento, não é só Portugal, é toda a União Europeia que está unida para responder a desafios societais. Depois, temos também a comunidade dos países de língua portuguesa e estamos inseridos no mundo como um país democrático que tenta também responder aos desafios sustentáveis das Nações Unidas. Por isso, a investigação e o conhecimento também têm de ser cada vez mais internacionais, não só porque não temos que estar sempre a inventar a roda e podemos trazer boas práticas que se fazem lá fora, mas nós próprios também exportamos o conhecimento que temos aqui. Sobretudo, ter colaborações internacionais e trabalhar em rede é fundamental para o desenvolvimento da ciência, mas também para o desenvolvimento da economia e de toda a população. A investigação deve estar não só atualizada como a trabalhar em rede com pessoas de outros países.

HN- Este seu percurso investigativo ramificado tem sido uma surpresa ou há um plano muito ponderado?

HC – Um plano ponderado é sempre impossível, e sobretudo porque numa carreira da ciência concorremos frequentemente a candidaturas e perdemos. Não podia mesmo ter delineado. Mas também a minha carreira como cientista é diferente de outras, porque sou médica de base, sempre vi doentes, fiz clínica e desenvolvi a carreira hospitalar com a especialidade de reumatologia. Fui dando sempre aulas e estive sempre ligada à faculdade. Eu penso que não é só na medicina, mas na medicina nós precisamos mesmo de também investigar e estar atualizados para prestarmos os melhores cuidados aos doentes. A vida assistencial, de docência e de investigação estão muito interligadas, e depois, às vezes, há uma atividade que é predominante em relação a outra por circunstâncias da vida ou porque, por exemplo, temos uma candidatura que ganhamos e, portanto, podemos ter mais algum tempo dedicado a um projeto. Agora, como diretora da faculdade, estou muito ligada à gestão, à organização.

Ao longo da vida, e da carreira, há atividades que umas vezes são preponderantes em relação a outras, mas vão-se desenvolvendo em bloco e vão, no fundo, desenvolvendo algo que tem um caminho, que tem uma estratégia. Mas dizer que é tudo programado, não. É mesmo impossível. Até porque, e isto também é muito importante, vamos na vida tendo acontecimentos pessoais e familiares que fazem com que a nossa vida profissional e as nossas prioridades mudem, como é lógico. Somos um todo.

HN- Começou a fazer investigação logo no internato. Desde então, o que há de mais especial nesse ramo da sua carreira?

HC – Eu comecei a fazer muito cedo investigação. Acho que também é muito importante o ambiente que nos rodeia e a educação que temos. Penso que é importante transmitir isto aos nossos filhos e aos nossos estudantes. O ambiente que nos rodeia faz toda a diferença. Claro que é muito importante a personalidade da pessoa, o que ela gosta de fazer; mas se nós estivermos a vida inteira a lutar contra algo e não tivermos condições nenhumas – e isso é o que acontece muitas vezes com pessoas que não têm tanto acesso à educação, têm dificuldades económicas, etc. –, isso dificulta muito mais o desenvolvimento. Nós dizemos que o mundo vai sendo igual para todos, mas sabemos que não é bem assim. Mesmo aqui nos nossos estudantes, tentamos oferecer as melhores condições, mas o que eles têm em casa também determina muito o que podem desenvolver. E isto não tem só a ver com condições económicas, tem a ver, também, com o ambiente que os estimula ao conhecimento.

Quando comecei o internato no Hospital de Santa Maria, depois de ter feito o curso, o ambiente no meu serviço estimulava muito a investigação. Eu gostava, mas também houve apoio nesse sentido. E acho que é isso que devemos fazer enquanto pessoas responsáveis por algumas instituições, por alguns lugares: estimular os outros, que são mais novos ou que hierarquicamente dependem de nós. Estimulá-los a crescer e a desenvolverem-se. Para mim, houve desde muito cedo este estímulo, com o meu diretor de serviço, o Professor Viana Queiroz, que nos estimulava a todos a investigar e a querer conhecer mais, e a tratar melhor os nossos doentes, estudando mais e investigando. Claro que há pessoas que agarram essas oportunidades, ou que têm gosto, e há outras que não. Mas fui sempre estimulada a isso. E ao longo do internato, da especialidade e da vida profissional, acabou por ser uma prioridade bem conseguida e que teve sucesso.

HN – O que a manteve perto da investigação foi gostar de estudar e querer fazer o melhor pelos doentes?

HC – A ciência e investigação têm várias vertentes. Há pessoas que gostam mais de investigação mais fundamental, de mecanismos… No meu caso, foi sempre ligada à medicina, à saúde, ao envelhecimento, às doenças músculo-esqueléticas; mas sempre muito aplicada à população, à saúde do indivíduo, à prevenção. Está muito ligada com a atividade assistencial, com a melhoria da qualidade de vida dos doentes e perceber quais são os determinantes para correr mal uma doença, para o prognóstico ser pior, como é que nós podemos ajudar os idosos a ter melhor qualidade de vida e a viver melhor, como é que conseguimos manter um idoso em casa mais tempo, sem ser institucionalizado, como é que conseguimos melhorar a sua função para continuar mais autónomo. Também fui responsável pela consulta de reumatologia pediátrica no Hospital de Santa Maria e trabalhei sempre muito com crianças. No fundo, foi sempre muito os extremos de idade. E nas crianças, como é que podemos melhorar a dor e permitir que vivam sem sofrimento. É uma investigação muito aplicada, que tem muito a ver com a profissão que tenho.

HN- É simultaneamente médica, investigadora e líder. Como alcança a excelência nas três áreas?

