Durante a leitura do acórdão, o juiz presidente disse que foi dado como provado que o enfermeiro se manteve no corredor da maternidade, alegadamente a ler artigos científicos da sua área profissional, "descurando" o controlo visual dos registos cardiotacográficos da parturiente, que esteve mais de uma hora "sem a vigilância correta e adequada".

Devido a esta "manifesta desatenção", o arguido "não interveio nem chamou a equipa médica, obstetra e anestesista a intervir como devia junto da parturiente", tornando-se impossível reverter a paragem cardiorrespiratória da mesma, evitando a sua morte e do feto que se preparava para dar à luz. Quanto à sua colega, o tribunal concluiu que a mesma não teve qualquer responsabilidade nestas mortes, pois não se provou que tenha assumido temporária ou definitivamente a responsabilidade de acompanhamento da parturiente.

Os dois arguidos estavam acusados de dois crimes de homicídio por negligência, mas o coletivo de juízes deu como provado apenas um deles, por entender que o feto "não tem personalidade jurídica", ao contrário do que foi defendido no despacho de pronúncia e confirmado pela Relação. "Sem a aquisição de personalidade, antes de nascer, não se pode falar ainda de uma pessoa", explicou o juiz presidente, Raul Cordeiro, lembrando que o legislador decidiu não penalizar o aborto negligente.

À saída da sala de audiências, o advogado do único condenado escusou-se a prestar declarações. Já os advogados dos assistentes admitiram recorrer da decisão. "Ao nível da absolvição em relação ao feto, parece-me que teremos de fazer alguma coisa e em relação à enfermeira ainda vou ponderar o que é que iremos fazer, porque acho que não será suficiente este resultado", disse a advogada Susana Marques, que representa o viúvo.

Além do processo penal, está a correr uma ação cível no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro intentada pelo viúvo, a pedir cerca de cem mil euros aos arguidos e ao Hospital de Aveiro. Os pais da parturiente, também deverão avançar com uma ação idêntica. O caso remonta a 12 de maio de 2010, quando, pelas 04h21, a mulher, de 35 anos, deu entrada na Urgência do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Aveiro, em fase inicial de trabalho de parto. Segundo a acusação do Ministério Público (MP), a grávida foi colocada num quarto do Bloco de Partos, acompanhada do marido, acabando por adormecer.

Feto morreu por asfixia

Cerca das 07h00, os enfermeiros deslocaram-se ao quarto da parturiente, constatando que esta se encontrava em paragem cardiorrespiratória, tendo sido realizadas manobras de reanimação, sem sucesso. O feto também acabou por morrer por asfixia, tendo sido retirado já sem vida através de cesariana.

Uma obstetra e um anestesista também foram acusados do mesmo crime, mas o Tribunal da Relação do Porto decidiu não os levar a julgamento, como pretendia a família da parturiente.