HC – Eu acho que o que acontece é que, às vezes, como eu estava a dizer, estamos a desenvolver mais uma atividade; outras vezes, podemo-nos dedicar mais a outras. Mas isto vai tudo em paralelo. A pessoa vai crescendo, vai-se desenvolvendo e acaba por desenvolver várias valências. Só que também é verdade que tem de haver algum foco, porque se fazemos muita coisa ao mesmo tempo, é difícil fazermos bem. Por um lado, o que fazemos tem de ser complementar e em áreas em que realmente sabemos. Para conseguirmos que as coisas corram bem, com sustentação ao longo do tempo, temos de saber do que fazemos. Temos de aprender a trabalhar com quem sabe e estar informados. Temos de ter uma boa rede. Porque nós não sabemos tudo. Se tivermos uma equipa que trabalha bem, conseguimos resolver problemas, porque estamos todos juntos e cada um tem as suas competências. Mas a pessoa não pode, de uma forma irresponsável, saltar de pé e estar a fazer coisas que não sabe fazer, e acho que isso também tem a ver com o bom senso e com a autoavaliação.

Acho que se consegue ser bom nalgumas coisas. Há outras em que não somos tão bons e temos de deixar para quem saiba fazer. Tem de haver este equilíbrio entre irmos investindo no conhecimento, irmos produzindo também nós conhecimento, partilharmos com os outros, aprendermos com os outros e, depois, tentarmos ser cada vez melhores.

HN – A liderança feminina no setor da saúde em Portugal está bem e recomenda-se?

HC – O número de mulheres a participar no setor da saúde tem vindo a crescer. Nós, neste momento, na NOVA Medical School, em Medicina, temos à volta de sessenta e tal por cento de raparigas, e na licenciatura de Nutrição são mais de 90%. Em termos de ensino superior e de formação, já há muito mais mulheres do que homens, e na Medicina também. Em relação a cargos de liderança, aqueles que dependem da antiguidade ainda estão muito com os homens, porque aqui há uns anos havia mais homens do que mulheres e havia melhores condições para os homens progredirem – por um lado, porque o cuidar das crianças estava muito entregue às mulheres. Eu até tive os meus filhos cedo, logo quando acabei o curso, mas as minhas colegas do internato adiavam ter filhos, porque iria prejudicá-las em relação aos homens.

Acho que não estamos numa fase em que a liderança no feminino seja algo bem implementado em Portugal, mas cada vez mais temos condições iguais, cada vez há mais mulheres a serem formadas e com boa formação. Penso que chega uma altura em que já não é uma questão de género. Ser homem ou mulher, não é isso que conta. Há outras capacidades e competências que realmente determinam a liderança.

HN – Que conselho daria aos jovens e menos jovens que querem fazer investigação na área da saúde?

HC – Investigação, como tudo, tem de estar associada à formação. Independentemente da atividade que os jovens ou os mais velhos queiram desenvolver, acho que o princípio de tudo e o suporte é a pessoa ter formação na área, porque quando aprendemos, temos formação e conhecimento, as oportunidades que aparecem, nós podemos agarrá-las, porque estamos formados para isso, porque estamos preparados. Por isso, quando se inicia qualquer percurso, devemos aprender o mais possível sobre isso, até quando mudamos de carreira ou mudamos de emprego, ou vamos para uma nova função. É muito importante que nos formemos. E as fontes de formação podem ser várias, desde livros a cursos ou aprendermos com os outros que, por exemplo, já estão na instituição para onde nos mudamos.

Quando começamos a fazer investigação, é porque temos questões que queremos ver respondidas. É um bocadinho como os jornalistas. Se já tiver numa determinada área e tiver conhecimento, começa a ter questões e começa a querer saber. Investigar é isto, responder a questões que nos rodeiam. Investigar é formular uma questão e depois, através de um método científico mais sistematizado, ir à procura e começar a desenvolver a metodologia e os meios para poder responder.

Para se fazer investigação, independentemente da área, eu diria que é muito importante que as pessoas estejam educadas e tenham conhecimento do setor onde querem trabalhar, e a partir daí começam a surgir questões de investigação e aprende-se qual é a melhor forma de responder. Depois, é um caminho que está muito dependente ou das instituições onde as pessoas trabalham ou de financiamento externo. Ter uma equipa de suporte também é importante, o tal ambiente. Vai ter de ser um ambiente que facilite e que dê suporte à pessoa, para ela poder fazer investigação. Podem recorrer a orientadores ou a supervisores, pessoas que estão a trabalhar na área que possam ser um suporte, e ir a instituições onde encontrem meios para desenvolver a investigação.

HN – Algum sonho por concretizar que queira partilhar connosco?

HC – Agora as minhas funções têm mais a ver com a direção da faculdade. Estou só há um ano nestas funções, portanto tenho vários sonhos relacionados com a NOVA Medical School. O que nós estamos agora a fazer é tentar melhorar o ensino da Medicina e da Nutrição, desenvolvendo um currículo que permita que os alunos que aqui entram aos 18 anos saiam seis anos depois o mais bem formados possível. Depois é a vida real, um bocadinho selva às vezes, e queremos que vão bem preparados. É nisso que estamos a trabalhar: rever o currículo, rever os instrumentos de ensino, rever a forma como podemos ensinar nos hospitais, a forma como podemos também fazer isso através de simuladores e de novas tecnologias. Queremos expor estes estudantes a várias situações para que estejam o mais preparados possível quando forem lá para fora tratar de pessoas – não só porque isso é importante para eles, mas, sobretudo, porque é importante para os doentes e para a população em geral que vai contar com eles.

Entrevista realizada em fevereiro de 2023

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HN/RA